sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Solidão, um convite

Entra solidão
que eu não aguento mais
esse bater porta infernal
entra solidão
se ajeita logo
fica em silêncio
vê se dorme logo
vê se dorme logo
vê se dorme logo
vê se dorme logo


Entra solidão
que você não é mais
uma esquecida em portões
entra solidão
tira esses sapatos
e a roupa do meu corpo
benze meu silencio 
e vê se me ama logo
e vê se me ama logo
e vê se me ama logo!
de-me esse momento ao menos
de-me esse respeito inteiro 
de-me um vazio terno
que é para eu me acostumar
que é para eu me acalmar 
que é pra eu te aceitar
dentro do meu tempo 
dormindo em meu chão

Entra solidão
que a mesa está posta 
e esta espera é em vão 
Entra solidão
e vem comer direito
sem restos de desejos
o suficiente 
só para nós duas
mãos que escorrem entre as pernas
numa fome de um só pão
entra solidão
entra solidão

e dê sentindo em meu silencio ao menos
um gozo sincero ao menos
que é para eu me acostumar
que é para eu me aconchegar de uma vez
que é para pra eu me ouvir também
história repetida
carne rasurada
portas que se batem 
antes de abrirem
antes deu conseguir dormir

Entra solidão
que eu não aguento mais
todos os seus nãos de antemão
 entra solidão
e vê se me ouve logo
e vê se me olha logo
e vê se cala boca logo

que é para acostumar também
que é para eu  aceitar talvez
que é para eu dormir enfim
que é para eu me sentir

entra solidão
entra solidão 
que eu não aguento mais

esse bater porta infernal

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Cinismo

De algum momento em diante o cinismo não mais me protegeria. Abriram um corte, fino corte, entre as células sinceras do core. Ouvir “Ace Of Spades” na última altura não apagaria os intervalos na escola ouvindo Axé Music e Back Street Boys. Cantarolar Caetano na Universidade em meio aos casaizinhos puro amor-gratidão rasta corpos-padrão vida hipster eu desafortunada sem aborto relações livres presa em um corpo armadilha tão pouco. Nem tão boa quando todos esperam. Nem tão má quanto gostaria de poder bancar. A peleguice é sempre muito sedutora e  a hipocrisia é um vestido de perfeito corte. Compadecer-se de mim… Falar infantilmente. O olhar servil que não enfrenta nem afronta os olhos de quem a especulação revelaria a dificuldade em observar quem tem no rosto uma máscara. Ainda sim, ver a máscara. Não acreditar no que vê. E ver máscaras em todos. Relativizar a dor alheia em nome da Verdade e da Ciência não mais me colocava  a parte de minha própria dor. Ninguém é obrigado… sempre me argumentam. E eu de braços abertos sou piegas demais para bancar  a Lana Del Rey. Não vou morrer amanhã. Com a importância de uma bactéria, não importa. Eu gosto das bactérias. E de muita criatura. Não de todas, como muitos esperam. E busco mesmo em mim, como tudo o que reteve em internos espelhos, pois do outro pouco sei para além de tipos que desfilam e deliram em movimentos discretos, as cacas retém muito do movimento. 

Por isso dançar. Por isso a experiência de uma força e de uma sexualidade bilateral, bivalente, biestra, ancestralidade apropriada para uma cabeça sem face. Alguém que, cansada, quer-se força sem raiva. A raiva todavia não nego, ainda que enclausurada em discursos pelegos. Autoritarismo aprendi, autoritarismo reproduzo.  Mas, se é para ter algum tipo de cinismo, escolhi, abusada, aquele de quem vadia por puro deleite e afrontamento silencioso.     

A língua

E finalmente  a língua procura
daquilo que não deve encontrar
corte 
nem cegos esfolamentos
(a lâmina suga o cabo e ainda que sempre afiada)
Se não se quer mais manter-se
de tocaia na guarita de um silêncio 
é por que na saída é que soa
o sussurro de
uma promessa instaurada

Segue sinuosa então
em cilíndricos cantos súditos
delicada serpente
E remonta Eras inteiras
na caça do que lhe conte uma história humana sem teorias
: só a fala à língua suga 
enquanto lava

respira fundo fotografias
de suas rosas encravadas
vomita espinhos e a flor
no entreabrir de pernas 
e a água finalmente rasga
em rompante
a mortalha invisível que a imobilizava

é correnteza nascida enfim
na língua
um fim:
a flor finalmente 

encarnada