quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Discurso e sentido

“Eu gosto quando mentem! A mentira é o único privilégio humano perante todos os organismos. Nunca se chegou a nenhuma verdade sem antes haver mentido de antemão quatorze, e talvez até cento e quatorze vezes, e isso é uma espécie de honra; mas nós não somos capazes nem de mentir com inteligência! Mente para mim, mas mente a teu modo, e então eu te dou um beijo. Mentir a seu modo é quase melhor do que falar a verdade à moda alheia; no primeiro caso és um ser humano, no segundo, não passas de um pássaro!”
DOSTOIÉVSKI - Crime e Castigo
A cada dia que passa, convenço-me mais e mais de que apenas “papagueamos” boa parte dos discursos que pronunciamos. Não porque sejam discursos já ditos e repetidos, mas porque no fundo, não fazem sentido verdadeiramente para nós. E eu digo “nós”, pois enxergo isso o tempo todo ao meu redor. Explicarei o que entendo deste recorte de idéias e de onde o retirei.
Sentido englobaria os conceitos  e apreensões discursivas que inerentemente se ligariam à nossa vida e às nossas experiências, a capacidade em entender algo e/ou se colocar na  situação dita entendida, ou ainda, no papel – social - dito entendido. Estaria então no âmbito dos enunciados e da sua consequente (ou seria inerente?) classificação de mundo. Seria assim, o que vai além das relações sêmanticas e pragmáticas: contemplaria o ideológico, o sentido em sua condição de sentimento, a literalidade de sentirmos os discursos que nos tocam.
Em minhas aulas de Metodologia de Lingüística, o professor Valdir Barzotto nos colocou a reflexão sobre a tão discutida e batida questão das variantes linguísticas. O que ele nos apontou foi o fato de que os sociolinguístas em boa parte de seus textos empenham discursos de “abaixo ao preconceito língüístico” ,  promovem a idéia de que todas as variantes são importantes, mesmo as mais desvalorizadas socialmente. Contudo,  ao mesmo tempo em que “papagueiam” esses discursos, fazem-no na mais rebuscada e complexa NORMA CULTA DA LINGUA. Alguns diriam que o fazem assim em razão das regras sociais que infligem ao gênero científico a utilização da norma culta como pressuposto de legitimidade. Okay. Mas que outra maneira de legitimar uma norma línguística senão pelo uso? 
Sexta-feira passada, em minha aula de Didática, a professora nos trouxe o documentário “Heliopólis, bairro educador”, do diretor André Ferezini, sobre a EMEF Presidente Campos Salles, na favela de Heliopolis. Nele, é retratado como a própria comunidade  ajudou e participa ativamente no desenvolvimento e realização do projeto pedagógico da escola.  A iniciativa começou com a mudança de postura e visão pedagogica em relação à cultuta escolar tradicional, do diretor Braz (ver dados do documentário no link). Para obter o sucesso que hoje tem o projeto e que é que me importa aqui, foi a necessidade de deslocamento de pressuposto das pessoas daquela escola e, como pude constatar àquele momento, nunca havia feito SENTIDO para mim realmente: a voz e contribuição daquela comunidade como conteúdo de caráter valorativo. O diretor junto com as lideranças locais e os pais das crianças construiram um projeto pedagógico JUNTOS. A postura que realmente me chamou atenção foi a de que o objetivo do ensino àquelas crianças não é que saiam da favela para “algo melhor”: e sim, que lá fiquem e modifiquem o seu local de origem, politicamente. Um movimento exatamente contrário ao que eu fiz: assim que passei a fazer parte do ambiente social privilegiado financeiramente ao de minha origem, construi um projeto de vida de mudança e negação da cultura e mesmo do local de onde eu vim. Para tanto, desenvolvi e, não serei hipócrita, desenvolvo os mais diferentes argumentos. Mas ao assistir o documentário, não pude calar uma pergunta incômoda que ainda agora me gera certo mal-estar: qual é a  cultura do local de onde vim?
Alguns mais sarcásticos poderiam responder: a cultura do churrasco de final de semana e da adolescente com cabelo molhado pingando a creme de tratamento capilar e calça jeans de lycra apertada. Talvez. Mas por algum motivo, também não consigo engolir o discurso polido e envernizado do “pessoalzinho do Espaço Unibanco”. Não que eu não frequente o lugar. Mas realmente não é essa a cultura que me apetece. É como se eu fosse uma “aculturada”, desajustada pela cultura que acolhi artificialmente e pela que também nego tão simuladamente quanto a tento recuperar.
A partir daí, desde livre associação até a rememoração dos acontecimentos que ando a verificar no lugar onde vivo, a USP, não pude deixar de associar essa minha posição demagoga à toda demagogia que desde que entrei à Academia presencio, tanto no discurso dos alunos, quanto dos docentes, e, inclusive, de maneira grosseira, embora, não sejam as aparições grosseiras o que anda a me incomodar.
De alguma maneira, supeito que tal demagogia é sustentada pela modalidade “sarcasmo desnecessário”, ou ainda “sarcasmo em cima do muro” que coloca fogo em tudo e, deste modo, esconde o que realmente veicula. Creio que posturas duramente críticas em nível de sarcasmo sejam necessárias. Por outro lado, o exagero com que muitas vezes é utilizado incomoda-me muito. Uma acidez desnessária que, sagasmente tenta dissimular o quê traz consigo:  uma posição confortável e hipócrita de "sei o que acontece, mas não tenho nada a ver com isso". Como se sob este patamar, pudessem manter-se em amoralidade. Porém, nunca revelar o que se pensa não é, no fundo, de um moralismo medonho? Direi o porque desse mote, inspiração deste texto.
Freqüentemente ando pela Faculdade de História da USP e o que eu vejo não é bonito. Eu vejo fascismo, eu vejo posturas legalistas alienadas, eu vejo machismo, eu vejo moralismo sexual, eu vejo os mais diversos totalitarismos ideológicos. Eu ando pela Faculdade de Letras da USP e vejo preconceito lingüístco, eu vejo despotismo, eu vejo deslumbramento barato, eu vejo fetichismos demagogos. Eu convivo com gente da filosofia e as descrições feitas por eles são de um ambiente de irresponsabilidade pedogógica por parte dos docentes, narcisismo e elitísmo que não faz o menor sentido em um país de terceiro mundo - para não dizer ridículo. Aliás, elitismo, eis o que eu vejo em toda a USP, sob as mais variadas nuances. Conforme o contexto, um tipo de discurso. Se o ambiente é a aula, o discurso do politicamente correto (seja lá o que isso for). Se o ambiente é o bar, o individuo saca seu melhor sarcasmo, o do politicamente incorreto (que não há como errar). Já nas relações familiares, o  discurso utilizado é o do senso comum ou, simplesmente, o SILÊNCIO. Aliás, “sentido” , definido nos moldes como descrevi  na abertura deste texto, para os enunciadores do “sarcasmo em cima do muro”, realmente, mora em seu silêncio.  O silêncio dos formadores de opinião, da “nata intelectual da sociedade”.
