terça-feira, 29 de abril de 2014

Sobre afetos e papéis de gênero


Faz algum tempo eu noto algumas semelhanças em relatos de mulheres com relação a seus afetos homens.  Sobre a indiferença, sobre mensagens não respondidas, sobre falta de cuidado. E então comecei a pensar com mais cuidado sobre o assunto. Porque homens e mulheres são socializados de maneiras bem diversas. E é isso o que me impulsiona a escrever hoje.
Homens são criados para “causas nobres”. Desde a tenra infância, nos desenhos animados, nos filmes, nas brincadeiras, a missão do homem é “salvar o mundo”. Se, por acaso, acontecer um amorzinho no meio caminho, melhor ainda. Mas, antes de tudo, salvar o mundo! Homem, em nossa sociedade, tem missão, profissão, carro, moto, avião, superpoderes, companheiros fieis para suas “batalhas”, figurinhas para serem trocadas “só entre os truta”, time de futebol, clube secreto de heróis, etc. Ele está sempre muito ocupado “sendo homem”.  Está ocupado demais para se arrumar, ocupado demais para cuidar da irmã, da mãe, da namorada, de aguar as plantas. Quando o amor é tema de sua vida, vira guerra entre nações e aí o amor é só a “desculpa” para, novamente, “salvar o mundo” e vulgo “ganhar uma esposa de brinde”. Se ele errar um código, escolher o fio errado, não for forte o suficiente, o mundo sofrerá as consequências.
E a mulher? Ahhhh, a mulher!!! É a que se apaixona e larga tudo. É a que o mundo conspira para que encontre o grande amor! A que se o vestido rasgou, os camundongos e a fada madrinha virão resolver, afinal, se a mulher não encontrar o seu homem, o que será dela? É a coadjuvante do herói. É a que está ali, na luta, mas já com um grande amor que o é que realmente a move em sua causa. É que liga para saber se está bem. É a protagonista de todas as comédias românticas.  A mulher só tem como causa.... o homem! Ela não tem profissão. Se tem, o motivo, no fundo, no fundo, é...o homem. Ela não tem superpoderes e só. Quando os tem, vem junto uma roupa bem sensual, uma armadura que deixa o colo do peito nu protegendo de absolutamente... nada! Porque mulher cuida e cuida e cuida e cuida... de seu homem, este sim, o cerne do mundo! Daí fiquei imaginando isso após vinte, trinta, quarenta anos de socialização. E como isso incide diretamente em nossas vidas amorosas. 
Com esse quadro em mãos, eu imagino gerações de homens que “não se atentam em cuidar”. Que, devidamente estimulados pela sociedade, têm uma vida repleta de afazeres importantes. Que acham bobagem perguntar às suas companheiras, mães, irmãs, filh@s, se estão bem ou a quantas andam. De perguntarem se precisam de algo. Ou se querem ajuda para lavar louça, ir ao mercado, com a organização do evento X, para olhar as crianças. Eles estão na luta! E temem mulheres que sejam mais atenciosas sob o medo de que “grudem”. Afinal, mulher, quando é insistente, atenciosa, só pode estar possuída sob o vírus Ebola da paixão, essa doença mortal e inumana que só deve ser evitada se a portadora for uma mulher! Pois só mulheres perdem a cabeça com isso. Elas foram devidamente condicionadas a isso...
