sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Trechos


Eu tenho de escrever sobre isso antes que eu mesma o faça. Depois, velha, com todo a secura de um velho que olha a juventude, a sua e a de outros, sob a desidratação de sua própria secura. A história do mundo sempre foi pela a voz dos velhos. Roubando nossa esperança, dizendo-nos que não somos tão bons, ou tão esforçados, ou tão disciplinados, enfim, que não fomos eles e, por isso, padeceremos dessa nossa liberdade em negá-los. É por isso que é preciso narrar a NOSSA história por nossa própria voz. Ainda que imatura ou débil. E tudo isso antes de passarmos para o time de lá, do time DELES. Ao mesmo tempo, será o nosso grande presente: livres para que narrem  sua velhice e, esta, finalmente, passe a existir. Eu faço parte de uma geração em que é proibido envelhecer. Então, para não serem dizimados, os velhos se camuflaram de jovens e nos roubam a voz: mais uma vez. Em troca, quando perdem as forças, nós os calamos na porrada ou pior: na mais completa indiferença. Esta é história de uma guerra entre gerações para deter a única coisa que nos diferencia dos deuses: a incapacidade em controlar o Tempo. O silêncio, porém, essa farsa mal ensaiada,  não conterá sua força! E aviso: o desejo em maquiar o Tempo, narra-lo sob bases inverossímeis, terá o seu preço. Olhar a Medusa é imortalizar-se em pedra,  é viver e morrer em pedra, a eternização da vida e da morte em um mesmo ato, paradoxo. Essa é a narrativa sobre o nosso flerte com Medusa: sobre quando e como a conta chega. Por que, ela, um dia chega. A palavra seria o registro ao nosso anseio de nos petrificarmos sem dor ou apenas a tentativa de realizar o desejo de um dia virar pedra sem ter de morrer pra isso? 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Rubi


Se é de sangue o meu sexo,
e dele feitas minhas águas
sangue mole em pedra dura
tanto bate até que fura
De minha matriz,
maremotos
tsunamis
ressaca de vidro engolindo Portos inteiros
e se cristal delicado eu feita lhe pareço,
com estas mãos frágeis já quebradas,
cacos de fêmea,
deixo avisado que é ao quebrar-se
que o mosaico e o mar
se faz arte, força e beleza

Quando Yemanjá festeja seus feitos em mim,
cristalino se torna o sangue de entre aqui embaixo ali:
forte, cristal viscoso
liquido fumegante
sangue em água
o milagre do vinho ao contrário
e ora vermelho, ora translucido
escorrerá sempre grandes tempestades
deste meu suave estreito

Quando deitada em brasa
(de dor e de doçura)
o que lhe ofereço são maremotos para dentro,
os próprios cacos em avesso:
rasgando-me duros
em dor
e doces,
se quentes liquefeitos
Mas assim como o vidro que ao calor se remodela e não se incendia
eu vim ao mundo mesmo é pra brincadeira!
Yara das águas eu sou
sangue de fêmea eu sou
dor e candura eu sou
cuidado contudo
que é bom sempre lembrar
daquilo de que sou feita:
do mar e de Iemanjá
não há vulcão nem torso
que a eles não se arredem
e que com eles não se aplaquem
de vidro liquido e mar vermelho e revolto
arrasando costas inteiras
eu só vim ao mundo mesmo,
não confunda,
é para brincadeira
não se atreva!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Sobre meus não-sonhos



“Sonho sem ver os sonhos que tenho.
É a vela que passa na noite que fica.”
Frase em cartaz de um dos postes da rua de meu trabalho, Alto de Pinheiros.

Poema original da frase:

Ao longe, ao luar,
No rio uma vela
Serena a passar,
Que é que me revela?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.

Fernando Pessoa, 5-08-1921

E todos os dias, aquela frase no poste. Frase que só pude ver ao atravessar a rua, mudar o habitual curso do caminho, em escolher caminhar invés de esperar o demorado ônibus ao trabalho. Passei a andar pelo lado “errado” da calçada.  Todos os dias subir a rua pelo lado direito da São Gualter. E todos os dias eu prometia fotografar aquele cartaz. Cartaz colocado em uma rua de raros transeuntes, os moradores, acredito eu (fantasmas?), só saiam de casa de carro. Ou, como confabulava, as casas ali eram abandonas mesmo, só as faxineiras e, seguranças e porteiros caminhavam naquela rua e em horário bem anterior ao meu. Bairro abandonado, à espera de sua venda na especulação imobiliária paulistana, tinha poucos leitores àquele cartaz. Ou alguém  invadira meus sonhos e, em indireta livre ao meu coração, trolava meu caminhar rumo ao meu buraco negro de horas de vida.
Como não podia deixar de ser, a promessa continuou sendo apenas uma promessa... O cartaz fora arrancado.
Hoje, depois de muitos meses do acontecido,  procurei na internet se havia o poema em outro lugar, se era de algum poeta conhecido e, qual surpresa, é de Fernando Pessoa!  Todavia, a via antiga retomada e, como no cartaz, continuo a postergar a fotografia – doce ilusão em reter o poético, e meus sonhos, sonhando sem ver os sonhos que tenho. Como a vela que passa na noite que fica...       

