Começou. Aquela semana em que esta anja que aqui escreve se transforma em um Gremlin comedor de egos
(o seu, o meu, o do vizinho...nada pessoal!). E, inspirada pelo mal tempo e
pela chuva, acordei a pensar o que torna pessoas letradas e com alto nível de
interpretação de discurso completamente rasas e suscetíveis a narrativas baratas e de complexidade de dramalhão
mexicano nível menos um. E o pior: sem o saberem que são. Por que todo mundo
gosta de coisas bregas e piegas em alguns momentos da vida. Mas, nem por isso,
saímos assinando contratos sem ler após assistir a novela das oito.
Pensei e, claro, não resolvi nem resolverei o assunto. O
melhor que consegui fazer foi listar os tais comportamentos que classifiquei como
“farsas filosóficas “ a fim de começo da minha conversinha intima de botequim. E
relembrei do que uns amigos da faculdade de história chamavam de “o tiozonho da
padaria”, sujeito que passa o dia a discursar com palavras floridas
conhecimentos históricos lá do século XIX como se fossem a última noticia do
New York Times. E, em homenagem aos velhos tempos, deixo uma relação do que considero como
farsas filosóficas:
Tipo 1 – acho que estudei história enquanto dormia e por
isso apresento essa maravilhosa teoria sociológica baseada em nada e coisa
nenhuma:
- A pessoa diz ter lido muito na vida, que adora ler, mas é
analfabeto histórico?! Plim, plim, plim! #farsa filosófica ativada. De que
adianta ler tanto, se a pessoa não sabe: por que é o que é; em relação a quem é;
e de onde veio as ideias que tem? E com oassim é letrado e não sabe procurar
nem em livros nem num Google da vida as estatísticas e a origem do que diz
acreditar? Ah, vá!
Tipo 2 – não tenho argumentos, então uso estes que eu usava
na sexta série e funcionavam:
- A pessoa não rebate a ideia discutida, mas a identidade de
quem a concebeu. Típico de quem não quer dar o braço a torcer de que nunca leu
o autor citado, ou mesmo de que a grande profundidade do que defende, na
realidade, vem lá do Datena. Plim, plim, plim! farsa filosófica apitando! Meu, se
a pessoa não leu fulano/ciclano colocado na discussão, deve dizer que não leu e
acabou! Ninguém leu todos os livros do mundo! Ou aquele outro tipinho que usa como
exemplos fatos que aconteceram com a tia
do primo do cunhado da irmã do amigo e é a única exceção que conhece em um
único meio restrito a cinco pessoas. Olhar os cinco primeiros metros além do
umbigo e citar situações vividas até primeira pessoa e primeiro grau de parentesco é condição de argumentação para conversar
comigo e, acho, que com qualquer pessoa séria.
Tipo 3 – sei gramática normativa, sou o próprio Pasquale, e
acho isso o suficiente para filosofar sobre a vida, para fazer sexo, para as
regras de física quântica, para costurar botões na camisa e para insights de
antropologia...
- A pessoa decorou as regrinhas de português. Só esqueceu de
aproveitar que sabe ler bem para ler coisas mais complexas do que a coleção Sabrina. Plim, plim, plim! #farsa
filosófica ativada. Passou a vida a ler autoajuda e se considera culta/o/? Nem
preciso argumentar, né?
Tipo 4 – minha ciência é melhor que a sua, ou voltando aos argumentos
de 6ª série só que com pós-graduação:
-
A pessoa acha-se mais cientista (intensivo aqui pode,
produção?) do que os outros de outras áreas. Afinal, a sua ciência é ciência e
a outra ciência (?) não. #farsa filosófica. ativada. Voltar duas casas e estudar
Historiografia da Ciência.
Tipo 5 – Revolucionário só de gogó:
- A pessoa diz ser
marxista, mas humilha a faxineira, é machista... #farsa filosófica ativada. Conceito
de Patriarcado ao tal marxista passou longe, né!
Essa foi a minha listinha do dia. É claro que alguém pode se
identificar com o que leu e eu mesma já reproduzi alguns dos comportamentos
acima, quando me achava culta e superior só por ser linguista, por exemplo. Mas
nomear é o primeiro passo para se identificar algo. O fio condutor em todos os
itens da lista é o mesmo: a figura do professor que reclama da vagabundagem do
aluno, mas há anos não põe as mãos num livro descente. É o arrogante hipócrita. O falso sábio leitor
da Veja.
Se o apelo “mais amor, por favor” nunca foi tão necessário,
eu faria um outro: ”humildade e curiosidade, por favor!” . Confessar que não
sabe de tudo, aliás, dar-se conta disso, não aconselhar sobre o que não viveu
nem entende é o que entenderia por sabedoria. Por sabedoria e pura elegância.