Mulher, em nossa sociedade, só tem amor – ao homem. Anos e anos e anos disso entuchado em nossa cabeça. Em nossa rotina. E somos cuidadoras. Cuidamos. Somos atentas a isso. Nós lembramos de ligar. De ver mensagens. De abdicar de nossas causas realmente nossas para: cuidar do homem. Do amor ao homem. E parece haver um gatilho em nós que nos condiciona ao primeiro sinal de paixão e amor... nos abandonarmos. Deixamo-nos atravessar qual lâmina na água por esse outro, o homem, tão encantador. E passamos a olhar o celular com frequência cardíaca. Facebook, idem. E a ver os filmes que Ele viu, as causas nobres que Ele defende, os lugares que frequenta, os livros que lê, os blogs que gosta, etc. Das mais escolarizadas às menos, das mais ricas às mais pobres, brancas ou negras, estamos disciplinadas a isso. Há as que escapam a isso. Há as que apenas resistem. Das que resistem, está as que, como eu, ignora o que sente e ignora tudo e todos. Que se enche de mais tarefas. Que se propõe coisas, ser em separado com mais ênfase. Só que aí.... começam os jogos. De que “mulher não pode dar muito mole”, de “vou ser tão descuidada quanto” de “quem ignora mais, tem mais poder”.... 
Como ser livre nesse contexto? Acredito que redefinindo os papéis de cuidado e de alteridade. De ensinarmos aos homens a serem cuidadores e às mulheres a também almejarem salvar o mundo... de derrubarmos a necessidade dos jogos de gato e rato, de podermos ser diretos. O questionamento dos papeis de gênero em nossas relações amorosas. Há um escritor que diz que o Amor é sexualmente transmissível. Se assim for, por que quando mulheres se apaixonam após o sexo é que isso é ridicularizado? Eu acredito que é porque “já se esperava isso mesmo de mulher, aff!”. E mesmo quando não se apaixonam, são punidas (só pode se vadia, blá, blá, blá!). Parece que estamos repetindo e repetindo incansavelmente os rígidos papéis de gênero dados desde nossa infância. Ainda que em contexto de liberdade sexual. Ainda, nós, mulheres, estamos em um lugar esvaziado a ser preenchido pela figura masculina. Muitas vezes, somos mesmo jogadas a isso, em profissões que nos desvalorizam, em afazeres domésticos que nos prendem a casa e ao cuidado dos filhos e acabamos nos ancorando na figura do “amor salvador”, nem sempre é só uma “escolha”. As vezes, percebo que isso é inclusive alimentado por nossos companheiros.
Com relação aos homens, vejo que ainda são jogados ao papel de “filho da esposa” e separados das tarefas de cuidado e dos afazeres domésticos como se fossem “incapazes”. Eu vejo o reflexo disso até mesmo nas manifestações de ciúmes. Vejo que homens reclamam mais de ciúmes ainda que em Relações Livres. E mulheres reclamam mais de “desapego”, de abandono afetivo, ainda que em relações livres. Se o pessoal é social, acredito que a liberdade só pode acontecer se desmantelarmos esses jogos, essas desigualdades, se nos empoderarmos enquanto mulheres e os homens sejam mais cuidadosos com as mulheres. Só vejo liberdade em amar livre se conseguirmos sermos em separado.         

