quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Quase reflexões etilícas...

Falida. Eis uma das palavras que melhor me definem. Falida.

Não, não é de modo dramático que inicio tal definição neste rascunho de idéias.

É apenas uma constatação. Todos os meus projetos ...pela metade. Amarrada em minha própria condição.

Para não dizer que nunca toquei o sublime, fiz um filho e consegui ótimos amigos. Talvez isso baste e por isso não é dramático. Porém são coisas tão fora de mim, tão independentes de minha existência que exceto pelo óvulo e pela gestação de meu filho, não têm a menor contribuição minha.

A faculdade inacabada, as dívidas transbordantes, o projeto de Mestrado não escrito. A bebedeira não realizada, o sexo adiado. Sim, adiado. Não coube na agenda! E os sapos? Se engolir sapo engordasse, eu já estaria obesa. Esse final de semana me estressei até com meu filho. COM MEU FILHO!

Não sou vítima do mundo. Ele tem grande contribuição, mas a permissividade com que permito, permiti e, não serei hipócrita, permitirei certos discursos e imposições não há como ser mais disfarçado. Acomodação? Creio que não também. Não é cômodo ser assim. Talvez, no fundo, eu ache bonito ser mártir de mim mesma. Acho que isso é sincero.

Sem posição política, sem posição enquanto mulher, e, o meu maior medo, sem posição enquanto mãe. Um tabula rasa. Bem envernizada. Agradar a gregos e troianos em troca de minha imobilidade. Essa é a moeda de troca.

Isso não é sempre. Por isso é complexo. O cenário é radical, mas apenas como um todo. De perto, se dissolve na rotina que em simulacro de repetição se transforma a conta gotas. Só quando já estou dentro do extremo um ensaio de atitude vem a tona. Não chega a ser tarde, mas serão irreversíveis certos coágulos.

Mas, como já disse, não é dramático. Apóio-me em minha juventude e nos meus poucos, mas existentes, momentos de rompante.

O que me leva a escrever esse texto, é assim o desabafo, não de um desespero, mas o de um incômodo. E me incomoda cada vez mais. Só espero não me acostumar.  

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Em busca do silenciado na Coesão e na Coerência

Há sempre alguma coisa lacunar nos textos que escrevo. Me envolvo nas palavras e no meio das idéias uma mudança brusca de tom. Nem consigo me manter distante o suficiente deste envolvimento e nem me entrego completamente a ele. A consciência de um desejar que me impedi de extingui-lo. A contradição entre o ser mulher e estar menina. E enquanto eu não conseguir transformar essa contradição em um paradoxo, vocês terão de ler estas porcarias.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Minhas pequenas...diárias...

Tomo café todos os dias, durante todo o dia.

Sempre achei o gosto do café e, até mesmo o seu tão reverenciado cheiro e aroma, uma coisa realmente abominável. Quando eu era criança, algumas vezes por semana, ou ainda por mês, tinha de ir ao médico na Santa Cecília. Adoro aquele bairro...e os seus Cafés. Mas aquele cheiro que subia quando passava pelo centro da cidade, aquele cheiro de café com leite, sempre me embrulhava o estômago.

Cresci.

As coisas estão além das sensações. Sentimentos. Além da medicina e da biologia, S.E.N.T.I.M.O.S o mundo. Não o “sensacionamos”.  As palavras, às vezes, brincam de se esquecer de sua arbitrariedade. Sentir os sentimentos é o mais absurdo e redundante que se pode dizer ou de se ter dito.

A conversa da copeira do trabalho acordava-me ao meu café com doçura e risadas. A companheirisse noturna de Sonia também.

Aos poucos os companheiros se multiplicam e assim adentramos a madrugada com todos os seus sonhos de ninar... em canções silenciosas de gente que nunca vi. Já bêbada e entorpecida, as minhas idéias dançam...cada vez mais leves, cada vez mais embriagadas...a música impossível. Os passos impossíveis... a sonolência da solidão.

A palavra sonhada na cafeína de meus anseios...        

 

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O PIÃO

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Murilo Rubião
"Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E se via um menino que tinha um pião já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o filósofo o perseguia com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda girava, ficava feliz, mas só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora. Na verdade, acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso não se ocupava dos grandes problemas – era algo que lhe parecia antieconômico. Se a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava conhecido; sendo assim só se ocupava do pião rodando. E sempre que se realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que agora ia conseguir; e se o pião girava, a esperança se transformava em certeza enquanto corria até perder o fôlego atrás dele. Mas quando depois retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele se sentia mal e a gritaria das crianças – que ele até então não havia escutado e agora de repente penetrava nos seus ouvidos – afugentava-o dali e ele cambaleava como um pião lançado com um golpe sem jeito da fieira."

Fonte: http://www.meguimaraes.com/imagensepalavras/arquivo/001017.html

O EDIFÍCIO

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:(Murilo Rubião)
Chegará o dia em que os teus pardieiros se transformarão em edifícios; naquele dia ficarás fora da lei.(Miquéias,VII, 11)
"Mais de cem anos foram necessários para se terminar as fundações do edifício que, segundo o manifesto de incorporação, teria ilimitado número de andares. As especificações técnicas, cálculos e plantas, eram perfeitas, não obstante o ceticismo com que o catedrático da Faculdade de Engenharia encarava o assunto. Obrigado a se manifestar sobre a matéria, por alunos insatisfeitos com o tom reticencioso do mestre, resvalava para a malícia afirmando tratar-se de"vagas experiências de outra escola de concretagem". Batida a última estaca e concluídos os alicerces, o Conselho Superior da Fundação, a que incumbia a direção geral do empreendimento, dispensou os técnicos e operários, para, em seguida, recrutar nova equipe de profissionais e artífices. A LENDA Ao engenheiro responsável, recém-contrarado, nada falaram das finalidades do prédio. Finalidades, aliás, que pouco interessavam a João Gaspar, orgulhoso como se encontrava de, no início da carreira, dirigir a construção do maior arranha-céu de que se tinha notícia. Ouviu atentamente as instruções dos conselheiros, cujas barbas brancas, terminadas em ponta, lhes emprestavam aspecto de severa pertinácia. Davam-lhe ampla liberdade, condicionando-a apenas a duas ou três normas, que deveriam ser corretamente observadas. A sua missão não seria somente exercer funções de natureza técnica. Envolvia toda a complexidade de um organismo singular. Os menores detalhes do funcionamento da empresa construtora estariam a seu cargo, cabendo-lhe proporcionar salários compensadores e constante assistência ao operariado. Competia-lhe, ainda, evitar quaisquer motivos de desarmonia entre os empregados. Essa diretriz, conforme lhe acentuaram, destinava-se a cumprir importante determinação dos falecidos idealizadores do projeto e anular a lenda corrente de que sobreviveria irremovível confusão no meio dos obreiros ao se atingir o octingentésimo andar do edifício e, conseqüentemente, o malogro definitivo do empreendimento. No decorrer das minuciosas explicações dos dirigentes da Fundação, o jovem engenheiro conservou-se tranqüilo, demonstrando absoluta confiança em si, e nenhum receio quanto ao êxito das obras. Houve, todavia, uma hora em que se perturbou ligeiramente, gaguejando uma frase ambígua. Já terminara a entrevista e ele recolhia os papéis espalhados pela mesa, quando um dos velhos o advertiu: — Nesta construção não há lugar para os pretensiosos. Não pense em terminá-la, João Gaspar. Você morrerá bem antes disso. Nós que aqui estamos constituímos o terceiro Conselho da entidade e, como os anteriores, jamais alimentamos a vaidade de sermos o último. A ADVERTÊNCIA A mesma orientação que recebera dos seus superiores, o engenheiro a transmitiu aos subordinados imediatos. Nem sequer omitiu a advertência que o encabulara. E vendo que suas palavras tinham impressionado