O engraçado é que há qualidade de silêncios. O silêncio da classe média geralmente é classificado com o rótulo da tolerância.Muito diferente do silêncio dos alienados e alienadas do suburbio. Aqueles cuja cultura é fazer churrasco e andar de calça jeans de lycra dita vulgar . De onde virão os futuros professores de humanas (curso fácil de passar no vestibular, ou ainda o mais barato de pagar) ressentidos.  Os futuros classe média resignados. Ou, “como sempre”, os “futuros bandidos”, serventes de pedreiro, atendentes, prostitutas... Os futuros “sem futuro” do país.  Muito diverso do “silêncio puro” de simulação da tolerancia, da ideologia do amoralismo,  da rigidez do politicamente correto e do politicamente incorreto: a ideologia do acolhimento axiologico. 
Por estes dias, eu discutia com uma amiga sobre a questão das minorias. Ela argumentava que não concordava com linhas teóricas multiculturalistas em que se exalta o “poder” político de movimentos de resistencia de minorias sociais. O que ela colocou, resumidamente, é que esses movimentos estão dentro do sistema capitalista e como tais, servem apenas para “alivio de consciencia” do discurso capitalista, atenuantes com o único propósito de calar esses agentes. Diante dos argumentos, questionei o que essas “minorias” farão “enquanto Seu Lobo não vem”? Mas ao final da discussão tive de admitir que do que ela colocava, havia algo realmente em que não apenas tinha razão, mas também preocupava a mim: nós não vivemos em uma época de acolhimento axiologico, mas de conceção axiologica. Um exemplo disso foi o que minha professora de Análise do Discurso descreveu de sua participação em uma banca sobre uma dissertação que tratava dos discursos de mães de homossexuais. A dissertação defendia que os discursos dessas mães era de acolhimento axiologico ao que Norma rebateu que não. Nos relatos análisados pela dissertação, as mães dizem que amam o filho APESAR de ele ser homossexual e não que o ama PORQUE ele é homossexual. Foi a utilização continua de concessivos a que Norma se apagou para rebater o argumento de acolhimento defendido pela dissertação.  O que se via nos relatos dessas mães eram relatos de conceção axiologica, nunca de acolhimento. Em meu caso as pessoas me amam APESAR de ter deficiencia física e APESAR ser mãe solteira. Poucas são as que me amam sem despadaçar a minha vida em compartimentos.   Poucas são as pessoas que me amam enquanto sujeito de minha própria existencia e não como a frustração resignada de suas idealizações. Cada um deve passar por situações semelhantes em maior ou menor grau, então, atualizem a questão suas vidas como quiserem. O resumo da ópera é um “papagueamento” de tolerância, de cultura, de senso crítico...
Não é de hoje que as questões “o que é sentido?” e “porque pessoas com tantas e tão boas leituras seriam tão demagogas? ” parecem estar intimamente ligadas. E nas últimas semanas para minha tranquilidade, vi que essa é uma discussão que já vem de muito nas discussões teóricas e é uma das principais pautas das discussões dos pedagogos e sociólogos que lidam com Educação. No texto de Adorno, Educação e Emancipação, texto pós-nazismo, a preocupação com uma educação essencialmente entrelaçada a um sentido, em caráter subjetivo é a direção central da reflexão.  Deleuze em o Anti-Édipo, também sob a sombra dos acontecimentos que ocorreram durante o nazismo,  ressalta a importância em estudármos os mecanismos e discursos que levaram um povo de cultura tida como predominante letrada e de apreciação da reflexão filosófica, como era a Alemã, a concepção de uma ideologia que desencadeou as práticas realizadas durante o Nazismo.  Bernard Charlot, filosofo da área de Educação, tem sua pesquisa exatamente sob a reflexão que iniciei aqui: a relação com o saber. O que ele coloca em sua pesquisa é a necessidade em se interpretar o saber como a manifestação, como modus operanti, de um sujeito desejante e não o objeto do desejo desse sujeito. Antonio Candido ao discutir o que seria “Compreensão” sob o ponto de vista da teoria hermenêutica nos traz que compreender algo é entender o que o discurso diz e ligar tal conhecimento à sua experiência de vida.  Nesta perspectiva, a abertura deste texto poderia ser apenas uma repetição vazia de algo já colocado por Antonio Candido. Mas a minha posição caminha ainda para o radicalismo da relação compreensão/história de vida do enunciatário. Com relação a Charlot, conheci o seu trabalho por força do destino quando já havia escrito mais da metade deste texto.Um outro autor o qual impregna as idéias desta minha materialização de “minhocações”  é Backtin, com as leituras que fiz de Marxismo e Filosofia da Linguagem, e, Dialogismo e Polifonia. Neles o autor me trouxe que temos como caráter inerente da linguagem as relações dialogicas que estabelece com outros textos e a ideologia como condição sine que non do signo lingüístico enquanto conceito que se refere ao que é constituído de SENTIDO.  Com base no que Backhtin e Antonio Candido dizem é que olho esses “ruidos de linguagem” e me convenço de que talvez,  sentido e senso crítico, como almejamos através da erudição de nossas leituras e aulas, estariam em relação de indissociação e o último só teria razão de ser enquanto apreensão profunda, completa, enquanto o que a hermeneutica classifica como “compreensão”,   e não apenas como prática técnica de reprodução do arquétipo discurso acadêmico.  Claudemir Belintane (2005), linguísta e professor da Faculdade de Educação,  tratou em seu texto, Matrizes e matizes do oral, na Revista Doxa, rapidamente em um dos trechos de seu artigo sobre o que de alguma forma eu tento apalpar nesta minha especulação:
Falar é falar-se, como diz Kristeva (1988 p.19) mas “falar-se” não apenas por que se domina um código e uma interlocução objetiva, da qual se pode deduzir um suposto conteúdo habitual e ali entrever um sujeito lógico especularizado. O “fala-se” que faz diferença suficiente é o que se enlaça às ambiguidades de uma herança primaria, desejante, que demanda do outro amor e sentidos – sentidos para além da compreensão objetiva, que ultrapassam a dimensão consensual da correlação significado/ significante. (BELINTANE, 2005)
O processo inverso do fetiche cientificista que passamos na Acadêmia.
E não é preciso ir longe para falar sobre fetiche cientificista. O  departamento de Linguística, por exemplo, se tornou o departamento de Gerativa. O que está fora disso é inclusive ironizado como “não-linguística”. “Análise do Discurso não é Linguística!” é o que sempre ouço  entre risos dos colegas da Gerativa. E isso porque não é considerado “cientifico”. Estamos no alge do tecnicismo. O que fugir a ideologia da argumentação dita lógica, cartesiana, legalista não terá legitimidade ou adquirirá qualidades pejorativas.
Dentro desse quadro, como falar em sentido como uma atualização dos discursos que temos contato, “do outro que nos atravessa” pela atualização subjetiva por deslocamentos e pulverizações de nossos arquedestinadores e arquedestinatários (imagens sociais de nós e de nossos interlocutores e que moram dentro de nós)? E se a história só fizesse sentido se for atualizada em nossa vida e,  para o resto, fossemos apenas uma espécie complexa de analfabetos funcionais?