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Rimas...


Durmo.
Pouco.
Nunca o suficiente.
Sono.
Muito.
Sempre o excedente.
Viver.
Nada. Sempre Nada.
O Nada em excedente.
O Nada e seus entes.
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Rimas fáceis garantem mais tempo para o sono.
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Pular ondinhas toda semana...


Estamos no segundo dia do ano e volto à minha agenda, uma planilha de Excel, com meus objetivos para 2013, para ver o que foi realizado. Um dos primeiros, o de usar a agenda, já sabia falho. Nem lembrava mais quais eram os objetivos ali descritos! Fico feliz, contudo, por ter feito uso dela por mais tempo no ano em relação ao ano anterior, além de ter consigo realizar ao menos um terço dos objetivos:




O mais fantástico disso, de escrever objetivos todo ano, de pular ondinhas, fazer pedidos à Deus ou aos deuses, enfim, é: o de podermos fazer isso todo ano; o de não fazermos isso toda semana, já que também poderíamos.  Um paradoxo: um milagre e a sua negação, ao mesmo tempo.
Esse ano que passou e que a agenda acima não transparecerá foi um ano de incertezas. Não à toa, a agenda foi usada por mais tempo do que o usual: ela foi um escudo, um bote salva-vidas ante o medo que se acercava. Era um ano de mudanças drásticas. Eu teria de sair da USP, eu teria muitas dívidas pendentes, eu estava com a relação com meu filho abalada pela falta de tempo e espaço que vivíamos, além de estar em guerra aberta com as pessoas com quem morava. Não tinha mais forças para uma seleção de mestrado, sentia-me feia e inadequada e não via uma mão em minha salvação. Eu entrei o ano sabendo de tudo isso e sabia que seria um ano duro. E foi.  Bruxa vidente de meu destino, eu previ e aconteceu e, ainda por cima, em tons bem mais intensos do que os observados em minha bola de cristal coração: eu não saí da USP, fui enxotada, eu continuei com as dívidas e as aumentei, eu passei a ficar menos com o meu pequeno, eu caí em letargia. Mas as mãos também surgiram. Eu fui ajudada por gente que nem imaginava e as soluções aos poucos vieram, com dificuldade, contando os centavos, mas vieram.  Fui ajudada por L. que nem me conhecendo bem hospedou-me, dividiu o que era seu comigo, regatou-me para a vida social, inclusive. Consegui moradia com M., que também, em voto de confiança, abriu sua casa ao Biel e à mim.
2013 foi um ano de rupturas e descobertas: ruptura com minhas utopias - mestrado, descoberta e ruptura com novas utopias – julho de 2013, com minhas fraquezas – militância jogada ao vento por letargia, descoberta de um corpo vivo e que pode bem mais do que eu imaginava e bem menos do que eu esperancei após a primeira descoberta – com a dança, com a vida social, com o feminismo; com a escrita. Aliás, o corpo, grande tema meu em 2013, foi colocado à prova em todos os planos: estético – parei de me esconder em roupas largar e compridas; potencial – parei de achar que não conseguia dançar, falar e me mover em público; sexual – aprendi que o mais subversivo nesse aspecto é a delicadeza, a gentileza e o cuidado, ao contrário do que a tanto tempo eu acreditava. Ser gentil é o que há de mais subversivo no sexo – obrigada feminismo e aos que me ajudaram na prática!
Em 2013, fui colocada no olho de um furacão e então fui obrigada a me mover. O que me traz um desafio bem maior: aprender a me mover sem ter de ser colocada à prova. Acho que é o grande desafio pra vida toda, mas tendo em vista tudo o que passou,  terá de ser o grande passo de 2014.
Ainda não fiz a minha lista para o ano que chegou. Falta alguma reflexão aos objetivos que, este ano, não estão todos à mão.
Contudo, já fica então o primeiro: usar a agenda...rsrs!