quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Trechos


a solidão deste papel em branco e o quê realmente eu desejo é sentir essa lembrança de seus olhos que não recupero.  É isso sempre. Escalpelar a palavra dela mesma, sonhar a lembrança e reinventá-la até esculpir uma história. Ou ainda:
UMA das histórias de UM de meus silêncios.
Trazer de volta suas suaves mãos-quentes-calejadas às minhas. Sempre-fria enquanto te confesso tudo isso e minto, minto esse monte que você sempre soube quando investigava meu rosto.
(Há pessoas que têm no olhar a dureza delicada do mar diante da rocha. nos toca em nossa umidade. nos quebra ao meio. por fim, nos desquebra. nos ama. e nascemos. peça remontada. na morte do instante. nunca mais rocha. grãos de areia. nenhuma batalha além do abraço.
Depois disso, nunca mais serei: você e eu. never more, nunca-nunca, A-MESMA. Quebrada eu, Nós, serei. para sempre. Outra. Este Nó. Seremos, enfim. Nós.)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O Parque


E eu ali, naquele parque, em construções completamente fora de seu tempo, galinhas e pintinhos soltos a todo lado. E pipoqueiros, vendedores de milho, de churrasquinho, de coco, de sorvete. E muitas crianças. E muitos velhos. Mas o que eu gostaria de registrar é a apresentação de dois deles. Sentaram-se em um banco, um com um violão e outro com um saxofone. E iniciaram uma canção que é como se o tempo tropeçasse de delírio e eu caísse em outra época. Eram aquelas músicas da época de Ouro do rádio, com aquelas mesmas vozes. Vozes que não existem mais. E nesse momento, a magia. As crianças sabem reconhecer o que é mágico. E por isso, até mesmo elas, pararam para ouvir. Outros velhos sentaram em volta dos dois, emocionados. E eu ali em uma espécie de alegria e angustia, por saber que minhas palavras não alcançarão a beleza daquela cena. Suspeito de que só sabem realmente viver a vida e conferir a beleza que lhe é intrínseca as crianças e os velhos. Velhos, não idosos. Velhos que sabem a beleza de suas marcas e de sua história. E que, como aqueles velhos do parque, gostam da vida e não se curvam diante dessa babaquice de que só a juventude vale a pena. Por isso, a beleza só pode mesmo frequentar parques como o que estive ontem: repleto de velhos cantores, crianças e bichos soltos.  

Por quê escrevo?


Escrever. Por quê escrevo? Por vaidade? Por falta ou excesso de discernimento? Para falar sobre o que sinto? Um pouco de tudo isso, contudo é mais. Quando escrevo (bem ou mal, tanto faz!) há, sim, algo de mim ali. Porém, fosse apenas sobre falar de mim, não haveria sentido. Somente eu consigo compreender o que sinto e só a mim isso interessa. Há algo de mim no que escrevo, confesso. Mas há também algo de ti. De ti e de uma outra. Para escrever sobre minha peculiar visão de mundo eu necessito traduzi-la para ti em uma linguagem que é minha e é sua também. Sou eu ali e também uma outra. Um sincero fingimento. Quando escrevo, caminho para ti e te misturo ao que sou. Para que me entendas, preciso passar-me um pouco por você. E ser outra. Que se finge e não mente. Carrego nesse ato um pedaço de ti misturado ao que sou, faço uma terceira pessoa e nisso renasço. Já uma Outra, que também sou eu. Só que contigo em mim, infinitamente indissociável de mim. E para sempre. É esse o motivo. A linguagem como meu ato mais corajoso de amor por ti. Morrer um pouco do que sou, para misturada em ti, nascer e te amar nessa minha pequena morte de cada linha.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Boca Úmida


escorrer seus dedos
em licor ornado
em meu úmido desejo
lamber o Amor
em seus 
atos&atalhos

beijar seus palavrões em mim
baixinhos
 ao pé do ouvido
e chupar
o seu “caralho”
sentir Você
Sacana
o olhar direto
fodendo
em minha Chama
acender
os sisos e os tinos
gemer aos gritos
a sua boca suja
cortesia vulgar
delicadamente
ouvir
que comigo
“suavemente quer trepar”
compreender na pele
sua língua
sugar nesta
mais perfeita taça
os lábios tintos
a delicada nata
o sincero segredo rijo
purificar
as minhas ideias
já molhadas
em água santa
nos embriagar
e queimar os trajes,
as carnes e as frases

umedecer pelo fio
o novelo
descobrir a ponta
pelo fim
e pelo fio
sempre o começo

se enredar em linhas e enlaces
de cada nó
na morte
um cálice

nada mais quero
nada mais espero
do começo ao fim
único elo
o começo no fim
o infinito em meu meio 

nada mais
quero

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Doce, doce!

Em mim, um fel,
um mel tão doce,
uma gentil ferocidade, 
avesso de aguilhão,
que mesmo senil de mil alanceadas 
de mim ainda
o desejarás.

em mim, 
a abelha 
em flor
no mel despetalada
sugar o espinho 
Ao encontro 
do que 
finalmente 
a espetará.

em mim, espumas e espinhos,
pelos e atalhos
a pele 
em gentil ladrilhado
o arrepio tatuado 
o verso mordiscado!
em mim,
seus dentes...

Tu mastigas
minhas sanhas
e em troca ajoelho meus segredos,
oferendas cínicas,
clichês íntimos, 
em oração 
entretanto 
sincera:
de suas farpas,
quero sempre o arranhar.


A nata, o néctar,
o mel do dia
a melodia 
a doce aresta
a rosa rósea 
em minhas pernas
o milagre em vinho branco
despelada aos pingos
o infinito em rito
o caralho em mim,
lambuzar a prece,
o vermelho e o branco
pequena morte
dia e noite 
em mim,
a nos provar. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Conectivos

Eu,

frases desmembradas de seu fim,

insustentável,

(desperdício de vocábulos)

mastigando 

vazios e sonhos,


e,


entre

 

as últimas-mais-novas-das-novas-notícias

(salgados de padaria suja requentados) 

:


eleições-dos-EUA-bombardeio-na-faixa-de-Gaza-tendência-batom-matte-para-o verão-2013-mulher-esfaquiada-nos-Jardins-policia-prende-seis-elementos- medo-medo-medo-medo-!

terra-água-fogo-ar 

vida...

flor...esmagada...na...calçada...ladreada...de...pedrinhas...no...meio...do...caminho...


Você.

Eu te amo.


Desconecto-me

(Eu)

Para ti  

tu


desprovida de armaduras

em vidro e plumas

descalça 

desnuda 

TU 

em mim


POR FIM 


dançar 

no inverso 

do abismo do abismo 

o sonhar

nas salivas 

das línguas 

conectivos do amar.


Sós e sóis 

amor

infinito úmido por narrar.  

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

MAIS

Menos um,

menos dois,

menos três...


Os dedos desnecessários nas minhas, 

necessários apenas nas suas.


Menos é mais.



E você  nunca me empresta as suas


Você as usa em mim!


Mais um,

mais dois,

mais três…

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"Em frangalhos"

Nunca mais eu acordei. Desde o dia 20 de março de 2006 eu passei, colocando à parte as raras exceções, a ser sempre “acordada”. Nunca mais dormir até a hora desejada. Com o tempo, um pouco de compreensão e um pouco de aporrinhação. Todos os dias ser acordada: sábado, domingo, feriado, dia útil e inútil. Acordada como mãe, como pai, como trabalhadora e como estudante. E não há como culpar a Ele. Mas o irracional é uma merda.
Já perdi as contas de quantas vezes à hora do levantar eu disse a Gabriel coisas que não se diz nem a um adulto de 50 anos de idade. Depois, pedir desculpas, remoer-se, lembrar da negligência das demais pessoas que também deviriam junto a mim velar o sono do meu pequeno e o meu. Lembrar que elas também não têm culpa, que o sistema é excludente, que não considera nem velhos, nem crianças, nem mães e male-male as mulheres. Lembrar que eu sou responsável por meus atos, que eu devo ser racional, que Ele é importante. Eu juro, juro mesmo que estou tentando. E em boa parte das vezes eu consigo. Todavia, os sentimentos não são uma estatística. Merda!
E o meu sono é pesado e tenso. Às vezes, visita-me em sonho com uma maldita psicóloga que fala sobre a solidão de meu filho. Indefeso diante de minhas grosserias. E Ele tão paciente com meus recorrentes pedidos de desculpas. Nos sonhos, ou pesadelos, que seja, não o protejo. Os sonhos se repetem e eu continuo a fingir que está tudo bem. E as coisas não estão mal. Apenas não estão todas bem como eu gosto de acreditar.
Eu estou cansada. As pessoas não entendem e, talvez, não devam. Eu estou cansada delas também. Cansada de algumas mais do que de outras. Principalmente das que insistem em me fornecer suas picuinhas diárias. Estou cansada das mediocridades alheias. Das pequenezas, das fofocas, das vozes atrás das paredes. Dos cochichos, do meu medo de ser assunto de toda essa sujeira. Vozes de dor, eu sei.  Nem por isso, sinto-as menos tontas.  Vozes de gente que sente dor e esta, por sua vez, fez delas pessoas tontas. Medo de ficar tonta com a presenciação das tontezas alheias e da passividade diante das minhas.
Um consolo, pois eu corro atrás de consolo também. O meu é pensar que algo de certo devo estar acertando com Ele: é uma criança fantástica. Porém e daí? Se o tempo que temos juntos é desperdiçado em sermões, pedidos de silêncio, videogame, pedidos pra deixar-me dormir, explicações sobre o meu cansaço. Explicações-inexplicáveis sobre o meu incompreensível cansaço. O Tempo. Que se vai. Junto com o que realmente importa.  E leva a infância de meu filho pra longe de mim.
Deixo claro: isso é um lamúrio. Ninguém pode me ajudar, ou quem pode, não quer. Não é um pedido de socorro. A vida não está péssima e nem o meu pequeno está mal. Somente acredito que é preciso fazer este rascunho de uma das consequências de nosso tempo, de nossa sociedade.  Isso aqui é só para registrar. Quando as futuras gerações remontarem a história de nossa intimidade, quero que saibam o quanto este maldito sistema de trabalho e de estudos causam dor.   Sobre o que é estar fora. E para sublinhar que estar fora não tem nada de genético ou a ver com força de vontade.
Aliás, a minha está se reerguendo. Com deslizes. Que doem.  É isso.     

