sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sobre mães e não-escolhas


Já ouvi por muitas vezes que a vida é uma questão de escolha. E muitas vezes já ouvi que tudo depende do meio em que se vive. Não gosto de pensar que não há escolhas. Mas acho extremamente perigoso retomar a questão das escolhas como algo unicamente individual. Temos escolhas quando as temos. E minha experiência diz que temos escolhas em dois contextos: quando temos dinheiro; quando temos apoio e nos sentimos seguros com nós mesmos e com esse apoio. Agora, pensar escolhas sem apoio é querer lavar as mãos com quem precisa de nós – Liberalismo; e é jogar quem está à margem em profunda  solidão. E isso é sim social, posto que coletivo.  Eu lia uma matéria sobre coletivos de mães que se ajudam no cuidados de seus filhos. Para poderem trabalhar e ter uma renda melhor; para não criarem subempregos a outras mulheres; para estabelecerem redes de solidariedade. Ou seja, como mulheres e mães, nós temos de mobilizar toda nossa vida para cuidar dos filhos. Temos de muitas vezes, ter nossa renda reduzida em gastos com escola, babá, empregada, etc. Temos de morar perto das escolas dos filhos, pagar aluguel mais caro, aceitar empregos com rendas menores e com horários mais flexíveis. Mudamos de cidade, de casa, de roupas, de dieta, de horário de dormir, aceitamos maridos folgados e violentos, aceitamos morar com gente que não queremos... por nossos filhos. Eu tive de ver seriamente a possibilidade de ver minha renda ir pelo ralo para pagar um aluguel mais caro, pois não conseguiria mudar o Gabriel em duas escolas. E faz duas semanas que estou com ele na casa da minha mãe por falta de moradia e já estou tendo de ME VIRAR para mudar esse contexto e rápido. Daí eu vejo um monte de homens afirmar que “poxa, seria um ótimo pai, mas...” : “moro longe, tenho emprego com horários que não permitem, tive de me mudar, adoraria, mas....”, pois afinal, a escolha parece ser dada só a um lado. Temos escolhas quando as temos. Em alguns contextos, a falta de escolha é nomeada de “comodismo”, “instinto materno”, “covardia”. Em outros contextos, a escolha é nomeada por falta de escolha: “briguei com minha ex”, “meu emprego é longe”, etc. Escolhas...   

Expeculação imobiliária

Houve um momento em minha vida em que desejei ser folha descolada do galho. Ao vento, sem raiz, sem chão nem terra acertada. A vida me deu voos livres, mas breves. E logo depois, flor eu era, não folha, fui fecundada. Então a vida me colou ao chão e costurou-me em raízes tão fortes e profundas, que nem todas as inundações que arrebentaram de meus olhos conseguiram arrancá-las. Que nem todo o sal destas águas conseguiu impedir que se fortificassem. E eu maldisse as chuvas que me hidratavam. E ao sol que meus veios nutriam. Pois ao solo cada dia mais me afincavam. Com o tempo, com o caule grosso e a vista alta, não mais distinguia a terra de meu sangue e minha pele da paisagem. Foi quando vieram os tratores. E rasgaram-me da terra. Com tanta força que saí deixando à mostra metros e metros de raiz. E sangue. Um novo parto. Eu, útero de mim. A fórceps. E caída fiquei por um tempo, mas ainda de pé apesar de desterrada. E nesse dia soube que não mais queria ser folha, eu era agora copa florida e pesada, eu carregava semente e era responsável por ela e pela sombra de onde estava. Aos tratores, contudo, minha história pouco importava. E mais uma vez vieram. Eu agarrei-me a terra com toda a minha força. Desta vez, porém, as raízes ainda que grandes, estavam frouxas, na terra ainda não tinham se enfiado inteiras. E eu caí. E caíram todas as folhas. E seiva viscosa secou diante do de um novo sol sem sombra. E senti o concreto me enterrando viva. Fiquei apenas em minhas folhas, já que do solo, fui abortada. Sigo agora sem destino, as vezes em círculos de redemoinhos... À procura de um novo solo em meio à especulação imobiliária paulistana e seus corações inférteis em cimento petrificados.