terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sobre quem eu sou parte II: a festa...

Sobre quem eu sou parte II: a festa...

Seria mais uma dessas comemorações familiares não fossem as idéias. Há muitos meses que não via meus tios por parte de mãe e o casamento de minha tia caçula finalmente conseguiu reunir a todos. O ponto de encontro era a casa de minha avó, Dona Joaquina, matriarca de seis filhos os quais criou sozinha, com muito sacrifício e muita dificuldade. Dos sete, apenas um não estava presente por motivo de desaparecimento a mais de dez anos – doença mental. Todos os demais estavam lá, presentes, unidos, cheios de filhos e netos a correr pela rua pela falta de espaço na pequena casa de minha avó. Três de seus cinco filhos presentes moram na casa de sua mãe, casa esta obtida na época do Governo Quércia, em lotes de pequeníssimas casas muitíssimo afastadas dos centros e que abrigariam famílias de grandes proporções as quais, com o tempo, fariam desses locais, sobrados mal planejados, puxadinhos, reformas das mais diversas, tendo em vista que em seu formato original não os caberiam de maneira alguma.

Apesar das melhoras nos transportes públicos da região leste de São Paulo, muitos dos convidados tiveram de esperar o ônibus por uma hora a fio para garantir presença na comemoração. Os ônibus têm maior freqüência durante a semana, nos dias “úteis” em que trabalhadores que moram na “extrema-periferia” atravessam a cidade por salários modestos e algum utensílio de conforto em seus lares. E têm toda a razão: somente em seus lares têm a possibilidade de nos “dias- inúteis” terem algum conforto, não serem empurrados, pisoteados, ou esperarem por um transporte público que por essa lógica maluca só serve para servir ao que é privado – somente ao trabalho.  E foi assim que,  após duas horas de metrô lotado (Butantã – Itaquera) e a carona de minha mãe a me pegar na Estação Corinthians Itaquera, que chegamos à casa que seria ponto de encontro para o churrasco. O salão ficava na rua ao lado onde somente após a chegada de todos iríamos seguir a pé.

Enquanto o momento de partir não alcançava, crianças que não mais reconhecia as feições me cumprimentavam e esclareciam a esta persona non grata serem meus primos. Uma tia avó questionava à minha avó se o pai de meu filho “me ajudava” com algo para a criança e eu a conhecer o mais novo andar da casa dos fundos, construído pelo marido de minha tia. Tia Elizete, a noiva, é uma dessas mulheres, ou melhor, é A mulher de personalidade forte, fala direta e sincera, de uma beleza que os homens querem, mas que não teve muita sorte no amor até então.  Mãe de quatro filhos e apesar disto com pouca paciência pra crianças, sempre investiu todas as suas energias nos amores de sua vida e sempre foi muito criticada por sua mãe por conta disso. O novo marido, o único “marido mesmo”, de papel passado foi mais uma de suas ousadias em uma família branca, de loiros de olhos azuis e que olhava pessoas negras assim, meio de lado.  Negro, orgulhoso, sorridente e de fala extrovertida, Genésio conseguiu sucesso financeiro por sua competência extrema como chefe de obras. Apesar disso, construiu a nova casa, a nova vida, na “extrema periferia” de São Paulo, pois lá é feliz e pretende seguir sua nova história.

O salão era um segundo andar construído acima de uma das casas do tipo descrito acima em que havia uma churrasqueira, muita carne, pães, cerveja à vontade e uma família que veio do nordeste e que conseguiu construir uma história acima de tudo de união. 

Entre uma conversa e outra, meu primo de 17 anos senta-se para falar comigo e perguntar de minha irmã, com quem tem muito mais contato. Conversa vai, conversa vem, perguntas sobre o que faço, o que tanto estudo (oito anos de graduação é difícil de explicar) e eu o questiono sobre o futuro. A resposta, porém, é simples e pragmática: “vou trabalhar na loja com meu pai. Já estou dentro, montando móveis, só preciso estar mais perto dele, do trabalho dele”. E os estudos, pergunta a prima estudiosa: “mal sei falar e ler direito, não vai dar certo”. Também na mesma conversa, me pôs a saber  que os montadores de móveis da loja de seu pai ganham melhor do que eu. Devo esclarecer que isso em nada fere meu orgulho, mas me deixa um tanto quanto invejosa por não saber o oficio.

Durante a comilança e as conversas de mulheres de nossa mesa, Genésio me aborda e diz que quer me apresentar a um amigo. A pessoa em questão, ou melhor, a família em questão, era a de seu melhor amigo, amigo de toda a vida e a quem fui escolhida para apresentação por ser, segundo ele, alguém passível de muita admiração. Durante nossa conversa, Genésio me contou que fui apresentada por ser uma “intelectual”. Fui apresentada ao melhor amigo de toda sua vida por ser “A intelectual”.  

E como não ser “A intelectual” com todas as observações estereotipadas e com esse tipo de texto tão distanciado? Que a tudo observa como se não fizesse parte? A intelectual que foi morar no bairro nobre de São Paulo? A mesma que tem um falar tão diverso daquela família. Palavras que distanciam... Que escondem. Esconderam de mim também, como se a V.Y de sempre tivesse irreversivelmente morta.

Ao mesmo tempo, não consigo mais me lembrar a quanto tempo eu não me sentia tão à vontade: tão em casa!  Era como se finalmente, eu estivesse entre os meus...

Em tempo! Devo confessar  um arrependimento: não ter jamais cursado marcenaria...rsrs!