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Partilha do sensível

Rating:★★★★★
Category:Other
A associação entre arte e política segundo o filósofo Jacques Rancière

08/08/2009

Gabriela Longman e Diego Viana
Fotos: Ilana Lichtenstein

Para Jacques Rancière, política e arte têm uma origem comum. Em suas obras, o filósofo francês desenvolve uma teoria em torno da "partilha do sensível", conceito que descreve a formação da comunidade política com base no encontro discordante das percepções individuais. A política, para ele, é essencialmente estética, ou seja, está fundada sobre o mundo sensível, assim como a expressão artística. Por isso, um regime político só pode ser democrático se incentivar a multiplicidade de manifestações dentro da comunidade.

Recém-lançado na França, seu último livro, Le spectateur émancipé (O espectador emancipado - ainda inédito no Brasil),
debate a recepção da arte e a importância - ética e política - da posição do espectador. O volume é uma compilação de conferências realizadas por ele nos últimos anos, uma delas no Sesc, em São Paulo. Em 2002, uma de suas principais obras, O mestre ignorante, foi traduzida e distribuída gratuitamente entre professores em formação no Rio de Janeiro. Trata-se da história de Joseph Jacotot, que, no século 19, ensinou a língua francesa a jovens holandeses da classe operária. Detalhe: nem mesmo o professor conhecia o idioma de Zola.

Originalmente discípulo do filósofo marxista Louis Althusser e coautor de Ler O capital, de 1965, Rancière afastou-se do pensamento do mestre nos anos 1970. Rejeitou a ortodoxia marxista da época, mas jamais deixou de se considerar um homem de esquerda. Até se aposentar em 2000, foi professor da Universidade Paris 8, fundada para acolher formas de pensamento que não encotravam espaço no ambiente da Sorbonne. Sua ligação com o Brasil é antiga. Sua esposa, Danielle Ancier, era professora de filosofia na USP em 1968. Eles se conheceram quando ele esteve no país para uma conferência sobre Ler O capital.

O filósofo nos recebeu em seu apartamento no nono arrondissement parisiense. Perto de completar 70 anos, afirma que "o presente não é muito alegre", mas critica as visões saudosistas de parte da esquerda. Defensor do ativismo social, ele comenta a ascensão dos ecologistas e questiona a ideia de um mundo dominado por imagens. Convidado para um colóquio no Rio de Janeiro pelo Ano da França no Brasil, ele recusou em função de um conflito de agenda, mas concendeu a seguinte entrevista para a CULT.


CULT - Seu último livro, Le spectateur émancipé, menciona o teatro, as artes performáticas, a fotografia, as artes visuais e o cinema, mas não fala de TV. O espectador de TV também é ativo?

Jacques Rancière - No meu livro, eu tentei reinterpretar a relação das pessoas com o espetáculo sem me interessar tanto pela questão das mídias. Mas me centrei mais na ideia, tão comum, de que "agora não há nada mais além da TV... não há mais arte, não há mais cultura, não há mais literatura, nada".

Há casos em que o espectador está na frente da TV mudando de canal sem prestar atenção ao que está vendo. Eu me preocupei mais com o cinema, as artes plásticas, nos quais uma relação forte do olhar está pressuposta. A TV, de modo geral, não pressupõe um olhar forte, mas um olhar alienado ou distraído.

No espetáculo, o espectador de teatro é levado a trabalhar, porque aquilo que ele tem à sua frente o obriga a um trabalho de síntese. É preciso sair de uma peça, de uma exposição ou do cinema com certa ideia na cabeça, o que não necessariamente é o caso da televisão, em que as coisas podem simplesmente passar.

Já um lugar onde os espectadores se encontram, para as artes performáticas, por exemplo, implica um recorte fechado no tempo. Não é uma questão de suporte, mas do tipo de atitude e de atenção criadas. Podemos nos colocar na frente de um filme de TV com a postura de quem está no cinema. Nesse momento, nós agimos como o espectador de cinema.


CULT - O senhor rejeita a ideia de estetização da política que encontramos em Walter Benjamin. Como podemos interpretar a manipulação das sensações dentro do campo político? Por exemplo, o incentivo ao medo do terrorismo, a apresentação de políticos como mercadorias não seriam maneiras de estetizar a relação das pessoas com o poder político?

Rancière - Penso que a política tem sempre uma dimensão estética, o que é verdade também para o exercício das formas de poder. De certa maneira, não há uma mudança qualitativa entre o discurso em torno do terrorismo hoje e o discurso midiático contra os trabalhadores no século 19, que dizia que os operários contestadores cortavam pessoas em pedaços. Sempre houve, digamos, uma série de discursos organizados pelo poder. Eventualmente, eles serviram como forma de ilustração.

Não há novidade radical. A estética e a política são maneiras de organizar o sensível: de dar a entender, de dar a ver, de construir a visibilidade e a inteligibilidade dos acontecimentos. Para mim, é um dado permanente. É diferente da ideia benjaminiana de que o exercício do poder teria se estetizado num momento específico. Benjamin é sensível às formas e manifestações do Terceiro Reich, mas é preciso dizer que o poder sempre funcionou com manifestações espetaculares, seja na Grécia clássica, seja nas monarquias modernas.

Há um momento em que é preciso distinguir duas coisas: de um lado, a adoção de certas formas espetaculares de mise-en-scène do poder e da comunidade. De outro, a ideia mesma de comunidade. É preciso saber se pensamos a comunidade política simplesmente como um grupo de indivíduos governados por um poder ou se a pensamos como um organismo animado.
Na imaginação das comunidades há sempre esse jogo, essa oscilação entre a representação jurídica e uma representação estética. Mas não creio que se possa definir um momento preciso de estetização da comunidade.
Por exemplo, o nazismo, que é usado frequentemente como exemplo de política estetizada, na verdade também recuperou a estética de seu tempo. Pense nas demostrações dos grupos de ginástica em Praga nos anos 1930. Eram associações apolíticas ou absolutamente democráticas, com a mesma estética que encontramos no nazismo.
Para mim, é preciso tomar distância da ideia de um momento totalitário da história marcado especialmente pela estetização política, como se pudéssemos inscrever isso num momento de anti-história das formas estéticas da política e das formas de espetacularização do poder.

CULT - Uma das críticas mais frequentes à arte contemporânea é a impossibilidade de definir o que é uma obra de arte e o que não é. O senhor escreve que, "para que uma maneira de fazer técnica seja qualificada como artística, primeiro é preciso que seu tema o seja". Como definir a obra de arte ou a arte em si?
- Uma das críticas mais frequentes à arte contemporânea é a impossibilidade de definir o que é uma obra de arte e o que não é. O senhor escreve que, "para que uma maneira de fazer técnica seja qualificada como artística, primeiro é preciso que seu tema o seja". Como definir a obra de arte ou a arte em si?

Rancière - Não definimos a obra de arte como "obra". O que eu digo, no fundo, é que uma forma de arte é sempre ligada à dignidade dos temas.
O romance torna-se grande arte quando a vida de qualquer um se tranforma em arte. A fotografia no cinema não é só uma forma de mostrar o visível, mas mostra que uma cena de rua ou a vida de qualquer pessoa tem direito de ser citada na arte.
A partir do momento em que tudo é representável, não há mais especificidade. A especificidade não será dada, enfim, pela técnica em particular, mas pelos códigos de apresentação. Mais uma vez, não creio que haja uma radicalidade nova.
Há algumas décadas, as análises de Arthur Danto vieram dizer que somente a instituição é quem faz a obra de arte. De certa maneira, isso sempre foi verdadeiro. A "representação da representação" ligada a certo tipo de procedimento ou de instituição sempre foi necessária para identificar uma coisa como pertencente ao universo da arte.


CULT - Mas, hoje, mesmo uma grande parte do público questiona o fato de estar vendo "arte". Não há uma maior distância entre a apresentação e a recepção?

Rancière - Vivemos hoje em dia a contradição máxima, qualquer coisa pode entrar na esfera da arte. Mais do que nunca, a arte, hoje, se constitui como uma esfera à parte, com as pessoas que a produzem, com as instituições que a fazem circular, seus críticos.
Numa época em que os afrescos de uma igreja eram o que se considerava arte, essa questão simplesmente não se colocava, porque a arte não existia como instituição. É a contradição constitutiva do regime estético.


