terça-feira, 30 de abril de 2013

Selvagem


Selvagem,
ainda não sou, mas prevejo
Selvagem,
ainda não sou, mas pressinto,
Selvagem,
arrancar de seus olhos serenos,
a ressaca que o mar nos abençoou em rito,
selvagem
ainda não sou, mas permito,
selvagem
ainda não vou
e condigo 
lavar de espuma-gozo e menstruação
os sonhos que das ilusões ainda ressentem
selvagens
recitar ao escuro claridades aos gritos
selvagem tatuar ternamente meus oblíquos delírios
selvagens
sublinhar de suave meus doces quereres
expor ao atrito ardido e lívido
e selvagem...

e eu que não tenho crenças, oro e confio,
e eu que não sou santa, estendo as mãos em seu amparo,
e eu não sou rude, em amor desfiro
selvagerias íntimas
brutalidades líricas
lembranças minhas
todas selvagens, sempre selvagens.

caminhei por estradas muito lisas,
sob chãos aleijados de lonjuras
E os pés torcidos nos alheios anseios de fissura
Agora, tortos e endurecidos
pisam emburrados nos esburacos retilíneos
(tentativas de “conserto” das torçuras que herdei
quedas e estupros passos,
enigmáticos desalinhos e tão meus...)
costurados remendados de cicatriz da memória

E as mãos já quebradas desde o início
de Cecilia a serenidade apreendeu e arrependeu-se
Discípula arredia e disparatada
ao mar agradece sempre o redesenho quebradiço das mãos quase partidas
mãos na cólera esculpidas, mimetizadas
no enraivecido úmido de meus oceanos  
E ainda não selvagem e já
cederei ao contrário à lisura de ondas ordenadas
à procura das outras...
tantas quantas as que me deparar  
selvagens...
só as selvagens!

e afogar-me-ei sempre na tentativa
quantas vezes for de mim imprecisa
a estupidez em afundar-me
em navios que eu mesma e tanto esmero inundei
É na força desaforada de um próximo suicídio que eu recrio
o desenterrar nítido    
ressaca e desejos curvilíneos  
em planícies anestesiadas
de naufrágios atemorizadas
ante a carne depredada
e ante aquilo que é, e há e deve haver em mim
de selvagem
e deles nunca desagarro
e neles sou remodelada
qual areia fez-se a rocha em cansaço
e o mar fez-se lágrima em regalo a nossos desamparos
Eu me faço no embate
faço-me corte e afiada
E mesmo que para ali depois, não importa
a espera nem a dor,
eu viro o rosto e mergulho, só de birra
às ordenações e praticidades, passo
meu andar cambaleante e laço
deixando ao chão a marca de meu desaforado afago
meus passos
e sempre, e meus, coreografados:
levemente selvagens
sempre no fundo selvagens
e dos olhos afundo em sal e miragem
e qual areia misturo-me ao mar sem nele me embaraçar
e eu, que ainda não sou, mas precinto,
reconstruo a amputação do liso
e em seus olhos desvio-me
selvagem
e já sendo
sempre selvagem
e do mar afeita sou e serei
e onda mesmo macia não me reténs

nem me reterás

Selvagem
há algo aqui retorçura que engole gente
há algo aqui que te engole e se cospe líquida
há algo aqui que engole e mastiga ainda sem dentes
e selvagem
Sempre selvagem
E mesmo se ainda não sou a idealizada clivagem
e mesmo ainda no afundar de meus receios
e ainda sim arisca no contudo
do que não cliva nem se verga
vadia irredutível
do que sei e sinto  
do que em mim já é algo
e mesmo sem nome sempre resiste
morte e abrigo
Em serenidade e furor de maremotos dissabores
prevejo e aproximo
no que ainda não sou já me tornei
e nisto um pouco sou e sei e aprendo a ser
e ali sei 
já sou e crendo no que serei
selvagem,
sempre e sempre
selvagem!
  


   

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O humor e o meu mau humor




Amor

Humor
Oswaldo de Andrade

“O jul­ga­mento, cada vez mais comum, nas abor­da­gens do humor, demons­tram a insu­fi­ci­ên­cia e a impo­tên­cia dos homens que pre­ci­sam de uma soci­e­dade ideal. Entendo quem fica puto com deter­mi­na­das pia­das e acho que devem res­pon­der à altura, de pre­fe­rên­cia com sar­casmo, por­que todos somos dig­nos de cha­cota. Não há nin­guém insa­ca­neá­vel no mundo.
Por outro lado, vejo que o des­prezo é muito subes­ti­mado na soci­e­dade. Especialmente por­que foi ino­cu­lada uma ideia de rea­ção, as pes­soas estão muito rea­ti­vas. “Você pre­cisa rea­gir.” Será? É o pri­mado da pro­a­ti­vi­dade, do agir, de usar a inte­li­gên­cia para pre­si­dir neces­si­dade prá­ti­cas em busca de uma fina­li­dade, de uma reso­lu­ção. E se eu qui­ser ficar calado, parado, apá­tico? O silên­cio des­monta qual­quer humo­rista. Existe sim, uma potên­cia hiper­ci­né­tica na apa­tia, por incrí­vel que pareça, e é explo­siva. Despreze o humo­rista mais pró­ximo de sua casa e eco­no­mi­za­rás muita ener­gia. Precisamos apren­der a calar.