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sobre só saber ser mentirosa


Tem um pouco de mentira nas coisas que eu digo. Alguém me pergunta algo e, as vezes, eu minto um pouco, sem querer, mas sabendo, para ficar mais bonito ou mais rápido de responder. Esses dias, um colega de trabalho perguntou o que andava lendo. E eu disse: “nada. Ler é com você, que está estudando. Eu estudei demais, agora só vou a Sambas, só coisas com o corpo”. Depois eu pensei que estava lendo várias coisas e até livros inteiros. Só que o mais importante naquele momento era o que eu não estava lendo.  Uma mentira que saiu como se fosse uma verdade e que naquele momento era uma verdade mesmo não sendo. Toda vez que alguém me pergunta sobre religião eu invento uma nova ou finjo ser ateia. E se me perguntam de Saraus, digo que não gosto. Aí, em outro momento, eu penso que gosto, só que nem sempre, mas não sei porque. Eu sempre digo que odeio lavar louça. E pensava por esses dias que é mentira. Eu ligo Omara Portuondo às seis da manhã, espero o cheiro do café tomar a cozinha, abro a máquina de lavar para que o cheiro da roupa limpa e seca tome a cozinha também. E entre um passinho e outro eu lavaria a louça de um restaurante inteiro. São sinceras as respostas.  São respostas meio perguntas. Dentro de mim, são perguntas ou incógnitas. Daí, fora, saem como respostas fantasiadas. Um dia desses perguntavam qual era o meu trabalho. Na hora, deu um branco, era Carnaval, aquela pergunta ali, fora de lugar, eu esqueci o que eu era. Só consegui responder o que eu tinha na manga, para os momentos de filosofia de bar: “ah, eu sou desadestradora de Leões, ou alforriadora, tanto faz!”. A pessoa me olhou como se eu estivesse dizendo alguma barbaridade ou como se fosse alguma brincadeira, quando, por dentro, eu falava com muita seriedade.  “E qual o seu nome?”, perguntou ainda o rapaz, tentando me resgatar para um mundo real. “Colombina, hoje eu me chamo Colombina”. “Você é estrangeira?”. “Não sei te responder isso não. Nem sempre eu sei de onde sou”. E demorou uma meia hora para eu lembrar a resposta esperada, a resposta ao que ele realmente deve ter perguntado. Eu sempre respondo sentindo e isso é  difícil de traduzir em muitos momentos. Eu acho que isso acontece porque devo mentir para mim um pouco também. Ou é uma verdade só que só dentro de mim. Quando sai, vira outra coisa.  Ou, com pressa em responder, eu jogo a ideia pelo meio, enquanto ainda tentava pensar algum inteiro. Eu nem sempre consigo acompanhar o tempo da fala. Ou a fala nem sempre acompanha o meu Tempo. Por isso, eu preciso tanto da escrita. Nela, tento registrar meus debates internos, minhas verdades temporárias, minhas incógnitas. Elas estão no que eu escrevo, embora não sejam. A fantasia é o único modo de me fazer sentido.

terça-feira, 22 de abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

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O lado ruim de estar fora, de estar em um não-lugar: a solidão. Eu poderia continuar a sonhar em criar um novo lugar, que contemple aos como eu. Talvez o legado de meus escritos sirva para isso às gerações futuras. Cultura demora  a mudar. Mas existe também o lado bom em ocupar um não-lugar ou em estar nele: o de conseguir observar o quinhão de não-lugares de cada um; o de conseguir me mover mais rápido do que qualquer categoria. Tentam me apreender: bela, monstra, especial, deficiente... E eu já me movi. Quem consegue capturar o que não consegue classificar? Se consigo tudo ou quase tudo o que preciso de onde estou, por que abrir mão dessa mobilidade, desse novo tipo de mobilidade? Se eu não tenho reflexo ao espelho, quem garante que o que você vê é realmente o seu reflexo e não uma distorção do vidro? Você olha para mim, mas não sabe do que sou capaz. E saber relacionar a imagem ao que é capaz não é exatamente o que chamamos de enxergar? Com o tempo, passei a amar essa potência, ao seu jeito. É solitário ainda. Eu lembro disso, as vezes. Então, eu me movo. E percebo o quanto é prazeroso se mover. Dançar, mesmo que só. Você não me vê. Mas é absorvido pelo espetáculo.          

terça-feira, 15 de abril de 2014

Carapaça-farsa

As vezes, eu acho que vesti uma armadura
e que ela é de diamante. Uma boa parte das pessoas acreditam que eu visto uma armadura e que ela é dura como um diamante. Porque o vidro e o diamante são parecidos. E quando tenho medo, faço poucos movimentos. Para que não percebam a diferença. Há dias em que olho-me no espelho e acredito realmente estar protegida. Mas uma flecha atravessa o meu peito e eu percebo cacos de vidro pelo chão. 
A transparência do vidro deixa mais fácil o alvo a quem mira no coração.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Poema de adolescência


Para os dias chuvosos
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Eu tenho este frio aqui. Aqui.
E só há um tecido capaz de esquentar: o epitelial,
seu.
Eu tenho a visão distorcida aqui.
Uma miopia minha. aqui.
E só um tipo de lente que a destorce: a
de seus olhos.
Eu tenho os lábios ressequidos aqui. aqui
E só há um liquido capaz de hidratá-los:
a sua saliva.
Eu tenho um coração enfraquecido aqui.
Meio. 
E só um inteiro capaz de fortalecê-lo...
Aqui.