CULT - A última Bienal de São Paulo tinha um andar inteiramente vazio, simbolizando o vazio na arte. Como podemos interpretar esse vazio? O senhor fala do fim da arte utópica. O vazio seria a arte "atópica"?

Rancière - Podemos fazer o vazio significar várias coisas. Há artistas que organizam retrospectivas de suas obras, e o que vemos? Nada. Há apenas guias que falam. Há muitas possibilidades. Podemos conceber uma exposição sobre o tema do vazio no modernismo duro. Ou então imaginar uma exposição pós-moderna desencantada "mostrando o vazio porque a arte contemporânea é vazia". Ou ainda criar uma exposição em termos conceituais, em que efetivamente substituímos as obras pelo discurso sobre as obras, e assim por diante.

Mas a verdade é que eu nunca estou muito interessado por esse tipo de estratégia. Se partimos da ideia de que não há nada, é preciso mostrar que não há nada, e mostrar que o que há não vale nada, e assim por diante.

São estratégias eficazes, mas não tão interessantes. Quando não sabemos muito bem como qualificar algo, sempre podemos fazer uso do "vazio". Eu me lembro da Bienal de Veneza de dois anos atrás, em que havia uma multiplicidade de obras neo-naïf, neoexpressionistas, como iconografia provocante. Há multiplas estratégias.


CULT - O senhor critica muitas vezes a separação a priori entre atividade e passividade. Nesse contexto, como analisa as tecnologias colaborativas que estão surgindo na atividade artística?

Rancière - O que digo não é especialmente ligado à arte colaborativa. Em primeiro lugar, toda atividade comporta também uma posição de espectador. Agimos sempre, também, como espectadores do mundo.
Em segundo lugar, toda posição de espectador já é uma posição de intérprete, com um olhar que desvia o sentido do espetáculo. É minha tese global, que não está ligada só a uma arte interativa.

Todas as obras que se propõem como interativas, de certa maneira, definem as regras do jogo. Então, esse tipo de obra pode acabar sendo mais impositivo do que uma arte que está diante do espectador e com a qual ele pode fazer o que bem entender.
Podemos dizer, então, que as obras estão no museu, na galeria, na internet, e o espectador é convidado a colaborar. Mas isso é só mais uma forma de participação, e não necessariamente a mais interessante.


CULT - O senhor recupera o lado político da literatura, graças a seu poder de reconfigurar os modos de existência, e evoca a passagem de Aristóteles em que ele diz que o ser humano é político porque possui o logos, ou seja, é capaz de fazer discursos. Hoje, os meios de publicação tradicionais, jornais, editoras etc. estão ameaçados por formas como blogs e redes sociais. Que tipo de mudanças podemos esperar na vida política com essas novas formas?

Rancière - Isso depende de até que ponto a internet define uma escritura específica. Para mim, na verdade, a internet define essencialmente apenas um modo específico de circulação da informação, que não nega as formas anteriores da escrita. Dá para consultar, numa infinidade de sites, as obras clássicas da literatura e da filosofia, ao mesmo tempo em que existe a linguagem SMS.

Tudo circula, cada vez mais rápido e com mais facilidade: da linguagem minimalista dos SMS aos livros todos, digitalizados pelas grandes bibliotecas. Muitas vezes, recuperam-se livros que não podem mais ser encontrados no papel. Desconfio sempre desse discurso de que o Google vai matar o livro. Não há motivo, porque podemos ler livros no Google.
Para pensar essa questão da política e da literatura na era da internet, precisamos primeiro pensar nas relações entre tipos de mensagem. A internet é, para mim, um suporte que não vem associado a um tipo de mensagem particular. Portanto, não deve causar grandes mudanças.

É diferente do que aconteceu com a chegada do cinema, por exemplo. Podemos constatar que a literatura não tem hoje o papel que tinha no século 19. Apesar do número enorme de romances publicados, poucos são os que remodelam a imagem do indivíduo e da comunidade. Esse papel foi assumido pelo cinema. A literatura oferecia uma capacidade de alargar as formas de percepção do mundo e da comunidade, ela agia sobre a visão e o sentimento de praticamente qualquer um. Hoje, quem faz isso é o cinema, a televisão, a internet.


CULT - Até há pouco tempo, havia Bush e Dick Cheney de um lado e, de outro, a Europa como uma espécie de guardiã do "bom senso" na política. Agora, os norte-americanos elegeram Obama e os europeus escolheram Sarkozy e Berlusconi, acompanhados por um fortalecimento geral dos partidos conservadores. Falando das eleições de 2002, o senhor disse que não se pode vencer a extrema direita associando-se ao consenso e às oligarquias. O ano de 2009 é a conclusão do que começou em 2002?

Rancière - Não acho que podemos comparar. Em 2009, foram eleições europeias. Se tomamos o caso da França, em 2005 houve o referendo da Constitição Europeia e a União triunfou.

Em 2007, Sarkozy chegou ao poder e renegociou os poderes dessa Constituição. Ele decidiu que não se submeteria ao referendo pois, segundo ele, havia questões importantes de Estado envolvidas. Esse é um primeiro ponto. É preciso dizer que falamos de 40% do eleitorado que votou e é preciso pensar nos 60% que não votou.

A mudança entre 2002 e 2009 é que a parte do corpo eleitoral que não votou está mais à esquerda. A vitória da direita está ligada mais ao fato de que o eleitorado de esquerda não se reconhece nos partidos de esquerda, do que numa conversão da população inteira ao sarkozismo. O eleitorado de direita está contente com o que tem, está contente com Sarkozy e Berlusconi.

O eleitorado de esquerda não está satisfeito nem com os homens que estão poder, como Gordon Brown, nem com os que estão na oposição, e o melhor exemplo é a oposição socialista na França. Não acho que haja um crescimento extraordinário da direita e da extrema direita, mas sim um desencanto da esquerda.


CULT - Mas a crise gerou nos Estados Unidos um abandono da direita, representada por Bush...

Rancière - Houve uma mobilização enorme em torno das eleições norte-americanas. Uma série de pessoas que nunca tinham votado foi votar pela primeira vez, especialmente os negros.

No caso da Europa, foi o contrário. Há países onde apenas 20% dos eleitores votaram, e só 40% na França. Não acho que esse contraponto deva ser pensado em relação direta com a crise financeira. O resultado foi precipitado por ela, mas a ideia de Obama contra Bush remete a uma insatisfação anterior e mais fundamental do que a mera reação à crise econômica.


CULT - Os desinteresses pela política e pela arte seriam duas vertentes da mesma situação?

Rancière - Não tenho certeza, até porque o desinteresse pela política não é tão claro assim. Muita gente votou nas eleições presidenciais há dois anos. Nas eleições europeias, aparentemente muitas pessoas que normalmente votam não votaram, e muita gente que não costuma votar saiu de casa porque queria salvar o planeta. Esse é um primeiro aspecto.
O segundo é que não creio que haja um desinteresse pela estética, pela arte. As pessoas ainda vão ver Jeff Koons em Versalhes. O interesse pelos artistas ainda é muito importante. É verdade que de vez em quando há coisas desastrosas, teve La force de l'art no Grand Palais e estava sempre deserto, mas as pessoas se davam cotoveladas para ver Picasso.


CULT - Se a mudança do mundo passa por reconfigurações da maneira de pensar e entender a realidade, então ela não passa pelas revoluções como as conhecemos?

Rancière - Podemos pensar nisso baseados nas revoluções que já aconteceram. Em primeiro lugar, uma revolução é uma ruptura na ordem do que é visível, pensável, realizável, o universo do possível. Os movimentos de revolução sempre tiveram a forma de bolas de neve.

A partir do momento em que um poder legítimo se encontra deslegitimizado, parece que não está em condições de reinar pela força, porque caíram todas as estruturas que legitimam a força. Criam-se cenas inéditas, aparecem pessoas que não eram visíveis, pessoas na rua, nas barricadas. As instituições perdem a legitimidade, aparecem novos modos de palavra, novos meios de fazer circular a informação, novas formas da economia, e assim por diante. É uma ruptura do universo sensível que cria uma miríade de possibilidades.

Não penso as revoluções, nenhuma delas, como etapas de um processo histórico, ascensão de uma classe, triunfo de um partido, e assim por diante. Não há teoria da revolução que diga como ela nasce e como conduzi-la, porque, cada vez que ela começa, o que existia antes já não é válido.

Existe uma carta interessante de Marx, um pouco após 1848, quando os socialistas pensavam que as estruturas seriam abaladas mais uma vez. Ele diz que as revoluções não funcionam como os fenômenos científicos normais, são mais como os fenômenos imprevisíveis, os terremotos. Não sabemos como elas vão se comportar. Todas as teorias científicas, estratégicas, das revoluções demonstram isso.


CULT - Não podemos antecipá-las...

Rancière - Podemos prepará-las, mas não antecipá-las. A temporalidade autônoma de uma revolução, os espaços que elas criam não correspondem jamais ao quadro conceitual que temos no início.


CULT - A estratégia da esquerda tradicional é o confronto aberto, o que se opõe à sua teoria de reconfiguração estética da vida política...

Rancière - Temos de pensar na estética em sentido largo, como modos de percepção e sensibilidade, a maneira pela qual os indivíduos e grupos constroem o mundo. É um processo estético que cria o novo, ou seja, desloca os dados do problema.

Os universos de percepção não compreendem mais os mesmos objetos, nem os mesmos sujeitos, não funcionam mais nas mesmas regras, então instauram possibilidades inéditas. Não é simplesmente que as revoluções caiam do céu, mas os processos de emancipação que funcionam são aqueles que tornam as pessoas capazes de inventar práticas que não existiam ainda.

Não sou contra processos cumulativos, claro: se imigrantes ilegais têm capacidade de fazer greves e manifestações em condições perigosas para eles mesmos, isso define um alargamento não só do poder e das capacidades que temos, mas também do mundo no qual inscrevemos nossas ações e nosso pensamento.

A transformação dos mundos vividos é completamente diferente da elaboração de estratégias para a tomada do poder. Se há um movimento de emancipação, há uma transformação do universo dos possíveis, da percepção e da ação, então podemos imaginar como consequência também um movimento de tipo revolucionário, de tomada do poder. É claro que estamos falando do passado, porque o presente não é muito alegre.


CULT - Por que "o presente não é muito alegre"?

Rancière - O presente não é alegre porque não há esperanças fortes, digamos assim, que sustentem os movimentos existentes.

Por exemplo, a recente greve das universidades, que criou algumas formas de manifestação, digamos, particulares: cursos na rua, no metrô, invenções para deslocar para o campo da sociedade como um todo o problema que atinge o ensino superior francês.

Mas todas essas inovações foram completamente isoladas do ponto de vista da informação. O ano de 1968 existiu em parte porque o rádio cobria profundamente o movimento estudantil, sabia-se tudo que acontecia, havia uma geração de jovens repórteres de rádio que fez circular as informações.

Agora, aconteceu o contrário. A mídia aprisionou o movimento universitário numa espécie de paisagem hostil, gente que não entendia, que dizia coisas alucinantes. O partido majoritário de direita (UMP) criou associações de pais de estudantes exigindo o reembolso das inscrições porque os estudantes não tiveram aula. Isso era impensável há dez anos.

As forças da dominação e da exploração aumentaram consideravelmente seus meios de ação. Diante da crise financeira, não vimos nenhum discurso forte e sério contra o capitalismo, só esses pequenos grupos e partidos anticapitalistas com as mesmas ideias de décadas atrás. Nada que trouxesse esperança, movimentos com ideias alternativas a uma concepção hegemônica confrontada com suas próprias contradições.

O presente não é muito alegre porque as forças da dominação e da exploração fizeram progressos consideráveis. Estudei, por exemplo, o movimento operário do século 19, que criou novas formas de associação e de visão do mundo e que resultou em movimentos políticos que, como sabemos, falharam. Mas é certo que o universo dos possíveis foi amplamente reformulado. O povo em manifestação podia algo que não podia antes, diante da realeza.

No mesmo sentido, o operariado adquiriu novos poderes e direitos face aos patrões. As formas de comunicação se comunicam entre elas e criam um universo de circulação de energia, ideias, vontades. Foi muito marcante, em 1968, vermos surgirem de repente, em diversos lugares ao mesmo tempo, formas de contestação e de ação.

É claro que tudo isso caiu com o movimento, mas foi um momento em que os estudantes viram que podiam fazer o mesmo que os operários, e vice-versa. Criaram-se formas de ação completamente imprevistas. O que se transmite são aberturas do campo do possível, não do campo estratégico.


CULT - No interior de sua distinção entre política e polícia, como podemos interpretar o crescimento da vigilância e do controle? Por que fizemos essa escolha, em vez do encontro político?

Rancière - É a lógica do funcionamento dos Estados como instâncias de administração, e dos sistemas midiáticos: trocar a política pela identificação de problemas que precisam ser solucionados. Se não é o conflito que é motor, o motor é uma espécie de patologia da vida política que a administração se propõe a remediar. É o modo de funcionamento do Estado moderno.

De um lado, há uma pretensão ao objetivismo, identificar os problemas e as imperfeições da sociedade, e, de outro lado, precisamente essa espécie de objetivismo idealizado é, essencialmente, uma questão de gestão das opiniões.
Tomando a questão da segurança, qual é o balanço da gestão de Sarkozy, primeiro como ministro do Interior, depois como presidente da República? Um desastre.

Estamos muito menos seguros do que antes. O que está em funcionamento é a gestão da insegurança como um sentimento para agregar as pessoas em torno de um poder que gerencia a segurança.

Resisto muito às teorias paranoicas de "sociedade de controle" que dizem que "somos observados e controlados em todo canto". No 11 de Setembro, vimos como as pessoas podem passar tranquilamente diante das câmeras de segurança e fazer seu atentado sem serem molestadas. Acredito muito mais na ideia de uma administração ideológica, no sentido tradicional, dos sentimentos, particularmente no que diz respeito à segurança.

Criamos um sentimento de que vivemos na insegurança e precisamos de gestores de segurança. Isso cria uma legitimação de decisões autoritárias que podem se estender a praticamente tudo. No fim, a segurança acaba significando qualquer coisa. A pobreza dos subúrbios, a saúde dos idosos, os "países terroristas" pelo mundo, os poluidores, qualquer coisa.
A segurança vira um sentimento de perigo onipresente, extrapolando a ideia da proteção das "pessoas de bem" contra os maus de qualquer tipo. Isso cria estruturas de gestão estatais e interestatais, que não são necessariamente da ordem do controle minucioso ou do terror, mas de um sentimento flutuante.

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/novo/entrevista.asp?edtCode=405A8403-AD34-47FE-9051-22017E8B23A9&nwsCode=0452FD78-D0E1-4275-95F6-6E5618F6F8AA

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nem todas as primaveras serão floridas...

A minha em especial não será. Mas ao menos terá trilha sonora! Rsrs!!! Explicarei mais adiante...Daqui a mês e alguns dias uma de minhas melhores amigas partirá rumo a Suécia, terra de seu amor e onde cursará um ano de seu doutorado. Apesar do sentimento de orfandade, sendo a única órfã que tem de torcer a favor de seu próprio estado de desamparo, não poderia ser de outro jeito: consigo imaginar muito bem o quanto deve ser ruim estar separada de quem tanto se quer bem. Diante disso, e por uma pulsão de morte que me faz ouvir repetidas vezes a mesma trilha sonora tantas e tantas vezes já ouvida, cantada, gritada, “sorrida” é que voltei a esse palco de triviladades e “exageridades”, claro!Era uma vez duas calouras em alojamento da Universidade de São Paulo: Vanessa e Simone. Havia outras cinco neste alojamento, mas isso não importa. Uma delas, Vanessa, consegue vaga nos apartamentos da universidade. A outra tem de esperar um pouco mais. Era uma vez uma outra caloura, Sonia, que entra no lugar de Vanessa. Ambas se conhecem através de Simone e as três viram amigas inseparaveis. Onde uma estava, a outra certamente estaria. Do contrário, sempre haveria um recado pelas lousas da Letras com o horário do próximo “Q.G”. E os “Q.Gs” seriam muitos: sesta na praça do relógio, passeios pelos sebos do centro, tardes de leitura do diário sexual de Catherine Miller, compras na 25 de Março, mercado (com pouca grana!), jogar buraco nas madrugadas da greve de 2002, festa na Poli, na Letras, na GEO, no CRUSP (com direito a macarrão com sardinha às 5 da matina)... E como a boemia exige, não poderia faltar música! Berrada, em coro, odiada por alguns de nossos ouvintes (principalmente os dos transportes públicos que frequentavámos) a música abaixo era marca registrada SSV (ou ainda SSS – Sonia, Simone e Sanessa):Havia essa outra, mas só cantavámos o começo, pois não sabiamos o resto da letra..rsrs!Festas ECA:O prédio do alojamento é também o prédio da pós-graduação na USP. Como Simome e Sonia continuavam a morar no bloco C, acabaram por conhecer Renilson que pleiteava mestrado na FEA. Em troca de dividirem almoço no bandejão, ele bancaria os lanches intermediários e todos os próximos caputinos das manhãs dessas duas. Foi assim que nasceu mais uma grande amizade e adicionou-se mais uma música de nossa trilha sonora:S.S, Renilson, violão e Eagles…No terceiro ano de faculdade, Léia, irmã de Sonia fica hospedada no apartamento de Sonia a fim de estudar para o vestibular...E entre um bilhete e outro, entre uma festa e outra, eis que não podia faltar “Passe em casa”O tempo passou, Renilson voltou para Manaus, Simone e Sonia terminaram a amizade, Si se casou, Leia casou-se e teve dois filhos. E houve uma série de históras no meio disso tudo, mas ao final ficamos Sú e eu perdidas na ilha USP.Então um belo dia (meu filho adora essa expressão!) no final de 2007, um rapaz loiro, alto, de olhos azuis e que gosta de se denominar como um “viking”, em uma das únicas baladas em que não estive junto  a Sonia, roubou seu coração e o levou lá para Suécia. Ela tentou o buscar nos quinze dias em que o visitou, mas não teve jeito: o danado gostou mesmo da social democracia!!! Foi durante essa viagem que a minha querida amiga assistiu o filme “Mamma Mia”, musical cujas canções do grupo ABBA completam – até o momento - a trilha sonora de nossa amizade. O musical conta a história de três amigas, três amores de verão e uma filha, fruto desses amores - eu resumi muuuuuuuuuuuuuito o filme aqui. Mas abaixo coloco a sinopse do filme, suéco, claro(!) e duas músicas da banda tema do músical, as que mais gosto.Donna (Meryl Streep) é dona de um pequeno hotel e mãe solteira da espirituosa Sophie (Amanda Seyfried), que vai casar. Donna precisa superar o fato de que irá ficar sozinha e convida duas amigas especiais para o casamento da filha, do tempo que era vocalista de uma banda chamada Donna and the Dynamos. Procurando conhecer a verdadeira identidade de seu pai, Sophie convida secretamente três homens especiais.         Fonte: http://br.cinema.yahoo.com/filme/15053/sinopse/mammamia   O vídeo abaixo não foi possível de incorporar, mas é possível ve-lo clicando no link em seguida:http://www.youtube.com/watch?v=JVIJU5poFvI&feature=related Certa vez em minha aula de Filosofia do Pensamento Chinês  o professor disse entre outras coisas que amar é incluir alguém em seus planos de vida. Creio que ele tinha razão. Eu incluo a Sonia em todos os meus planos de vida. Quando planejo algo, já o faço levando em consideração a presença e a disponibilidade dela. Se vou ao bar, “Sú, que horas você aparece lá?”. Se o programa é uma viagem, “onde iremos nessas férias?”. Se a barra pesou, “Sú, preciso de ajuda”. Se a barra pesou demais: “Sú, tô grávida!”.   Realmente, será uma primavera de planos confusos e poucas flores na estação que inicia... Ficam as músicas... E a internet (!) - msn, facebook, orkut, blogs, etc!Ainda sim, díficil...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Você é um homem, ou um rato?!!!!

Trabalho, trabalho, trabalho. Trabalho, silêncio, trabalho. Trabalho, cansaço, trabalho. Trabalho, silêncio, trabalho. Trabalho, cansaço, trabalho. Trabalho, tempo, trabalho. Trabalho, tempo, cansaço, silêncio, trabalho. Tempo, tempo, tempo. Trabalho, trabalho, trabalho. Cansaço, cansaço, cansaço. Silêncio, silêncio, silêncio...

Não, isso não é uma tentativa tosca de poesia.

O rato sou eu...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Geração Y - por Yoani Sanchez de Havana, Cuba

http://www.desdecuba.com/generaciony_pt/
"Geração Y é um Blog inspirado por pessoas como eu, com nomes que começam ou contem um ípsilon. Nascidos em Cuba, nos anos 70s e 80s, marcados pelas escolas da paisagem rural, bonequinhos russos, emigração ilegal e frustração. Por isso, convidamos especialmente Yanisleidi, Yoandri, Yusimí, Yuniesky e outros que arrastam os seus ípsilons, para ler e escrever para mim."

terça-feira, 26 de maio de 2009

A preguiça nefasta

Hoje tive uma “folguinha” das tarefas “urgentes” de meu trabalho e em uma busca desesperada por leituras úteis aportei no texto de Márcia Tiburi sobre o tema preguiça (publiquei o texto na secção de artigos desse blog).

O texto chamou a minha atenção obviamente por que me veio bem a calhar: padeço de preguiça aguda. Mas, ao contrário dos quadrinhos com o maravilhoso personagem Garfield, tal “sentimento” está longe do ócio necessário, ou ainda inteligente do qual o gato faz apologia em contraposição ao lisonjeio do “amor ao trabalho”, ideologia bem sucedida do capitalismo.

A “minha preguiça”, ao contrário, não interfere deveras no trabalho (um pouco, talvez!). A preguiça de que ando a refletir é de outra ordem. Alastra-se por todos os demais campos de minha vida, fato que me levou a refletir (ou tentar!) sobre a questão, pois prevejo em suas conseqüências a mediocridade e a perversidade.