Bruno Maron, cartunista do Blog Dinâmica de Bruto.

Existe uma patrulha do politicamente correto? Existe liberdade no politicamente incorreto? Eu estou de TPM e estou insuportavelmente moralista? Existe uma estética da liberdade? Há algo em comum nessas perguntas?
Devo dizer, há TUDO em comum nas perguntas se considerados os acontecimentos desta semana. Tanta coisa, tanta passivorragia, ataquefutilologia, intoleranciaesquerdopatia, direitacinismologia, que, eu, Dona Encrenca, consegui me meter em três debates em menos de dois dias. E depois não acreditam quando digo que o meu inferno astral coincide com minha TPM! A relação que ata as perguntas (induzidas, apercebam) colocadas é a relação ética e estética. Conversa de  filosofa de botequim? Claro, ora pois! Faltando somente a cerveja, infelizmente.
Eu sempre, sempre, sempre me questionei a respeito de duas coisas que agora, plim, vejo a relação, só que pelo avesso: a demagogia e a chatice da esquerda. Não, não vou defender o povinho do “politicamente incorreto” que de incorreto só se for terem nascido a menos de cinquenta anos atrás e não na Era Medieval.
O que eu percebi é que eu e a esquerda em geral somos chatos! Jura? Sim, juro! Nós somos chatos e pra caralho! E porquê? Porque não conseguimos mover nossa ESTÉTICA em convergência com a nossa ética. É claro que gritar, bater pé e apontar dedo são atitudes apreciadas pela que aqui vos escreve este texto. Bateu em uma das faces, leva porrada de mão fechada, sem essa de mostrar a outra. Não gosto e não quero o papel de “boazinha”. Pode pegar esse papel e enfiar no digníssimo você já sabe! Todavia, entretanto e contudo, o que se passa é eu ter a hipótese de que o que leva alguém a gostar de ideias que EU (sim, sou neste texto, confesso!),  autoritárias, ou a rechaça-las pode estar também na estética adotada por boa parte da esquerda: a das palavras de ordem.
São necessárias as reações mais virulentas, menos boazinhas, claro que sim! Ainda vivemos num país machista, homofóbico, de ignorantes e pseu-intelectuais devoradores de títulos, etc. Agora, o que amarrou o que vou chamar de fracasso estético de minhas discussões foi o seguinte: se há pessoas que fazem humor dito machista, ou homofóbico, ou racista, enfim, porque a resposta sempre fica sob o alicerce da seriedade? Nós todos temos preconceitos e alguém a todo momento a nos dar sermão não funciona. Se o humorista X faz piada com mulheres pobres (hipótese), porque não respondemos com uma piada sobre humoristas em bolhas de vidro à espera da princesa photoshop, por exemplo? Levar a conversa para o humor, como a iniciativa de uma enquete que pedia a opinião a respeito do casamento de evangélicos, como já foi feita para o casamento gay chamou bem mais atenção dos evangélicos à idiotice do posicionamento de alguns religiosos do que bater o pé, fazer longos discursos.  É necessário também um pouco de auto-critica no humor, além de ser bom, faz bem pra saúde, opa!  E começar a fazer algo que maior parte das pessoas fazem com relação aos livros e demais itens de suas preguiças: simplesmente ignorar. Colocar o discurso medíocre exatamente onde dever ser colocado: no limbo da mediocridade.
Para a coisa não cair no abstrato puro, as discussões da semana que me trouxeram para este texto foram: a respeito de um diretor de teatro que enfiou a mão por baixo da saia de uma repórter vestida de forma sexy, do Programa Pânico; um artigo que criticava mulheres que substituem suas fotos pela dos filhos, defendendo ser uma marca discursiva de apagamento da mulher.
Os debates, respectivamente,  giraram em torno de se o diretor podia ter feito o que fez, já que no Programa Pânico, as mulheres se colocam a disposição de diversas atitudes machistas; e se necessariamente substituir a foto pela dos filhos é sinal de apagamento da mulher em detrimento de seu papel materno.
            Lógico, fui chata. O tal do diretor, Gerald, em minha opinião, foi um pusilânime, e fez o barbarismo que muitos homens gostariam de fazer. Sob o rotulo  “vagabundas”, muitos homens se permitem humilhar mulheres, não tenho dúvidas. E eu fui chata, pois acredito que há sempre aquela cordialidade do bom crioulo no Brasil que faz com que aceitemos barbaridades só para não parecermos chato. Eu sou assumidamente chata e acho que quem fala/escreve o que quer tem de aguentar resposta.  Mas, por outro lado, achei interessante como os debatedores conseguiram levar a conversa para um tom mais humorado, menos chato. Ponto para eles, confesso. Nessa, tiro o meu chapéu.
Eu já consegui , certa vez, em outro “debate” virtual desbancar a pessoa simplesmente concordando com ela. Eu concordava e, ao mesmo tempo,  expunha a gravidade do que a pessoa colocava. A pessoa não conseguia me xingar e ainda teve de rir do que eu escrevi. E acho que é isso. Rir. Colocar o riso nas discussões, o humor, talvez até mesmo o cinismo, é o que falta a esquerda. Darmos espaço ao humor negro, contanto que o outro lado também saiba que pode ser o ridicularizado.
E dar espaço ao fútil, por que não? A questão toda veio a mim, ontem, ao caminho de casa, quando pensava que colocar a foto com filho não é se apagar, mas do filho, talvez seja. Assim como a pessoa pode ser dona de casa e é um papel importante. Colocar o papel da dona de casa como menor e excluir os homens deste papel é que é machista. A ação só é machista dentro do contexto de que é vendida a ideia de que mães tenham de anular pelos filho. Em um contexto de homenagem, não. E pensava sobre isso, sobre eu ter de aprender a levar a vida mais leve, sobre uma amiga feminista que colocou seios e sobre eu nunca ter pensado na possibilidade, por temer me anular num tipo de plástica como essa, sendo eu feminista. Temer me anular com silicones nos seios ao mesmo tempo que só usava saias longas, até o pés, por odiar uma cicatriz na perna.
Somos contradição e devemos usar inteligência também em nossos debates.    
Deixem que todos falem o que quiserem. Ninguém é insacaneável, já disse o cartunista Bruno Maron. Então, que sacaneemos mais e, nisso, nos ouçamos mais.  Quem aguentar o tranco, que entre na roda. E a esquerda que também aprenda a tirar sarro de quem a sacaneia.              
          

