sexta-feira, 28 de março de 2014

Aviso



Ei, garoto,
quando nos conhecemos,
a cara lavada,
eu te avisei que usava máscara
e você não acreditou.
Eu pareço confiável pra você?
Eu guardo um berro dentro da boca
e você deve entender que berro não é só um grito alto
e que eu estou pronta a explodir crânios
disparo à fronte
o sangue
afronta
a morte pronta.
e todo dia  
eu líquida párea
na porra da gota-doida
metamorfose vira-lata
identidade-ladra
morro melindra desidratada
e malandra-fênix-senil
jesus de saia
bomba-beco-da-boca-
embebida placenta
batalha n’água
que escorre d’meus olhos-vidrados in falso
restos concebidos em sono frustrado
sobressalto
o lastro
que eu retiro a seco
pela garganta
em abortos fetos assonados e atados
entranhas salgadas e aguadas
encharco-ácido
agourada.
E esse é só o meu pequeno ritual de café da manhã
café sem açúcar
que não se adoça o que só se engole íntegro
se amargo
(no talo).
Então, meu querido,
você que se ancore
core
ou
corre
que se comigo faço isso,
deve imaginar o que não sou capaz de fazer contigo?
Ein?!
Ei, garoto,
quando nos conhecemos,
eu disse que escondia uma navalha
e você não acreditou
ainda que de mãos quebradas
eu tô até os dentes alada, viu?
Eu pareço pra você
 desarmada ?
Eu a guardo bem aqui
 atrás das costelas
E eu a seguro sem o cabo.
Então, você deve compreender
que a qualquer momento eu não vou aguentar
(sangrar)
e eu vou usar
eu vou usar!
e eu sempre rasgo no peito
é que eu gosto de cenas poéticas
sou fã de tragicomédia
e de refrão em primeira pessoa
borrão vermelho na aquarela pálida
jaz trágica
vida farta.
ha! ha! ha!
é isso ou vaza!
Ei, garoto,
eu não sou tão original
e sim
eu sou daquelas
pangeia verborreigica
que invejam
a arte alheia
esteia
e de mim faço
apenas
pirateada cópia periférica
reprodução possível e banguela
de meus  remendos anseios
china-heterônomos de Fernando Pessoa
o ser quantas pessoas forem necessárias
para parir os meus dilemas de sete faces
Drummond da quebrada
vulgar sem ser de Led
na rede: in Red.
Ei, garoto,
eu te avisei,
que eu prefiro é a confusão
e eu não vou aliviar
nem mesmo só
pra contigo poder trepar
e  simpatia
morreu na esquina
sem dentes e sem tripas
pra poder da própria morte
rir e festejar.
e quando nos conhecemos,
eu te avisei
e você não acreditou.
Eu pareço agradável pra você?
Só se vai aguentar o tranco
que o mínimo é o agradável:
e eu tô dando a letra de graça
e ela é cara:
Eu sou e estou. Somos. Eu miragem e embaralho
estardalhaço e o caralho!
Que intimidade
eu só tenho com o Demo
pois a ele um dia delegaram  
pai de todos os pecados
e do divino
eu desconheço os termos
só ao pai de meus atos
eu sempre sou
a filha que quer paternagem e amparo.
E rixa com o tempo eu compro e aconselho
e no meio-fio
eu-descarrilho
que pra quem escolhe não ser trilho
é morrer sem nunca conhecer
guinada de deus bonzinho
E é assim,
garoto,
não tem caminho
a vida é o beco:
pra quem enfrenta,
inferno.
Pra quem foge do destino:
vivo desterro
E eu te avisei
eu te avisei
e acredito
você sabe.
que pra quem não nasceu em berço nobre
só se vive
em-bote
e de uso de verbo já forjado
“a alma é apontada
na cara do sossego”
descarrego.
Eu: desassossego seu
Tu: desassossego meu.
Nós: barros do asfalto pela flor descabaçado
o estopim na boca do silencio
já engatado e engatilhado.
No peito,
a coragem
ao infinito
no dardo:
o amor
disparo.  

quarta-feira, 26 de março de 2014

doce, doce


“que seja doce, que seja doce...”

que seja doce...
e não dócil.
se o mel respinga quente
segue a cera
e que aguentem!

serei sempre doce
sempre doce...
Dócil?
Não, não-senhor!
que o meu mel  
eu sirvo quente
(quente...)

quem gosta
que se queime
quem teme
que se queixe.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Desalinhavos diários


Existe uma estética que a muito perpassa a narrativa com Ele: a estética do cansaço. A luta contra isso é todo dia. De todos os pontos de vista. Do discursivo – com leituras que ajudem a entender o papel a ser desempenhado em relação a Ele. Do físico – com o inicio de alguma atividade física que ajudasse a ter mais disposição para acompanha-lo. Do financeiro – a fim de vislumbrar mais liberdade de escolha com relação às horas do dia. E sempre pensava que uma hora, aos poucos, estaria “pronta”. Nunca estará. Todo dia é dia de estar incompleta. Já fazem oito anos e por muitos anos a situação foi arrematada por linhas coloridas pela lógica da restrição. Desaprendiam a brincar juntos. Desaprendiam a aprender juntos. Desaprendiam a ir ao parque juntos. Desaprendiam a ir a reuniões escolares juntos. A comerem juntos. A dormirem juntos. A assistirem filmes, a irem à festas, a estarem com seus amigos... e juntos. Agora, formada em Educação, 12 anos de estudos, terá de das linhas negras e retas dos livros, verter o que delas misturadas a si usará para finalmente tingir, ainda que de seu próprio sangue, as novas e necessárias cores de seu dia-a-dia com Ele. E em ponto firme, linha dupla: ensinar aos dois a re(a)prenderem-se nó novamente.       

segunda-feira, 17 de março de 2014

Ser mulher e mãe é ser carta fora do jogo no protagonismo político


Essa semana que se passou eu recebi cinco convites para diversos eventos culturais e políticos. Dois atos na rua, reuniões de organização desses atos, dois encontros sobre relações livres e mais uns sambas e congressos e festas, etc. Eu tenho a sorte de ter muitos amigos verdadeiramente engajados em projetos políticos, literários e sociais. Toda semana, eu recebo ao menos dois convites de Sarais formidáveis. Aí tem também o Cooperifa, os sambas todos, os congressos, as mostras de cinema e até rodadas de cerveja no fim da tarde, na Augusta, na Paulista. Eu sempre me senti muito feliz em ser lembrada por tanta gente especial e que assim me considera e em ter acesso a tudo isso, a essas oportunidades de discussão e reflexão. Mas eu não vou a quase nenhuma (podem continuar a me convidar, por favor!).  Eu amo a rua, eu acho importante todos esses debates, eu realmente acredito nos valores ali discutidos e que minha presença talvez contribuísse com o coletivo ou grupo dos participantes. É desse ponto que eu quero começar: da mulher e mãe que tem de ficar à parte de tudo isso. Incluo-me nessa categoria.
Se lembrarmos que dois terços dos mais pobres do mundo são mulheres, que uma grande parte delas são chefe de família, que outra grande parte, mesmo na classe média, têm jornada dupla de trabalho – fora de casa e dentro, que para não cumprir essa jornada têm, em boa parte das vezes, de contar com a ajuda remunerada ou não de outras mulheres, que muitos dos debates em que as decisões políticas são tomadas estão em locais longe da periferia, sem estrutura nem pressuposição para receber mulheres com filhos, seria pertinente a questão: estaria de fora da política exatamente a quem ela mais interessaria e mais se pretende como representante? E quando somamos a isso que o machismo bem como a representação masculina ainda é predominante nos movimentos de Esquerda, que ainda se orgulha em esbravejar que gênero é “questão secundária” na opressão social, que a “raiz” da questão é SOMENTE classe, veremos que o quadro que se configura é ainda mais cruel à nós, mulheres , mesmo às que não são mães.  A nós mães, eu temo nem haver quadro: somos carta fora do baralho.  Nossas vozes são raptadas pelos “companheiros” que dizem nos representar (?) com toda a boa vontade do mundo, mesmo quando esquecem de criar mecanismos para nossa participação enquanto protagonistas da luta que sabem interessar a nós mais do que a ninguém. Mesmo nos movimentos que ocupam a periferia, se observamos, a discrepância de gênero, a não ser em questões exclusivas às mulheres, é gritante aos olhos.
Até hoje, em 12 anos de participação no movimento estudantil e no ambiente acadêmico, conheci apenas uma pessoa que veio a mim para participação de um evento de discussão política em que a presença de crianças estava pressuposta. Era uma jovem mãe, como eu, que inseriu a questão no movimento político provavelmente por compartilhar da mesma realidade.  Na Universidade, a única vez em que levei meu filho a um congresso fui bem recebida, mas acredito que tive sorte, pois outras três mães com quem conversei foram hostilizadas, isso quando não foi feito o pedido direto de que se retirassem da sala de aula ou do evento acadêmico. Na moradia estudantil, a hostilização e tentativa de minha saída foi direta e clara, como eu já coloquei em outro texto aqui.
Diante disso, das discussões políticas e culturais apartadas das periferias, do não oferecimento de uma estrutura para que mulheres e mães possam participar das decisões de políticas sociais, eventos e atos para exigir ações do Estado e da sociedade que comtemple suas necessidades, de uma esquerda que ainda posiciona o Feminismo como questão secundária, de um machismo que incentiva fortemente a competição entre mulheres e o seu mais violento desamparo – “quem pariu Mateus, que o balance”, “na hora de fazer não gritou”, “essas menininhas dançando funk daqui a pouco engravidam e (bem feito!), vão se ferrar”, onde fica a voz da mulher e mãe? Qual o lugar da mulher e mãe -  e pergunto inclusive por mim- , no engajamento dos movimentos sociais? Na contribuição para a pesquisa acadêmica? Na participaçãoo de eventos culturais? E se, para intensificar, a mulher e mãe for também mãe-solteira? 
Eu acredito que é imperativo aos movimentos sociais pensar esse tipo de questão se querem deixar de ser movimentos liderados por uma “classe-média-branca-ilustrada” – que tem boa vontade, ninguém diz o contrário – para se transformarem em movimentos liderados por quem a voz e as memórias são cotidianamente apagadas. Acredito ainda que o ponto de partida para isso deva deslocar-se para cotidiano dessas pessoas como matéria primeira desses movimentos e não, como eu vejo hoje, um devir “futuro que nunca chega chamado Revolução mas que enquanto isso tome no cu”. Para tanto, talvez o mais importante seja o fortalecimento de esquemas de solidariedade entre mulheres e entre mães e entre homens apoiadores para a participação dessa classe especifica de pessoas cujo recorte é...tchã, tchã, tchã, tchã... GÊNERO!           
       

