segunda-feira, 7 de abril de 2014

CRUSP


Faz alguns dias eu penso na minha vivencia no CRUSP. Eu passei por lá para ver um amigo e relembrei a época em que conheci uma das minhas melhores amigas e também todos os demais grandes amigos que eu fiz lá. Até pouco tempo, o CRUSP me remetia a uma sensação de dor. Ainda que os últimos dois meses que passei lá terem servido para me presentear uma grande amizade, que levarei para sempre no coração. Eu conversava com outra amiga sobre a moradia estudantil e ela me relatava sobre uma sombra que pairava sobre o local. E eu pensei sobre isso. Se havia mesmo uma sombra e se havia algum motivo para essa impressão. E é lógico que toda a dor que ainda guardo comigo emergiu qual um corpo putrefato que emerge no mar. Imediatamente depois, qual as flores jogadas a Iemanjá, surgiram competindo com o corpo, dissolvendo-o em fóssil mesmo, as boas lembranças. Os grandes amigos que fiz lá, a maneira de me relacionar, que não teria aprendido se não fosse lá. E um cheiro bom de café tomava a cozinha e também as minhas lembranças... Na casa de Sonia, na de Paulo, na de Márcia, na de Laura, de Elanir....eu vou esquecer de citar aqui todos os bons amigos com quem compartilhei café, mas estão todos tomando café comigo em minha memória. Das cervejas, das comidas, das baladas, dos abraços... A sombra que paira no CRUSP é a, na realidade, a mesma de tantos outros espaços em que a pobreza criminaliza, deslegitima e pesa pela engrenagem institucional, que é feita para isso mesmo: para lançar sombra sobre os espaços dos pobres. Então eu resolvi que a minha maior resistência é não deixar que levem isso de mim: AS MINHAS MEMÓRIAS. São minhas, são intocáveis, são fortes e são de luz. DE LUZ. De gritos “canalha” na janela, de leituras de poema de Catulo na Ágora, de idas ao bandejão em grupo, entre amigos, e cafés pós-almoço, de meu filho correndo pelo corredor e brincando com todos, de decorações na parede feitas manualmente, de roupas no varal no corredor do prédio, de ser acolhida por gente que não tinha nenhum laço de sangue comigo e que ainda o fez simplesmente porque eu precisava. De fazer sexo no colchão no chão e depois olhar a lua pela janela com vista para o espelho d’água na praça do relógio, plena. Nenhuma instituição, nenhuma autoridade, nenhuma violência sofrida ali tem  a força de retirar isso de mim. Tentam projetar uma sombra sobre a favela CRUSP, assim como projetam sombra em tantas outras favelas do Brasil. Porque o CRUSP é um tipo de favela.  Mas “podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”.  As minhas memórias são a resposta que eu devolvo de minha formação na USP: venci. São lembranças iluminadas e com cheiro de café, sem classificação institucional possível.          

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