quinta-feira, 27 de março de 2008

No, I don´t wanna dance!

Porquê o silêncio é uma música para se dançar de um. Nele só o infinito se faz ritmo... Em gerúndio de solidão. 

Pontas Dúbias...

Acordei atrasada hoje. Mesmo assim tinha de tomar banho para lavar os cabelos que estavam sujos. Enquanto sentia a água quente me despertar do sono que não fora embora mesmo com o susto do atraso, aproveitava o prazer enorme em sentir o xampu ensaboar os fios de minha cabeça, agora curtos. Passei o condicionador e me senti muito macia, cada vez mais, até parecer que aquela sedosidade toda me penetrava também por dentro. Fiquei com o coração de manteiga. Enlaçaram-me repentinamente lembranças em fios, cheias de babosa ...e a água do chuveiro caiu mais forte no meu rosto. Ficou tudo embaçado. Os cabelos aos poucos me apertavam a garganta, estreitando-a em cada fio.

Há três anos esses fios me enroscam o pescoço. Cortei o cabelo na esperança de que não mais me sufocassem no banho. Pelo tamanho que ficou não há comprimento para que dêem a volta no pescoço. Mais ainda me entram pela boca e continuo a sentir os mesmos nós.

A vista estava embaçada, mas ainda sim o vi perfeitamente passando pelos corredores da Letras (ou das Letras?) enquanto  desenhava a mesma cara de quem finge que não viu. Para quê? Só havia eu no banheiro! Passei condicionador mais uma vez para que os fios ficassem bem macios e para que não fizessem nenhum nó. Talvez fosse melhor beber o condicionador!          

terça-feira, 25 de março de 2008

terça-feira, 11 de março de 2008

Ao desdia da mulher...

O texto abaixo, embora tenha o estilo de escrita daqui foi publicado na Gironda primeiramente. Isto porque, a demanda veio de lá. Mas deixo abaixo pelo tom confessional dos escritos. Ele também é um diálogo com textos anteriores.

 

Inicio este texto sem a certeza de que será concluído, visto que a reflexão que ele propõe é fruto de uma demanda “de fora para dentro” – o dia internacional da mulher – que foi “comemorado” no dia 8, sábado. Por isso, as idéias aqui podem aparecer soltas e disparatadas.  

Bom, acho que não será necessário explicar que não é uma data que mais simbolize qualquer coisa que seja. Mas, de qualquer modo, tem, a seu modo, repercussão, na medida em que estou aqui escrevendo esse texto. Mesmo que para negar sua importância no movimento feminista atual, ainda por alguns instantes me vi inclinada a pensar sobre O que é ser mulher?. No sábado, tive pouco acesso a internet , mas os poucos momentos  em que entrei para ver os meus e-mails, tive o ímpeto de postar sob o titulo “Dia Internacional da Mulher” qualquer conteúdo desconexo, em forma de protesto, assim como foi feito na época da ditadura, em que se publicavam poesias nos editoriais em que havia tido interceptação da censura. Mas não o fiz. Por preguiça mesmo. Quem sabe, por destino.

Eu sei que muitos dos leitores que habitam este blog odeiam aquelas mulheres feministas que, de forma estereotipada, parecem militar 24 horas por dia. Acabam por ser categorizadas pelo caráter assexualizante de seus discursos. Esses dias eu mesma me peguei a perguntar : O que é mulher objeto? Pergunta a que minha amiga Sonia  respondeu: “é aquela que não se preocupa com  o próprio prazer, mas apenas com o papel que tem a cumprir e, isso, não tem nada a ver com dar ou não dar na primeira vez”. Porém, veja bem: ela parou para pensar nessa resposta. Não foi de imediato.

Eu sou uma feminista. Quem quiser de parar este texto por aqui, fique à vontade. Mas explico. Sou uma feminista na medida em que vivo em um país machista. Do contrário, bastaria que eu fosse feminina. O que creio que tem de ser defendido, é que não se deve abolir a feminilidade em prol de uma igualdade (de direitos) entre gêneros. Por outro lado o Feminino que tenho em mente não é aquele caráter de delicadeza ou ainda obscurantista a que algumas pessoas se referem. É outra coisa. É o que tem em uma escrita de Clarice Lispector e que não conseguimos descrever com certeza, mas que genialmente a autora capturou. Talvez o que disse agora seja outra ideologia de “o bom crioulo”. Se o for, esta não é uma questão fechada e, portanto, deixo em aberto para outros tipos de argumentação. O que me fez chegar até tais apreensões (não são conclusões) foram especulações a partir de sentimentos meus e de coisas que vejo freqüentemente da realidade de outras mulheres que me rodeiam. Será que após tantos séculos em silêncio, em que a valorização deste foi uma regra imposta como qualidade inerente ao sexo (e aqui falo em sexo, caráter biológico) feminino não restou nada que em conjunção com o aspecto biológico refletem e refratam da imagem que temos do que seja ser mulher? As idéias passam de geração a geração e não precisa ser historiador para saber isso, mas talvez o precise ser para se afirmar com mais argumentos. Pensemos mesmo no que está na base da idéia de inconsciente coletivo. Pois bem, após tanto tempo de silêncio e de clausura de palavras e dos sentimentos que nelas ganham forma, será não há nada que more dentro deste não dito, que foi comum a todas e que ainda paire em nosso inconsciente?

