quarta-feira, 31 de julho de 2013

Cena em primeira pessoa


Entraram em casa, o cheiro era de pipoca queimada, mas não muito queimada. Era uma adulta que gosta de pipoca e ele uma criança que não gosta. Cobrou a ‘mesada’ em atraso. Sabia que a mãe a tudo esquece, então, ele, sete anos e bochechas, precisa cobrar a mesada, precisa lembrar à mãe de olhar o bilhete da escola, enfim, estar a parte das responsabilidades da casa. Ele olha por um instante, estende os braços e diz que tem saudades... Saudades de durante o dia. Depois vai jogar no computador. Dá graças a Deus, está exausta para conversar com ele. Passa um tempo. Irritada com aquilo, quer atenção também, mas não soube pedir. Desaprendida de conversar com o filho? Apenas sem forças... Melhor mesmo talvez seja esquecer então do assunto e cair pro banho. Antes mesmo do pequeno, banhar-se, cansada. Ele percebe a mãe no chuveiro e corre pro banheiro, tira a roupa, Gosta de tomar banho com a mãe. É nesse momento, ele sabe, que sua mãe finalmente... Finalmente! 
“Então não havia esquecido!”. Não. Não havia esquecido. Só estava seca demais para lembrar.     

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Tempos


O tempo, o ônibus perdido, o coração ocupado com relógios engessados
O tempo, milímetros por segundos ao quadrado do atraso
O tempo, café sem leite, acordar sempre já suprido de cansado
O tempo, fração de carne hexâmetro radioativo empalhado
O tempo, trabalho para casa, a criança sem espaço, o lento e pontual Amor sempre adiado
O tempo, vaso dilatado, adrenalina, ritalina, amoxilina, cafeína, cefalexina, cocaína, a lua esquecida em alguma ina sem memória, falsos retratos nunca alados em realidade
O tempo, viagem de férias, a vida agendada em intervalos emoldurados
O tempo, navalha agitada em seus olhos dispersos-foto-instangran-sem-instante-de-vida-imagem-publicidade-íntima
O Tempo, maldito resistente às cimentadas vias inumanas
O tempo, lâmina que corta quente, o esquartejado introjetado de um corpo-alma-farelo
O tempo, zil tarefas, fragmentos, 
de um todo
em frangalhos

o-tempo
: o-instante-lancinante-rumo-ao-nada

o-tempo
: morte-tempo-
morte-morte
tempo, minúsculos-histéricos-diminutos

o tempo-o-tempo-o-tempo
-o-sobretempo-o-subtempo-o-mesmo-tempo

O
-des
-Tempo!

: instante infinito não programado.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Bitch Eyes


Eu , já fundura escura ao redor dos olhos
em vermelhos de cansaço escorados
já em hálito de café amargo,
disfarço,
o que de mim desfaço
o que de mim encubro
em absorções  e opiáceos    

O meu olho,
é vulgar, de velha descompensada
tensa e tesa desgrenhada, caduca arreganhada
-       não se enxerga, não?!
-       Não...
Em sal resisto e lavo
os seios entumecidos
ante a gota de um chuveiro de motel barato
seios infantis
corados,
ridículos,  
fiapo de carne intacta entre os dentes do Tempo
e sinto o bater alaciado de seu tropeço brega
e  não quero
Não quero!
Já sabida nas artes da embromação
sem ser sábia e fingindo ser
sinto
que o endurecer da voz não protege assim...
e aquele órgão de comercial
o encaixado nos seios e não
armadura nua que não se faz dureza nunca
armadura estúpida!
Nem mesmo serve a esconder o que de mim desaguo
olho por olho,
lente por dente
lebre em pele de lebre e lobo

e já fundura escura
desnuda desengonçada carnadura
afundo o peito ao redor dos olhos
em cansaço devotado
e o ridículo de meus lábios de velha desgrenhada
não descrevem sem papaguear o eco rastro
este vulgar de seios infantis
(e nem mesmo o modo vulgar como os tenho e gostaria dizê-los),
acaba que se contrai em voz enternecida
infantil dessemelhança
e no peito, pelo peito
intactas retenho
as descrições
toscas
a respeito de seios infantis
e demais gagueiras ante este bitch coração de anciã

sobre os fiapos que persisto 
e que o dente do Tempo já em mim
lanha o olho
fundura curta da língua intacta
eu minto
Anciã de seios adolescentes
disfarça

e mente
e funda-se 
e vai assistir novela com creme anti-rugas
ao redor
dos olhos

Nos olhos.