sexta-feira, 14 de março de 2014

Mulheres mirando-se em Atenas


Mulheres
mirando-se em Atenas
nunca precisam esperar
por nenhum marido
força e raça e sei lá mais o quê.
apenas
só de si si precisam,
as Atenas,
e vão dar um rolê coazmigas
afinal, hoje é o seu dia de folga
e ser Atenas só sendo Atenas
e uma cervejinha pesa menos que um escudo

Mulheres mirando-se em Atenas
banham-se em quente leite
derramado pelo meio
de suas próprias
melenas crespas
e quando humilhadas,
apedrejadas,
encoxadas no busão
tratadas
qual seus impotentes rezam:
“falenas!”
não choram
(de imediato),
abaixam-se,
quase ajoelham-se,
e dão uma voadora
(borboletas?)
atrás dos joelhos
bem no meio do orgulho
e raça de suas prepotências
lembrando a eles
que é a cidade quem tem seu nome
e não o contrário
nome de mulher
guerreira

Mirem-se no exemplo

Daquelas mulheres
que qual Atenas
despem sua roupa aos seus queridos
apenas
e violentas
tecem longos bordados em novelo embaraçado
e caricias obscenas
deitadas em rito
livres e sedentas

e em nome das que ainda Helenas
em quarentenas
empenham-se muralhas
 nem um pouco pequenas
e sem dó
com sua força e amor
impõem-se grandes e plenas:
- Sai da frete senão a gente te arrebenta!
e de suas novenas liberta
as falenas, as sirenas, as Helenas
e o orgulho e o pau de quem as desuniu...
comem como petisco de sua cerveja
apenas
afinal
hoje é dia de folga e ser Atenas só sendo Atenas
e uma cervejinha pesa menos que um escudo

Atenas guerreira
orgulho, força e raça
de seu próprio corpo
cidade-fortaleza
mirando-se em si
certeiras.


quarta-feira, 12 de março de 2014

Infinito Carnaval


A chuva lava a pele
e escorre
pelo meio
caminho
em nós
alçado

e a língua lisa
é quem inscreve
o beijo crespo
caminho em pelos
por ela enfim
reencontrado

Do carnaval as cinzas não vingam
não vingam...
pois a quem Colombina
da pele já é veste
para sempre em mim
Carnaval é chuva
eternizada

e se as cinzas secas voariam com o vento
e a quarta-feira chegaria em seu momento
e eu triste a descolorir
ressecamento
não fosse seus dedos
fecundando prenhe
fumegante e quente
o estender
do próprio Tempo
em mim
de ti
a memória
alada
e banhada

e às quartas-cinzas
em pele
só o desporto
Que tu em mim
fez temporal
e se pássaros já
não alçam voo
seguirá em frente
etereamente
meu sonhar em ti 
um Arlequim
e as nossas fantasias
novamente
encharcadas

E na rua e na avenida
a chuva à festa só enfeita
e a dança é asa
à pele tesa

É Carnaval, amor!
:
o que de ti em mim
se fez etéreo

agora
aqui
só que em palavras.