As raízes do mal que me acomete, parece ter tons mais macunaímicos do que garfieldianos. Alimenta-se de hábitos como a minha maravilhosa mania em delegar responsabilidades e a conseqüente acomodação a esse vício; no medo em frustrar expectativas alheias (querer ser/ parecer a todo instante coerente com as expectativas de outros) e, o pouco caso com as necessidades alheias (parece contraditório, mas ficará claro mais adiante).  Posso dizer que essas são apenas algumas pistas do que eu consegui colher ao longo de minhas reflexões (preguiçosas reflexões!!!). Sei que parece estranho essa associação entre preguiça e perversidade, mas tal relação é algo de que há muito desconfio. Deixarei mais claro com exemplo bem feio que há algum tempo constatei em minhas atitudes.

Eu tenho preguiça de ser mãe.  Não é algo bonito de se declarar, mas é preciso. Todos os finais de semana em que tenho de cuidar de Gabriel as minhas energias parecem se volatilizarem com o ar. Não é de hoje que vejo essa minha “preguiça” em relação ao meu filho. Por isso não baixo a guarda com relação a isso. Quer dizer: baixar, às vezes, eu baixo sim, mas tento estar sempre mais atenta. Porém penso que chegou o momento em que admitir tal horror seja o mais eficaz e produtivo.  Infelizmente, ou felizmente, não fui a única a notar o “defeito de caráter”. Minha melhor amiga (uma das, já que tenho duas melhores amigas) também percebeu e me apontou isso sem meias palavras. Não foi agora não. Faz tempo, ano passado. “Você está sendo negligente!”, disse ela. E doeu. Ainda mais porque tinha razão. Mas muita coisa se resolveu desde então.

Porém, vejo que essa negligencia foi em parte, canalizada a outro meio. Foi o que constatei ao ler o texto da Márcia Tiburi sobre a preguiça e um outro, Sem Limites. A autora aponta uma questão que, talvez, por ser tão cobrada com relação à imposição de limites ao meu filho, liga dois pontos de uma mesma questão: o exagero em frisar a necessidade de delimitação de limites a crianças e a preguiça. No texto, o que a autora aponta é a ligação entre a imposição excessiva de limites e a preguiça em educar crianças:

Para muitos basta dar “limites” para realizar uma boa educação. Como se a experiência do limite sozinha pudesse ser a salvação para alguém que se perdeu. Um não dito em tom solene aqui, ou acolá, e estaria feita a mágica. Sabemos que não funciona assim.     

Meu amor certo dia me disse: “Precisamos de espelhos”.  Nos últimos meses notei que trato Gabriel de maneira mais dura. Intuí de que devesse ser mais atenciosa também, pois achei que só poderia ser mais dura com ele se, proporcionalmente, o desse a recompensa em atenção. Mas em uma análise sincera tal recompensa não teve nada de proporcional. Daí ao me deparar com os textos de Márcia, a imagem no espelho não foi bonita. E isso teve a ver mais com a minha preocupação em impor os tais “limites” que tanto ouço todos buzinarem em minha orelha do que com o comportamento do meu pequeno. Obviamente que tal preocupação veio calhar direitinho com a minha PREGUIÇA. Calhou à preguiça, à covardia em impor LIMITES aos que buzinam “limite!”, à minha fraqueza. Ser forte com quem é fraco não tem nada de enobrecedor. É a inatividade em verniz de profunda atividade. É a PREGUIÇA em carapaça de RESPONSABILIDADE. Por fim, é covarde e perverso.  

Pois é... O jeito é continuar (clichê, eu sei!).  E sem esperanças em encontrar aquela moral da história no final do livro que tanto nos facilita a leitura. Olhar os espelhos que me cercam: sem preguiça! 

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Déjà vu?



*Hoje amanheceu nublado e fui até o aeroporto ver aviões decolando. Agora, ao entardecer, tenho sol nos cabelos e uma estúpida piedade daqueles que partiram cedo demais.

Chove lá fora e hoje poderia ser mais um daqueles dias chuvosos sem nenhuma grande importância. Mas a mim soou diferente...

Acordei ao milionésimo chamado do celular. Devo o ter colocado em opção soneca uma centena de vezes. Não lembro. Meu corpo já faz coisas por mim que às vezes me toma mesmo o leme das ações. As horas já se vestiam em seu costumeiro traje de atraso, mas as vértebras de minhas idéias ainda doíam do sono que exigia sua finalização. Talvez eu sonhe demais e por isso sinta tanto sono: sonhos gulosos que não se cansam de sonharem-se. Uma vitória: cheguei ao chuveiro e sem roupa ainda de olhos fechados. Ao voltar do banho, a mudança: num estalar do instante, meus sentimentos, embaralhados pelo sono interrompido, parece terem se perdido nos labirintos de minha memória e, confusos, retomaram o paladar de um mundo que já não é.

Por um balançar de realidade o cinza do dia, perdeu o lugar das horas.  Não sabia se era o entardecer, ou o amanhecer de horas antes, mesmo tendo conferido algumas vezes no celular. A iluminação do quarto, o cheiro das coisas. Sim, o mundo exala. Mesmo quando não mais percebemos. Há alguns anos atrás tive de fazer uma cirurgia e por complicações na recuperação me ausentei do CRUSP  por alguns meses a mais do que houvera previsto. Quando retornei da casa de minha mãe  ao meu apartamento na USP, a primeira coisa que reconheci ao abrir da porta foi o cheiro, o cheiro daquele lugar. À época do falecimento de meu pai, sentia seu cheiro em tudo. Como se não conseguisse descolar a apreensão do mundo ao gosto da perda daquela existência. Os talheres tinham seu cheiro. Até a água do chuveiro!  Por meses o quarto em que dormia me parecia infestado de sua presença. Ou de sua ausência...Ou de ambos...   

Assim, mesmo o mundo me pareceu transpirar em novo ritmo a partir de meu retorno ao quarto. Devo dizer que é realmente uma sensação que de tão estranha, descola-se de qualquer ensaio de real. A rememorização não de fatos passados, mas de sentimentos passados. Sentir o sentimento de dias que já se foram e que, embora tenham sidos meus, não mais me pertence. A estranha consciência de que mudei por uma súbita experimentação nostálgica de sentimentos e rotinas que já se foram. Acabei por vestir uma roupa que há muito não usava e em decorrência da chuva e do atraso, a me enfiar em táxi rumo a Berrine. Dentro do carro me lembrei de meu primeiro mês de trabalho na antiga empresa em que trabalhei, dias de chuva como o de hoje e em que costumava ir de táxi.

Uma pequena  pista finalmente!O paradeiro cronológico das  sensações retomadas. Hoje senti o mundo em duplicidade. Ao mesmo tempo sou a Yara de hoje e a nostalgia da Yara que já morreu, a Yara de cinco anos atrás.

Ontem, ao andar pelo shopping Eldorado, finalmente encontrei a lâmpada adequada à luminária de meu quarto. Faz uns cinco anos que a tenho. Mas há uns dois anos a sua lâmpada queimou e eu segui em deixar a troca deste item para depois. Para depois... Sempre para depois.

Talvez tenha sido a luminária. Talvez tenha sido a chuva. Talvez tenha sido o sono. Ou o entrelaçamento desses três.

Quem sabe um déjà vu anômalo, nostálgico? Às vezes desconfio de que o normal não me pertence...rsrsrs!    

Excerto retirado do blog Análise Publica: frase do dia. http://analisepublica.blogspot.com/2006/05/frase-do-dia_25.html    

Fonte da imagem: http://diarionaooficial.blogspot.com/2008_01_01_archive.html

Musica inspiradora (o que ouvia enquanto escrevia todos esses disparates):

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A outra metade de meus textos...continuação

A cada dia que passa, reforça-me mais a idéia de que somos seres delineados por uma imanente contradição. É o melhor e o pior de nós. Alguns passam a vida a investigar suas contradições e a verossimilhanças de suas idéias. Outros a querer impô-las aos demais. Talvez, na realidade, sejamos um misto de ambos.

