Faz alguns dias eu penso na minha vivencia no CRUSP. Eu
passei por lá para ver um amigo e relembrei a época em que conheci uma das
minhas melhores amigas e também todos os demais grandes amigos que eu fiz lá.
Até pouco tempo, o CRUSP me remetia a uma sensação de dor. Ainda que os últimos
dois meses que passei lá terem servido para me presentear uma grande amizade,
que levarei para sempre no coração. Eu conversava com outra amiga sobre a
moradia estudantil e ela me relatava sobre uma sombra que pairava sobre o
local. E eu pensei sobre isso. Se havia mesmo uma sombra e se havia algum
motivo para essa impressão. E é lógico que toda a dor que ainda guardo comigo
emergiu qual um corpo putrefato que emerge no mar. Imediatamente depois, qual
as flores jogadas a Iemanjá, surgiram competindo com o corpo, dissolvendo-o em
fóssil mesmo, as boas lembranças. Os grandes amigos que fiz lá, a maneira de me
relacionar, que não teria aprendido se não fosse lá. E um cheiro bom de café
tomava a cozinha e também as minhas lembranças... Na casa de Sonia, na de
Paulo, na de Márcia, na de Laura, de Elanir....eu vou esquecer de citar aqui
todos os bons amigos com quem compartilhei café, mas estão todos tomando café
comigo em minha memória. Das cervejas, das comidas, das baladas, dos abraços...
A sombra que paira no CRUSP é a, na realidade, a mesma de tantos outros espaços
em que a pobreza criminaliza, deslegitima e pesa pela engrenagem institucional,
que é feita para isso mesmo: para lançar sombra sobre os espaços dos pobres.
Então eu resolvi que a minha maior resistência é não deixar que levem isso de
mim: AS MINHAS MEMÓRIAS. São minhas, são intocáveis, são fortes e são de luz.
DE LUZ. De gritos “canalha” na janela, de leituras de poema de Catulo na Ágora,
de idas ao bandejão em grupo, entre amigos, e cafés pós-almoço, de meu filho
correndo pelo corredor e brincando com todos, de decorações na parede feitas
manualmente, de roupas no varal no corredor do prédio, de ser acolhida por
gente que não tinha nenhum laço de sangue comigo e que ainda o fez simplesmente
porque eu precisava. De fazer sexo no colchão no chão e depois olhar a lua pela
janela com vista para o espelho d’água na praça do relógio, plena. Nenhuma
instituição, nenhuma autoridade, nenhuma violência sofrida ali tem a força de retirar isso de mim. Tentam
projetar uma sombra sobre a favela CRUSP, assim como projetam sombra em tantas
outras favelas do Brasil. Porque o CRUSP é um tipo de favela. Mas “podem me prender, podem me bater, podem
até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”. As minhas memórias são a resposta que eu
devolvo de minha formação na USP: venci. São lembranças iluminadas e com cheiro
de café, sem classificação institucional possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário