quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O parto-poema



Abro as pernas e arreganho o verbo
como quem aborta do Outro
o que lhe é fórceps e mordaça 


Das palavras fez-se o útero
e do sexo, fiz-me úmida 
Apodreci folha e raiz
e na letra fiz-me sangue e placenta
fecunda
matriz.

Hoje rasgo o verbo como quem rasgou meu útero
e se ainda não sou um parto e seu grito
sei ao menos já ser repetida contração

E o MEU grito já é
em contraste e dilatação
de todas as segundas pessoas do que é silêncio:
serei a primeira pessoa de minha própria poética
fêmea, prenha
aleijada
de apassivadores .

Foder com poema,
foder na poética
na razão, na leitura e no leitor
meu corpo, minha voz:
ainda que em gestação,
abortiva, mas não mais
abortada. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Sssss...


partem-se sais e louças
sibilam sonhos
no vento
eu ouço
e quebro-me em cacos:
recolhidos os farelos das ilusões,
é hora de dormir
e sonhar...

A janela estará fechada
e o vento não mais derrubará louças:
ninguém explica, todavia
o sal partido
enquanto mesmo quebrada
o vento sibila sonhos
e sou cacos
ainda que acordada.
é hora de dormir
eu fecho a vidraça
e nada
Ssssssssssssssssssssss. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Sobre saber quem se é


Por estes dias, em conversa com uma amiga, expunha a ela como contraíra uma divida imensa em coisas fúteis, em um momento no qual, de uma hora pra outra, tive grande prazer em adequar-me a um ambiente novo e a uma nova imagem. E depois sobre o arrependido de minha impetuosidade, pois, também de uma hora, aquela estética perdera todo o sentido. Neste momento, então, ela me disse: “por isso é importante a gente saber quem a gente é”. E desde então essa frase não sai mais da minha cabeça...”saber quem se é”.... Saber quem eu sou...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A língua do Outro é sempre estrangeira

- Deixo eu te falar uma coisa?
- Hum?
- Você é muito bonita...
[...]
- Quando você diz que não sabe quem é, que não consegue se ver, isso quer dizer que quando eu digo que você é bonita, eu não lhe disse nada? Não se importa com isso? É um elogio em vão?
- Diz algo sim, diz que és gentil... mas, você tem razão, eu não entendo o que quer dizer quando diz que sou bonita. Ou para quê serve - como receber um elogio em língua estrangeira?. Eu acho que estou fora de tudo isso, nem bonita, nem feia, ou os dois, o horror e o sublime pendendo mais ao...não sei... Você tem alguma razão: só importa a sua gentileza.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Imagino


Eu,
aqui,
à espera

à espera

desta parte de mim
que sou quando
contigo...
é inevitável a falta
se só por ti
pertença de mim
enfim
um fim
em mim
de mim
sua
pele
minha
meu
mais fundo eu
minha
e em ti
e só
enfim
voltar a ser

Eu,
aqui
À espera

refaço
o que de mim em ti
aborto e renasço
Outra
a que escreve a ausência de mim e se faz presente
quando escrevo estar sem ti
sendo
essa linguagem em falta
e presença
e alheia
que se refaz saudade do seu próprio corpo
e seu
Corpo
e linguagem
eu
quando contigo estou
cantiga
aqui,
à espera.

Sendo Outra
e minto,
pois falar do passado como se ainda fosse
é reviver uma Outra
que não é
e nos coloca à parte
à espera
do silencio e dos sons
e da inteireza que
só serei
em ti

Enquanto isso
Outra...

Chegou tarde àquela noite e não estava frio, mas uma febre ao contrário percorria o chão, fissura, percorria e a espinha.. espinhava, sua espera. Havia alguns meses que sua pele perdia a semântica de ser ainda que em digitais ásperas. A cada instante empalhada em si, cada vez mais anestesiada de seu próprio sangue e memória. Quente ou macia ou úmida ou ter cheiro de açúcar queimado e limão e cravo e manjericão e laje batida, ou contar alguma historia de quanto ainda se catava tatus no quintal, alguma música pop de amor (Cruisin?) algum samba de amor (Cartola?) e os goles de cerveja – preta, preferia preta - em algum boteco barato da Rua Augusta, o paladar já por demais afetado, inclusive . Não sabia-se mais. Escalpelada, apartada da própria pele, nem mesmo mais fios de cabelo –crespos?, nem macies após a depilação - Em contato com Outro é que se senti,em contato Dele e que roçam...  E isso é. É. É... Olhar e saber-se olhos...(só seus pelos é o que faz Sentido) E, finalmente, saber quem se é, oh! oh! oh! sendo!  Saber quem se é e ser neste único instante para sempre. Falar é sempre mentir, por natureza. o que passou já não é. O presente é mentir o instante sepultado, defunto fresco. A sinceridade mora no gesto? Moraria no toque? Moraria nos cheiros? Toda lembrança tem um cheiro... É que o que não mente é a carne, toda ela, sem separação – cheiro, toque, memória... E escrevo aqui sobre esse frio, sobre fissuras e espinhas, mas é necessariamente sobre Nós, pois que se escrever é fazer do Outro um pedaço de minha carne, é também que escrevo para imaginar o gozo que é o Outro devorar essa parte de mim.     

De Outrem


E se faz sempre do outro a carne no que é rememorada. Que se para sempre gozo, mesmo quando relembrada, para sempre cúmplice de um Outro já que alheada.