sexta-feira, 12 de abril de 2013

E eu quero ter certeza* (com modificações)


Traguei meus olhos em labaredas agudas de lembranças.
Eu queimo e rio. A crueldade é uma condição humana e eu quero ter certeza.
Lanho  a língua nesta faca, tão afiada. E experimento de meu sangue um vestígio de anseio. A faca afia a dor e a dor afia a carne. Palavra-carne. Carne-palavra.  
Eu tomo tantos cafés quantas ilusões aborto. Abortos íntimos, porém nunca infinitos.
As melodias sujas de cores lambem de sonhos o tédio desta página assepsia-em-branco-vida. E dissoluta, embriago-me. Em plena luz do dia a ideia-carne é colorida e escorre impune em mel e veleidade. Saudade. Dissimulo inocências em meus passos gastos. Ninguém pode mesmo sentir o úmido por entre minhas pernas. E sigo de olhos escusos, sempre  baixos para não me delatarem. Os passos, todavia, cantam, e me traem.  
O espelho emudece diante do intocado de meu seio. Não sei quem sou e, por isso, não me vejo. Mas sei que só terei o reencontro de meu fim nas aguilhadas de seus pelos, em suas mãos, por entre o estremecer de meu receio.
A verdade esganiça seu contrário e eu recito paradoxos. Eu minto e sou sincera. Não fujo. E nem me enfrento. O corpo é sincero e a verdade é remedeio. Eu digo que te amo. E sincera, umedeço. Você rasga de mel os labirintos em que me perco.
Fecho os olhos para flertar com as minhas várias. Máscaras? Todas querem te olhar. A que irei vestida hoje será a que nos goze e nos desdenhe. Mentiras? Se dor é fingida, o prazer é sincero. E a verdade só existe no engano do desejo . Ora contigo eu sinto, ora com outro eu sou. E a carne é o meio, é na angústia e é no alivio, é no leito e no desterro. Eu minto com os olhos e por eles sou desfeita. E na candeia de meu choro, cabe mesmo a amargura. Mas no amargo também cabe o óleo do deleite.  
Lavo de cor a palavra e melo de sentido as lembranças de seus olhos.  O que rasgo da letra ainda não é memória acontecida. E já não é fantasia .  Você finge e sabe. E é por isso que desejas relembrar a memória desenhada (desdenhada?). O que há de vir? Não se preocupe, o corpo não esconde. Só inventa e reinventa.    
Trarei meus olhos em labaredas agudas de lembranças. Eu lucidez e delírio. O amor é uma virtude humana e eu quero ter certeza. Desfazer divina estes segredos que ardem.  Em seus pelos, pelo fim, enfim, num ensaio-orgasmo, sussurrar. O rio desaguar e mar.
Na escrita muda, em papel e pele,
a nossa absoluta beleza-nua.  
Eu choro e sorriu.
Em carne que não se entende
não corta e é fissura.
A carne que no outro sente
e arde. 
A memória é uma virtude humana e eu quero ter certeza. 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tédio, tédio, tédio!