terça-feira, 9 de outubro de 2012

“É de um mundo em frangalhos, não obstante em calmo desespero..."

“É de um mundo em frangalhos, não obstante em calmo desespero, que seu pequeno grande salto se dá. É de um mundo miserável, em sua opulência fútil, que seu pequeno grande corpo emite seus sinais. Sinais de dor, tão somente e tanto.”

Fonte: O Estado de São Paulo. 


Link: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-calmo-desespero-das-elites,941550,0.htm


Alguns textos felizmente ou infelizmente não passam intactos aos nossos corações, ou não nos deixam intactos, enfim. O trecho acima é o de um deles. Ao final deste relato, entenderão. Espero. O entendimento da autora talvez não anteceda a tempo para que o vosso possa ocorrer.    

Nos últimos dias tenho sido irresponsavelmente consumista. Ainda não quebrei a barreira do imponderável, mas estou muito próximo disso. Nos últimos dias tenho comido chocolate delirantemente. E trabalhado e estudado na mesma proporção. E tenho sido absolutamente estupida com meu filho. Estou há um dia de um maldito processo seletivo, que de seleção faz muito pouco. Apenas tira fora a quem o sistema não suporta. Ponto. Agora, tentarei amarrar todos esses fios. Amarrados, porém, sinto muito, ainda emaranhados.

O que me tocou no texto acima: colocar meu filho, por alguns instantes, no lugar da criança que cometeu o suicidio no colégio São Bento. Dramático demais, lógico. Gabriel não estuda em colégios-formadores-de- vencedores. Não almejo um filho vencedor em relação a “perdedores”, mas em solidariedade com os últimos. Entretanto, talvez por uma analogia rasteira, enxerguei algo que se põe diante de meu nariz: um sistema que me distância de meu filho. E o faz colocando-me  eternamente em débito com sei lá o quê, no qual as tarefas sempre estarão acima do necessário. Colocando-me sempre em atraso com trezentos mil deveres e em estado de stress permanente em relação à pessoa mais importante da minha vida.

A pergunta que eu me fiz ao ler o texto foi sobre quais sentimentos e angustias Gabriel estaria a carregar sozinho e indefeso ao ouvir todas as minhas grosserias?  Por quê me refugio no consumismo como forma de aplacar a ansiedade que me consome diante do medo da “derrota”?

Eu tenho uma lista de angustias. A respeito do maldito mestrado que só consome os anos da minha vida e da minha relação maternal e parece cada vez mais nada me devolver. Das horas a fio que ficamos em escritórios enquanto nossos filhos, parentes e amigos adoecem sós em algum canto da cidade. Do repentino apego a um hábito consumista. Da falta de dinheiro, seja economizando, seja consumindo (será isso?). 

Eu escrevo tudo isso calmamente, assim como aparece no texto citado. Não há desespero, ou, se há, ele é calmo. Eu não consigo responder a tudo isso. Mas precisarei.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Utilidades

 Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.”
C.D.A



Fútil,
vulgar,
no meio do caminho havia o afeto
atrapalhando o tráfego 
o meu Amor não tem mesmo de ser útil
E eu, aqui, de braços e mãos atordoadas,
nem por isso deixei de esperar o seu abraço.

Se morro um fígado a cada grito,
ele renasce, teimoso,
em silêncio, 
nos intervalos desta grande-repetição-barulho-mundo-surdo. 

Eu tenho mãos sem dedos que escrevem 
asas delirantes que tombam
e um reflexo no espelho 
que não vejo e existe.
E isso nunca é dito desta maneira

Mas eu e minhas mãos
não deixam de sentir os voos.

Tudo já foi escrito, 
e daí?
A Fênix nada quer dizer

Apenas 
morrer palavras
para depois
Renascer