bem mais a seus ouvintes do que a ele as do ancião, sentiu-se plenamente satisfeito. A COMISSÃO João Gaspar era meticuloso e detestava improvisações. Antes de encher-se a primeira forma de concreto, instituiu uma comissão de controle para fiscalizar o pessoal, organizar tabelas de salários e elaborar um boletim destinado a registrar as ocorrências do dia. Essa medida valeu maior rendimento de trabalho e evitou, por diversas vezes, dissensões entre os assalariados. A fim de estimular a camaradagem entre os que lidavam na construção, desenvolviam-se aos domingos alegres programas sociais. Devido a esse e outros fatores, tudo corria tranqüilamente, encaminhando-se a obra para as etapas previstas. De cinqüenta em cinqüenta andares, João Gaspar oferecia uma festa aos empregados. Fazia um discurso. Envelhecia. O BAILE Inquietante expectativa marcou a aproximação do 800° pavimento. Redobraram-se os cuidados, triplicou-se o número de membros da Comissão de Controle, cuja atividade se tornara incessante, superando dificuldades, aplainando divergências. Deliberadamente, adiou-se o baile que se realizava ao termo de cada cinqüenta pisos concluídos. Afinal, dissiparam-se as preocupações. Haviam chegado sem embaraços ao octingentésimo andar. O acontecimento foi comemorado com uma festa maior que as precedentes. Pela madrugada, porém, o álcool ingerido em demasia e um incidente de pequena importância provocaram um conflito de incrível violência. Homens e mulheres, indiscriminadamente, se atracaram com ferocidade, transformando o salão num amontoado de destroços. Enquanto cadeiras e garrafas cortavam o ar, o engenheiro, aflito, lutava para acalmar os ânimos. Não conseguiu. Um objeto pesado atingiu-o na cabeça, pondo fim a seus esforços conciliatórios. Quando voltou a si, o corpo ensangüentado e dolorido pelas pancadas e pontapés que recebera após a queda, sentiu-se vítima de terrível cilada. De modo inesperado, cumprira-se a antiga predição. O EQUÍVOCO Depois do incidente, João Gaspar trancou-se em casa, recusando-se a receber os seus mais íntimos colaboradores, para não ouvir deles palavras de consolo. Já que se fazia impossível continuar as obras, desejava, ao menos, descobrir o erro em que incorrera. Acreditava ter obedecido fielmente às instruções do Conselho. Se fracassara, a culpa deveria ser atribuída à omissão de algum detalhe desconhecido da profecia. A insistência dos auxiliares venceu sua teimosia e concordou em atendê-los. Queriam saber por que desanimara, não mais comparecera ao edifício. Ficara ressentido pela briga? — Que adiantaria a minha presença? Não lhes satisfez a minha humilhação? — Como? — indagaram. — Aquilo fora uma simples bebedeira. — Estavam todos envergonhados com o que acontecera e lhe pediam desculpas. — E ninguém abandonou o trabalho? Ante a resposta negativa, ele se abraçou aos companheiros: — Daqui para frente nenhum obstáculo interromperá nossos planos! (Os olhos permaneciam umedecidos, mas os lábios ostentavam um sorriso de altivez.) O RELATÓRIO Em ambiente calmo, todos se empenhando nas suas tarefas, mais noventa e seis andares foram acrescidos ao prédio. As coisas seguiam perfeitas, a média de trabalho dos assalariados era excelente. Empolgado por um delirante contentamento, o engenheiro distribuía gratificações, desfazia-se em gentilezas com o pessoal, vagava pelas escadas, debruçava-se nas janelas, dava pulos, enrolava nas mãos as barbas embranquecidas. Para prolongar o sabor do triunfo, que o cansaço começava solapar, ocorreu-lhe redigir um circunstanciado relatório aos diretores da Fundação, contando os pormenores da vitória. Demonstraria também a impossibilidade de surgir, no futuro, outras profecias que pudessem embaraçar o prosseguimento das obras. Ultimado o memorial, ele se dirigiu à sede do Conselho, lugar em que estivera poucas vezes e em época bem remota. Em vez dos cumprimentos que julgava merecer, uma surpresa o aguardava: haviam morrido os últimos conselheiros e, de acordo com as normas estabelecidas após a desmoralização da lenda, não se preencheram as vagas abertas. Ainda duvidando do que ouvira, o engenheiro indagou ao arquivista — único auxiliar remanescente do enorme corpo de funcionários da entidade — se lhe tinham deixado recomendações especiais para a continuação do prédio. De nada sabia, nem mesmo por que estava ali, sem patrões e serviços a executar.Ansiosos por descobrir documentos que os orientassem, atiraram-se à faina de revolver armários e arquivos. Nada conseguiram. Só encontraram especificações técnicas e uma frase que, amiúde, aparecia à margem de livros, relatórios e plantas: "É preciso evitar-se a confusão. Ela virá ao cabo do octingentésimo pavimento". A DÚVIDA Esvaíra-se a euforia de João Gaspar. Vago e melancólico, retornou ao edifício. Da última laje, as mãos apoiadas na cintura, teve um momento de mesquinha grandeza, julgando-se senhor absoluto do monumento que estava a seus pés. Quem mais poderia ser, desde que o Conselho se extinguira?! Fugaz foi o seu desmedido orgulho. Ao regressar a casa, onde sempre faltara a diligência de uns dedos femininos, as dúvidas o perseguiam. Por que legavam a um mero profissional tamanho encargo? Quais os objetivos dos que tinham idealizado tão absurdo arranha-céu? As perguntas iam e vinham, enquanto o edifício se elevava e menores se faziam as probabilidades de se tornar claro o que nascera misterioso. Sorrateiro, o desânimo substituiu nele o primitivo entusiasmo pela obra. Queixava-se aos amigos do tédio que lhe provocava o infindável movimento de argamassa, pedra britada, fôrmas de madeira, além da angústia que sentia, vendo o monótono subir e descer de elevadores. Quando a ansiedade ameaçou levá-lo ao colapso, convocou os trabalhadores para uma reunião. Explicou-lhes, com enfática riqueza de detalhes, que a dissolução do Conselho obrigava-o a paralisar a construção do edifício. — Falta-nos, agora, um plano diretor. Sem este não vejo razões para se construir um prédio interminável — concluiu. Os operários ouviram tudo com respeitoso silêncio e, em nome deles, respondeu firme e duro um especialista em concretagem: — Acatamos o senhor como chefe, mas as ordens que recebemos partiram de autoridades superiores e não foram revogadas. O DESESPERO João Gaspar, inutilmente, apelaria para a compreensão dos servidores. Usava recursos convincentes, numa linguagem branda, porque seus propósitos eram pacíficos. Igualmente corteses, os empregados repeliam a idéia de abandonar o trabalho. — Ouçam-me — pedia ele, impaciente com a obstinação dos subordinados. — É inexeqüível um monstro de ilimitados pavimentos! Seria necessário que as fundações fossem reforçadas à medida que se aumentasse o número de andares. Também isto é impraticável. Apesar de ouvido sempre com atenção, não convencia a ninguém. E teve que assumir uma atitude de intransigência, demitindo todo o pessoal. Os operários se negaram a aceitar o ato de dispensa. Alegavam a irrevogabilidade das determinações dos falecidos conselheiros. Por fim, disseram que iriam trabalhar à noite e aos domingos, independente de qualquer pagamento adicional. O ENGANO A decisão dos assalariados de aumentar o número de horas de serviço deu novo alento ao engenheiro, que esperava vê-los vencidos pela estafa, pois lhes seria impossível manter por muito tempo semelhante esforço coletivo. Logo verificaria seu engano. Além de não apresentarem sinais de cansaço, para ajudá-los vieram das cidades vizinhas centenas de trabalhadores que se dispunham a auxiliar gratuitamente os colegas. Vinham cantando, sobraçando as ferramentas, como se preparados para longa e alegre campanha. Pouco adiantava recusar-lhes a colaboração, eles mesmos escolhiam as tarefas e as iniciavam com entusiasmo, indiferentes à agressiva repulsa de João Gaspar. OS DISCURSOS Vendo multiplicar as levas de voluntários, o engenheiro não teve mais animo de enxotá-los. Passou a percorrer, um por um, os andaimes, exortando-os a abandonar o trabalho. Fazia longos discursos e, muitas vezes, caía desfalecido de tanto falar. A princípio, os empregados se desculpavam, constrangidos por não ouvirem atentamente as suas palavras. Com o passar dos anos, habituaram-se a elas e as consideravam peça importante nas recomendações recebidas pelo engenheiro-chefe antes da dissolução do Conselho. Não raro, entusiasmados com a beleza das imagens do orador, pediam-lhe que as repetisse. João Gaspar se enfurecia, desmandava-se em violentos insultos. Mas estes vinham vazados em tão bom estilo, que ninguém se irritava. E, risonhos, os obreiros retornavam ao serviço, enquanto o edifício continuava a ganhar altura."



