domingo, 26 de junho de 2022

Aviso

 Eu quero avisar sobre os poemas que eu publico, que eles nunca são sobre ser vítima de algo. Nunca. Eu nunca estou mal e por isso publiquei um poema. Nunca. 

Porque se eu escolhi o formato "poesia" é porque estou compartilhando algo que pode também ser sentido pelo leitor. Eu estou num lugar quando trago o poema, esse lugar é o da validação do sentimento. Isso quer dizer que em algum momento eu escolhi brincar com as palavras no meio de uma reflexão que poderia ser apenas dolorosa. 

Esse brincar em si já me retira do papel de vítima. Papel esse que existe e seria muito tentador eu cair, caso eu não considerasse cafona.

Então, respondendo a qualquer pessoa que se preocupe com o quê eu escrevo, se eu escrevi e publique é porque eu estou bem.  


(aliás, as vezes eu publico textos só para fazer pirraça inclusive, não se enganem)

Casulo

 Eu preciso me mover e não consigo


Eu preciso me mover e não consigo


Não consigo sozinha


Só que para me mover


Eu preciso deixar um pedaço


Um pedaço de mim


Eu ofereço o pedaço que menos dói


Mas as pessoas querem


Querem


Elas querem decidir o que querem de mim


Se eu mover o meu corpo, elas querem que eu entregue minhas memórias


Se eu mover as memórias, querem um pedaço do meu corpo


Se eu mover os dois, elas querem o meu simbólico 


E mover tudo


só se esquartejada


As pessoas querem


Querem


Saber que existe alguém


a quem elas podem decidir algo


Já que delas mesmas 


elas não sabem decidir nada 


Eu sei bem dançar a coreografia alheia


E deixar pedaços de mim para os outros


Eu preciso me mover


Eu preciso


Eu vou fingir ser uma lagartixa dançarina


.


.


.


.


.


.


.


.


.


(até o casulo se romper)

sábado, 26 de março de 2022

Projeto de vida

Faz algum tempo que percebo que caminhamos em uma sociedade do projeto. Você tem de ter todas as direções de suas ações e seus sentimentos devidamente mapeados, afinal, você tem um projeto de vida a cumprir. Não cumpriu as metas do projeto? Fracasso. 


Ao mesmo tempo, vivemos a sociedade do fracasso. Não conseguimos mais seguir projetos individuais e dependemos o tempo todo de outras pessoas e seus sentimentos aleatórios. Então, fracassamos. Projetos são previsões de futuro, que ao dependerem de outras pessoas mas não pressupor-las, fracassa. 


Dessa forma, parece que não é possível escolher o quê sentimos baseados em projetos de como estaremos daqui dois anos. Eu não consigo saber onde estarei daqui dois anos. 

Talvez ninguém nunca teve os seus sentimentos baseados somente conforme um projeto de vida para daqui a dois anos. 

Percebo que, no meu caso, eu me sinto culpada por sentir de um modo que não seja em direção para onde quero estar daqui dois anos. 


Essa neblina social extrema parece esfregar algo em minha cara que é: os meus afetos estão fadados ao "agora". 

Eu desejo saber onde quero estar daqui dois anos ainda. Talvez porque ter um planejamento de futuro seja um compromisso com o agora. Uma espécie de contrato em que se diz subliminarmente "Quero que esse agora continue e entrego meu futuro em garantia disso". 


O fracasso parece fazer a todos nós caminhar em um agora sem garantias. A qualquer momento você estará na floresta e poderá ser atacado. Por isso, a ansiedade e a síndrome do pânico parecem ser também sentimentos tão comuns atualmente. Estar o tempo todo em alerta adoece. 


Em uma sociedade em quê os laços sociais parecem estar afirmados unicamente em uma penhora do nosso projeto de futuro, como lidar com uma crise que nos obriga a nos segurar no quê temos no agora? Sem garantias, relações baseadas somente na solidariedade mais primária, como as relações por afinidade? 

Lidar com a angústia contemporânea parece ser caminhar no escuro e escolher apenas a quem queremos dar a mão para caminhar com a gente. Será?

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Pés e Asas

 Já faz tempo que devo esse texto a vocês. Hoje em dia, olho para vocês, que é dois, como eu e lembro que por muito tempo eu fiz de tudo para esconder vocês. Eu tive tanta vergonha de vocês, eu transava de meias para esconder vocês. 

Eu olho neste exato momento para vocês e não consigo mais ver o que aquela Outra via de feio. No máximo, a cicatriz do tornozelo direito, que me gerou muita dor física. 

Eu quero dizer agora: nunca houve nada de errado com vocês. Não é que eu aprendi a amar vocês, meus pés, como são. É que eu consegui me livrar daquela máscara terrível que tampava meus olhos e inventava um mundo onde sereias devem ser devoradas pois são monstros. 

Sereias só são pessoas com calda. 


------

Oi,

Espero que a carta tenha feito você se sentir bem. A mim, chegou tarde demais. 

Você sabe o quanto eu aguentei para que pudesse realizar seu maravilhoso sonho de fazer faculdade? E depois, de dançar?

Eu doía mesmo. Era o mínimo que você tinha de compartilhar do que eu sentia. 

Você me escondendo enquanto eu te carregava para lá e para cá nas costas! 

Folgada!

E nada nunca estava bom. Incrível. Eu cheguei a lavar o chão de sangue em nome do seu capricho por dançar perfeitamente. Porque, né? Dançar só por dançar não parece bom para a dona obcecada pela aparente perfeição! Aff!

Se eu fosse até a lua e dos fios de sua luz lhe fizesse asas para voar, ainda assim era bem capaz de você ensacar tudo em uma meia esburacada e só voar escondido.

Será que podemos somente curtir a partir de agora?  

 É o mínimo que nós merecemos. 


--- 

Pensei em ficar em silêncio depois do que me contou. Meus pés, mas que é um também, pois é o equilíbrio na dubiedade. 

Eu talvez realmente ensacaria em meias furadas as minhas asas caso vocês as me dessem. Eu jamais as rejeitaria entretanto. Eu nunca as rejeitei. Amar escondido é um modo de ser livre. Covarde pode chamar. Às vezes, porém, o único modo possível. 


Ser livre pode ser uma afronta em certos ambientes. Se eu fui tão obcecada na perfeição, é que isso parecia ser o único modo de caminhar sozinha. E, trouxe sim novos modos de pisar. Eu alonguei vocês, meus pés. Eu os tornei mais fortes. Mais ágeis.  Não nego o sofrimento de vocês. 

Se fui cúmplice na dor que passaram, também fui a espiã que libertou a nós três.

Voar a luz do dia é curtir o voo. É também saber da guerrilha que será ter de voar contra os estilingues. E também saber que será preciso se posicionar contra as gaiolas de quem tanto nos ama e nos quer nelas.


Poderia perguntar a vocês: estamos preparados? Mas isso não existe. Nunca estaremos preparados, no máximo com boa estratégia. 

É assim que as histórias reais começam. 



domingo, 2 de janeiro de 2022

Se eu fosse criar uma história de amor perfeita


Era uma vez… Alguém que me fizesse companhia; que me acolhesse; que me assumisse. O que é me assumir?

É desfilar publicamente comigo? É ter em aberto a possibilidade de projetar futuro comigo? 

Era para ser uma ficção isso aqui. Um dia eu fui à padaria e um rapaz interessante puxou assunto comigo. Eu fiquei com vontade de continuar conversando com ele. Depois sutilmente ele acessou meu corpo e transamos. E foi maravilhoso. E queríamos mais. 

Passamos a conviver e eu podia fazer coisas legais com ele. Talvez seja só isso. Parece monótono, mas nada é monótono na América Latina, no Brasil, sendo uma pessoa pobre. Não faltaria assunto e aventura pela menos.

Por outro lado, nenhum plano parece possível, eu não consigo escrever uma ficção de amor. Até ia mudar o título para "uma história de amor imperfeita". Não ajudou a tentativa de mudança. 

Eu nem mesmo consigo assumir o desejo de ser publicamente amada. Eu venho aqui e pela escrita tento rascunhar notícias de meu desejo. 

Do que eu tenho medo? 

Um dia o rapaz interessante lhe disse: gosto de você, mas nem tanto. Ela se desfez em lágrimas como quem tenta regar uma planta seca e fazer que volte à vida pelo excesso de águas que agora deposita nela. 

Há muitos jeitos de ser gostada, não deveria doer. E não dói. Porque essa é uma história perfeita de amor. O rapaz da padaria mora dentro do meu coração e o medo que o protege não permitirá jamais que eu fale de modo amistoso com rapazes interessantes em padarias.