Não penso apenas sob o aspecto pejorativo. Não é isso! Será que quando me olho no espelho nua, e vejo um corpo que parece que, a qualquer momento, pode se quebrar, com todas as suas peculiaridades, peculiaridades estas que estão talvez mais na minha cabeça do que em mim realmente, será que não há nada de feminino no modo como organizo, categorizo e recorto a minha interpretação de mundo, o MEU mundo, do meu corpo e do modo como esse corpo se faz presente nesse mundo? Não houve nada desse silêncio em comum que ainda nos perpasse em uma “quarta dimensão da palavra”, com as palavras de Clarice? O quanto há de feminino e o quanto há de masculino nesse olhar? Aliás, o quanto há da idéia masculina de feminino e o quanto há realmente de feminino nesse olhar? Creio que não dá para se posicionar como mulher, mulher que não se objetualiza, ou que pelo menos, que tenta uma auto crítica neste sentido sem passar primeiramente por estas questões.

Quando dei inicio ao curso de Letras na Universidade de São Paulo, acreditava que conhecimento tinha antes de tudo de me trazer tolerância. Porque, em meus estudos, constantemente eu tenho oportunidade de acesso a pontos de vista que gradativamente refinam o meu olhar. Tal refinamento só poderia levar a um número maior de contato com outras realidades, de outros pontos partida e consequentemente tal prática me levaria a uma maior capacidade em me colocar no lugar do outro e assim tolerá-lo. Isso seria senso-crítico. Mas o que a duras custas eu aprendi é que senso crítico não é ser tolerante a tudo, mas antes, saber a que eu tenho de ser tolerante e de que modo devo manifestar a minha intolerância. Infelizmente, eu ainda sou punida por ter um útero. Punida por homens e também por MULHERES. Punida por idéias. Idéias que beneficiam a alguém, senão não haveria punição. Quem é esse alguém, deixo ao leitor que preencha a lacuna como bem desejar. Eu preenchi assim: às mulheres que se enquadram nos padrões e usam isso para se afirmarem diante das outras e, aos homens que se afirmam com o vaso bonito que exibem ao seu lado.

Mas não adianta eu vir aqui e dizer “olha, mulher feia não é descartável!”. Não existe um ensino “aprenda a gostar de jiló em duas lições”. Pensar no que há está nas profundezas do que colocamos na sacolinha do Feio e do Belo, talvez, bem talvez, esteja mais próximo de um começo.

O que me incomoda de verdade é ouvir relatos como os da minha faxineira que depois de vinte anos de casamento foi agredida pelo marido porque envelheceu. Sim, porque envelheceu. Ele a apelidou “carinhosamente” de “monstra”. Em contrapartida, ela me relatava que estava ali limpando minha casa para arrecadar dinheiro e mudar de casa e assim deixá-lo. Outra coisa que também me incomoda é ver o olhar de felicidade de muitos homens quando digo que tenho um filho. Não é porque gostam de criança, não! É porque na categoria de mãe solteira eu, na cabeça deles, seria uma mulher mais “fácil” de levar na cama. Infelizmente, isso é mais comum do que parece. No começo, achei que fosse coisa de minha cabeça e tentei mesmo ignorar. Mas era tão indisfarçável como expressavam tal reação que não havia como não me incomodar.

Sabe o que é engraçado? É que homem que fica com mulher porque também é bonita, é normal, mas mulher que fica com um rapaz porque ele também tem dinheiro ou porque também é bonito é vagabunda ou fútil. Não sei se pegaram o quis dizer com o TAMBÉM. Não vejo nada de errado em ficar-se com alguém também por estética. Quem seleciona todo mundo não seleciona ninguém. Mas para quem é essa estética e que estética é essa? Nesse ponto, eu continuo a enxergar novamente o silêncio. O silêncio que dá voz a esta feminilidade indissociável ao caráter biológico do que é ser mulher, mas que pode ser dito sim. Quem sabe, a Maetê não tenha razão: “Mas como eles não sabem lidar com a mulher substantivo, eles nos retalhem em pequenos adjetivos”. Não quero ser punida por ter um útero, mas também não preciso (embora eu possa querer) negá-lo. Não quero que se torne clichê o milagre de ter gerado um ser dentro de mim a partir de uma “gosminha” e de uma coisinha microscopia que estava o tempo todo dentro de mim, mas que de repente se fez presente de maneira tão fantástica, que “clichelizar” em nome de um discurso igualitário, seria apagar da minha vida uma das únicas experiências em que vivi a poesia que se materializou.

Creio que ser mulher seja estar atenta e critica às contradições que nos são impostas (as vezes por nós mesmas) e ainda sim não apagar a beleza dos paradoxos que reside nessa condição.