Já ouvi por muitas vezes que a vida é
uma questão de escolha. E muitas vezes já ouvi que tudo depende do meio em que
se vive. Não gosto de pensar que não há escolhas. Mas acho extremamente
perigoso retomar a questão das escolhas como algo unicamente individual. Temos
escolhas quando as temos. E minha experiência diz que temos escolhas em dois
contextos: quando temos dinheiro; quando temos apoio e nos sentimos seguros com
nós mesmos e com esse apoio. Agora, pensar escolhas sem apoio é querer lavar as
mãos com quem precisa de nós – Liberalismo; e é jogar quem está à margem em
profunda solidão. E isso é sim social,
posto que coletivo. Eu lia uma matéria
sobre coletivos de mães que se ajudam no cuidados de seus filhos. Para poderem
trabalhar e ter uma renda melhor; para não criarem subempregos a outras
mulheres; para estabelecerem redes de solidariedade. Ou seja, como mulheres e
mães, nós temos de mobilizar toda nossa vida para cuidar dos filhos. Temos de
muitas vezes, ter nossa renda reduzida em gastos com escola, babá, empregada,
etc. Temos de morar perto das escolas dos filhos, pagar aluguel mais caro,
aceitar empregos com rendas menores e com horários mais flexíveis. Mudamos de
cidade, de casa, de roupas, de dieta, de horário de dormir, aceitamos maridos
folgados e violentos, aceitamos morar com gente que não queremos... por nossos
filhos. Eu tive de ver seriamente a possibilidade de ver minha renda ir pelo
ralo para pagar um aluguel mais caro, pois não conseguiria mudar o Gabriel em
duas escolas. E faz duas semanas que estou com ele na casa da minha mãe por
falta de moradia e já estou tendo de ME VIRAR para mudar esse contexto e
rápido. Daí eu vejo um monte de homens afirmar que “poxa, seria um ótimo pai,
mas...” : “moro longe, tenho emprego com horários que não permitem, tive de me
mudar, adoraria, mas....”, pois afinal, a escolha parece ser dada só a um lado.
Temos escolhas quando as temos. Em alguns contextos, a falta de escolha é
nomeada de “comodismo”, “instinto materno”, “covardia”. Em outros contextos, a
escolha é nomeada por falta de escolha: “briguei com minha ex”, “meu emprego é
longe”, etc. Escolhas...
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Expeculação imobiliária
Houve
um momento em minha vida em que desejei ser folha descolada do galho.
Ao vento, sem raiz, sem chão nem terra acertada. A vida me deu voos
livres, mas breves. E logo depois, flor eu era, não folha, fui
fecundada. Então a vida me colou ao chão e costurou-me em raízes tão
fortes e profundas, que nem todas as inundações que arrebentaram de meus
olhos conseguiram arrancá-las. Que nem todo o sal destas
águas conseguiu impedir que se fortificassem. E eu maldisse as chuvas
que me hidratavam. E ao sol que meus veios nutriam. Pois ao solo cada
dia mais me afincavam. Com o tempo, com o caule grosso e a vista alta,
não mais distinguia a terra de meu sangue e minha pele da paisagem. Foi
quando vieram os tratores. E rasgaram-me da terra. Com tanta força que
saí deixando à mostra metros e metros de raiz. E sangue. Um novo parto.
Eu, útero de mim. A fórceps. E caída fiquei por um tempo, mas ainda de
pé apesar de desterrada. E nesse dia soube que não mais queria ser
folha, eu era agora copa florida e pesada, eu carregava semente e era
responsável por ela e pela sombra de onde estava. Aos tratores, contudo,
minha história pouco importava. E mais uma vez vieram. Eu agarrei-me a
terra com toda a minha força. Desta vez, porém, as raízes ainda que
grandes, estavam frouxas, na terra ainda não tinham se enfiado inteiras.
E eu caí. E caíram todas as folhas. E seiva viscosa secou diante do de
um novo sol sem sombra. E senti o concreto me enterrando viva. Fiquei
apenas em minhas folhas, já que do solo, fui abortada. Sigo agora sem
destino, as vezes em círculos de redemoinhos... À procura de um novo
solo em meio à especulação imobiliária paulistana e seus corações
inférteis em cimento petrificados.
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