Tédio. Tédio. Tédio. O mais puro e intenso tédio. Corpos engaiolados. Gaiolas de porcelana – paredes brancas, chão branco, vidas brancas. O dia que escorre pelas telas de nossos notebooks. Links e mais links. Esvaziamentos de cérebros. Anestésicos. Por que a vida que vibra ali fora nos dói. Eu vejo o tempo desenhar cicatrizes em meu rosto, marcas de minha atonia, e choro. Não pelos desenhos, não pelo que se foi, mas pelo como se foi. Eu trago livros, minhas morfinas, eu abro livros de figuras, eu tomo milhões de cafés, eu ouço músicas que não posso dançar e sonho os meus pés nus no chão, livres, em compasso.
Eu sonho. Sonhar. Sonhar tornou-se uma imprudência. Sinônimo de maturidade é perder a capacidade de sonhar. “Quando eu era jovem, sonhava mudar o mundo, fazer algo”. E agora? “Agora eu cresci”. Será? Cresceu pra onde, cara-pálida? Para onde vamos com esses nossos bolsos cheios de vazios? E as pessoas emburrecem, dia a dia. Não que eu seja inteligente. Não. Mas percebemos a mediocridade das pessoas por aquilo que elegem como problema. O ônibus que demora não é problema. O chefe fumar charutos em local de trabalho não é problema. O problema é o pipi alheio. E discussões a respeito do beijo alheio, do pipi alheio tornam-se homéricas. Percebo que o tédio não é só meu.
O meu tempo. Tempo de culpar e continuar a culpar. O outro, obviamente. O importante é ter em quem por a culpa, já dizia uma professora. A culpa é do gayzismo, do PT, da promiscuidade , do bolsa-família. São questões tão fúteis que não consigo disfarçar o meu rubor.  Noventa paus por mês a uma família pobre (de gente que nunca experimentou pobreza?), dois seres humanos acariciando-se em público, a política esvaziada em um discurso “todos são iguais”, que só leva à paralisia, é o máximo que pessoas pensantes conseguem discutir?!!! Caralho!
Paralisia. Assim eu também definiria o meu tempo. Tempo de paralisia. Qualquer coisa que justifique a inércia diante do esvaziamento de nossas vidas. Paralisados. Tornamo-nos uns grandes bundas moles. Não queremos soluções, não temos coragem para elas. Estamos sempre sem tempo para o que é importante, ao mesmo tempo que ficamos qual ratos a correr inutilmente em nossas gaiolas de porcelana. O conhecimento jogado na privada. Horas e horas de trabalho para revisar frases fúteis, com único proposito de nada. A inteligência a troco de nada. Sem ideias, sem problemas concretos, sem nada. Nem mesmo a organização de nosso trabalho é alvo de reflexão. Uma desorganização completa. O assunto mais empenhado que se consegue discutir, sem que lembremos tão efusivamente da vida que esquecemos, é sobre futebol. Nada contra. Mas oito horas discutindo futebol é de emburrecer até mesmo a Einstein! E se fosse só emburrecedor, mas é chato, tedioso. Ao menos falássemos de sexo, vá lá. As vezes, meu desespero é tamanho que qualquer coisa DIFERENTE serviria. Moda, carros, Hugo Chaves, os passarinhos na janela, qualquer coisa, a mulher, os filhos, os sobrinhos, qualquer um, qualquer um!!!  Nossas vidas! O único momento de respiro é quando há histórias de vida. E as pessoas têm bom humor, são gentis. Não são burras. Não tem nada a ver isso. É o tédio que come nossas relações.    
E acabamos nisso: tédio, tédio e tédio. Paredes brancas fedendo a merda e ideias brancas e inodoras...                      

  


Oh Lord, won't you buy me a night on the town?
I'm counting on you, Lord, please don't let me down
Prove that you love me and buy the next round
Oh Lord, won't you buy me a night on the town?