A FLOR DE VIDRO

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Murilo Rubião
“E haverá um dia conhecido do Senhor que não será dia nem noite, e na tarde desse dia aparecerá a luz.” – Zacarias, XIV, 7.

Da flor de vidro restava somente uma reminiscência amarga. Mas havia a saudade de Marialice, cujos movimentos se insinuavam pelos campos — às vezes verdes, também cin-zen-tos. O sorriso dela brincava na face tosca das mulheres dos colonos, escorria pelo verniz dos móveis, desprendia-se das paredes alvas do casarão. Acompanhava o trem de ferro que ele via passar, todas as tardes, da sede da fazenda. A máquina soltava fagulhas e o apito gritava: Ma-ria-li-ce, Marialice, Marialice. A última nota era angustiante. — Marialice! Foi a velha empregada que gritou e Eronides ficou sem saber se o nome brotara da garganta da Rosária ou do seu pensamento. — Sim, ela vai chegar. Ela vai chegar! Uma realidade inesperada sacudiu-lhe o corpo com violência. Afobado, colocou uma venda negra na vista inutilizada e passou a navalha no resto do cabelo que lhe rodeava a cabeça. Lançou-se pela escadaria abaixo, empurrado por uma alegria desvairada. Correu entre aléias de eucaliptos, atingindo a várzea. Marialice saltou rápida do vagão e abraçou-o demoradamente: — Oh, meu general russo! Como está lindo! Não envelhecera tanto como ele. Os seus trinta anos, ágeis e lépidos, davam a impressão de vinte e dois — sem vaidade, sem ânsia de juventude. Antes que chegassem a casa, apertou-a nos braços, beijando-a por longo tempo. Ela não opôs resistência e Eronides compreendeu que Marialice viera para sempre. Horas depois (as paredes conservavam a umidade dos beijos deles), indagou o que fi-ze-ra na sua ausência. Preferiu responder à sua maneira: — Ontem pensei muito em você. A noite surpreendeu-os sorrindo. Os corpos unidos, quis falar em Dagô, mas se con-ven-ceu de que não houvera outros homens. Nem antes nem depois. As moscas de todas as noites, que sempre velaram a sua insônia, não vieram. Acordou cedo, vagando ainda nos limites do sonho. Olhou para o lado e, não vendo Ma-ria-lice, tentou reencetar o sono interrompido. Pelo seu corpo, porém, perpassava uma seiva no-va. Jogou-se fora da cama e encontrou, no espelho, os cabelos antigos. Brilhavam-lhe os olhos e a venda negra desaparecera. Ao abrir a porta, deu com Marialice: — Seu preguiçoso, esqueceu-se do nosso passeio? Contemplou-a maravilhado, vendo-a jovem e fresca. Dezoito anos rondavam-lhe o corpo esbelto. Agarrou-a com sofreguidão, de-se-jan-do lembrar-lhe a noite anterior. Silenciou-o a convicção de que doze anos tinham-se esva-ne-cido. O roteiro era antigo, mas algo de novo irrompia pelas suas faces. A manhã mal des-pon-ta-ra e o orvalho passava do capim para os seus pés. Os braços dele rodeavam os ombros da na-mora-da e, amiúde, interrompia a caminhada para beijar-lhe os cabelos. Ao se aproximarem da mata — termo de todos os seus passeios — o sol brilhava intenso. Largou-a na orla do cerrado e penetrou no bosque. Exasperada, ela acompanhava-o com dificuldade: — Bruto! Ó bruto! Me espera! Rindo, sem voltar-se, os ramos arranhando o seu rosto, Eronides desapareceu por entre as árvores. Ouvia, a espaços, os gritos dela: — Tomara que um galho lhe fure os olhos, diabo! De lá, trouxe-lhe uma flor azul. Marialice chorava. Aos poucos acalmou-se, aceitou a flor e lhe deu um beijo rápido. Ero-ni-des avançou para abraçá-la, mas ela escapuliu, correndo pelo campo afora. Mais adiante tropeçou a caiu. Ele segurou-a no chão, enquanto Marialice resistia, pu-xando-lhe os cabelos. A paz não tardou a retornar, porque neles o amor se nutria da luta e do desespero. Os passeios sucediam-se. Mudavam o horário e acabavam na mata. Às vezes, pensando ter divisado a flor de vidro no alto de uma árvore, comprimia Marialice nos braços. Ela assus-ta-va-se, olhava-o silenciosa, à espera de uma explicação. Contudo, ele guardava para si as razões do seu terror. O final das férias coincidiu com as últimas chuvas. Debaixo de tremendo aguaceiro, Ero-nides levou-a à estação. Quando o trem se pôs em movimento, a presença da flor de vidro revelou-se ime-dia-ta-men-te. Os seus olhos se turvaram e um apelo rouco desprendeu-se dos seus lábios. O lenço branco, sacudido da janela, foi a única resposta. Porém os trilhos, paralelos, su-mindo-se ao longe, condenavam-no a irreparável solidão. Na volta, um galho cegou-lhe a vista."

Fonte: http://www.meguimaraes.com/imagensepalavras/arquivo/001017.html

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Olá moscas a quem deixei largado este blog! Tudo bem?

De volta às minhas pseudo-reflexões de vaso de privada, venho hoje, primeiramente, redundantamente esclarecer que como em minha vida não acontece nadinha de interessante, a inatividade deste veículo de asneiras injacto contínuas é na realidade uma rotina e não o contrário o que me poupará de repetidamente pedir desculpas por sua nulidade.

E o que me traz hoje a essa conversinha escrita comigo mesma? Bom, não sei. Quer dizer, na verdade, sei e não sei. Sabe quando seus sentimentos estão borbulhando e você não sabe explicar o que acontece? È isso!

Nunca li tanto na minha vida como agora, nunca tive contato com tantas pessoas interessantes, nunca tive tantas dívidas e em meio a tudo isso um cansaço de pensar e de existir, uma imobilidade...cada vez menos certezas, cada vez mais vulnerável...cada vez mais aprofundada a minha solidão!

Algumas constatações e perguntas sem respostas:

  1. Ser adulto dói;
  2. Porque estando tão rodeada de pessoas incríveis como as que convivo, ainda me sinto só?;
  3. O conhecimento trás responsabilidades cada vez mais pesadas.

 

Tem um ponto de nossas vidas, ou da minha, que seja, em que parece que dali para frente tudo que for feito não mais poderá ser remediado e que, portanto deverei estar com todas as certezas que eu possuir em mãos: elas serão meu único guia. Mas em um momento em que todas as minhas verdades estão se desfacelando como açúcar em água, para onde correr? Estou arriscando em minhas leituras, embora eu já tenha como dado o fato de que tal seleção me aliena das lições que só o que está lá fora poderia oferecer.

A uma pessoa sem projetos, sem eira e nem beira, ser boa jogadora não é uma questão de sorte; é uma questão de sobrevivência.

Ontem deu vontade de chorar enquanto via meu filho dormir. Não era tristeza. Bobeira de mãe besta, isso é obvio demais e não explica muita coisa. Não sei o que era. Mas me senti plena por alguns instantes. Ao mesmo tempo foi de um medo aterrorizador.

Eita vida estranha!