Como a proposta deste espaço é o desossar de minha hipocrisia, penso em, na medida do possível, expor minhas contradições ao impulso de impô-las.

A primeira e não recente conclusão é a que defendi acima: ser contraditória é o melhor e o pior de mim. O pior, na medida em que expõe a demagogia e a fragilidade de meus argumentos, de minhas idéias e a mesquinhez de meus sentimentos. O melhor, pois graças a essa característica tenho a facilidade em abandonar idéias apaixonadas e mentirosas, idéias e sentimentos preconceituosos e discriminadores, em mover as categorias e os quadros nas paredes que sustentam os meus pensamentozinhos. Mas mover as idéias, mover as ações e mover os sentimentos são três ações distintas, embora entrelaçadas. Pois não temos acesso a fatos, mas apenas a pontos de vista. Ações distintas... Com um mesmo alvo. A demagogia, óbvio, emerge da contradição das direções entre elas. Dificulta ainda a liquidez de minhas certezas e os malditos paradoxos, os quais nem sempre estou atenta.

Estes dias, a navegar entre meus blogs prediletos, me vi diante de uma das frases de Clarice Lispector a qual não tenho mais acesso na integra, mas da qual me ficou “a moral da história”. Clarice coloca que escrever não é apenas um ato de reflexão sobre o mundo, mas condição mesma para se pensar. A autora diz só conseguir se pensar no ato da escrita. Nisto, talvez eu seja como ela. Daí eu temer o silêncio. O silencio das idéias... Obviamente, não há grandeza proporcional entre o resultado do ato de escrita de Clarice e o meu. Mas creio ser preciso amar a vida, mesmo que seja a minha. Ando alienando-me de mim. O problema disso, antes que se levante a bandeira de humildade, é que nisso me desapego do mundo. O resultado parece ser um enorme sentimento de tédio. Como se na luta diária entre a passividade de meu temperamento e a rebeldia de minhas idéias, a contradição ficasse um fardo cada vez maior a carregar. Aliás, eis uma contradição que não consigo resolver: a demagogia de meus atos e o medo das minhas palavras. Como amar a vida se já não me satisfaço com a que tenho? “Mesmo que seja a minha”... Amar a vida porque ela é minha. É a responsabilidade da vida o que parece  que me escapar às mãos.

Por estes dias decidi que para continuar a pensar-me com mais sinceridade  fechar alguns de meus (futuros) posts. Medo. Sim, um medo que não consigo vencer. Não tenho acesso a quem lê este espaço. Não há medidores de audiência no blog. Assim,  mantenho o compromisso de sinceridade e aviso que coloco  alguns conteúdos para balanço. Contraditório? Lógico!...rsrsrs!

 

Fonte da imagem: http://lordevelho.blogspot.com/2008/07/partes.html 

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Quase dois sambas

A outra metade de meus textos...

Dois sambas e nenhuma melodia.

Sorry pela mediocridade das letras, mas não sou poeta e nem musicista. Apenas uma grande intrometida. Como diria o meu amor, em paráfrase a uma frase do texto de Raduan Nassar, uma lingüístazinha de merda.

Mas se não faço sambas bons, é que estou me guardando para quando o carnaval chegar... 

 

....

 

Samba sem endereço

Meu nego diz que é branco

Que é quase carcamano

Que é da Leopoldina

E que na minha favelinha

Prefere nem pisar.

Meu nego que é branco

Que se acha carcamano

Despejado da mordomia

Diz que só se mudou lá da vilinha

Que é pra não entediar.

Meu branco diz que é preto

Mas que é preto do Bexiga

E que não se junta com gentinha

Que é pra não acostumar.

Meu nego não tem cama,

Não tem mesa, não tem grana

Mas diz com voz de galo empapado

Que não é em barraco alagado

Que ele há de me amar.

Meu nego não tem cor

Não tem diploma de dotô

Não tem beira, não tem eira

Não tem carro, nem cavalo

Mas diz que em endereço favelado

Ele não vai me procurar

O meu nego que não é preto

Nasceu num bairro de operário

Em épocas de glória foi proletário

Mas hoje acha de classe só palavrear

Meu nego fala bonito, Fala difícil

Diz que é branco letrado

E que não vai pro trabalho

Que é pra inteligência não gastar

Diz que é vagabundo de classe

Que pra favela só iria se o pagasse

Mas na hora do amorzinho

A favela não quer largar

O meu branco quer ser preto

Às vezes se acha o literato

E encarna o próprio Machado

Que de preto aos poucos passou a clarear

O branquinho que é o meu nego

Esnobou minha favela,

- Tem gente chucra e sem cultura!

É difícil de chegar

Mas esse branco que é meu nego

Que não banca e só faz trela

É apenas mais um desses malandros de subúrbio

Que de samba não quer gostar

O que o nego num percebe

É que o de menos é meu “CEPE”

Que a favela mora em mim

E o meu amor é feito assim

De samba sem hora e sem lugar

Ele é a minha favela fazendo batuque

E é feito no ritmo da cama fazendo compasso

Ele é o samba sonhando o terreiro em que vai tocar. 

 

 

........................................................................................................................................................................

 

(Sem título)

 

Dizem por aí que sou muito é descarada, pois o corpo ainda nem esfriara

E eu tão logo viuvinha

Já me fiz faceirinha pro velório ir paquerar,

Mas o que todos não sabem

é que rancor de mulher traída

só se cura mesmo é com saia curta e com birita...

e mais ainda

com muita danação

Pois só eu sei quanta brasa engoli

Que da amante maldita à boca dele cuspia

as cinzas de nossa paixão

É que por um teco de cigarro, esse desgraçado,

quis me deixar no celibato

com lamento e sem pensão

E se foi.

Com a querida fedida

A traiçoeira, magrela e nem mesmo faceira,

E quem lhe era sempre a preferida

Ingrato! Ingrato!

Eu ali, queimando em paixão,

Trocada por um cinzeiro roubado!

Ingrato!

E o maravilhoso perfume

de nicotina!Da querida... fedida!

Fedida e barata,

que a todo tempo lhe escarrava a desgraça,

a asfixia de nossa canção.

Ingrato!

E agora, que suas brasas o consumiram,

Pois eu é quem pergunto a todos esses ditos amigos

Quem é que consumirá

As brasas que eu estava guardar

e o Amor que estava a lhe juntar, enquanto ele?

Tudo num cinzeiro a nos fumar!

Ingrato!

Há isso é que não há perdão!

E é por isso que eu afirmo

E em compasso de samba de viúva empoleirada

Que por chumbo trocado e cinzeiro derramado

Não se fica a chorar e não se reclama por limpar.


quarta-feira, 25 de março de 2009

Respostas copiadas

Na ausencia completa de criatividade, o mundo me pensa com minhas palavras mesmo sendo de outros...O grifo é meu. A não minha resposta , mas ainda sim minha.

situacional

- onde estás?
- aí.
- como estás?
- bem, aqui;
- como te sentes?
- preso entre o que não sei, o que sei que não tenho e o que não sou.
- o que posso dizer? ou fazer?
- emenda-te, que eu, já não tenho espaço nem tempo, se não para ser o que sou.

Texto chupinado do blog: http://tempusatempus.blogs.sapo.pt/

quinta-feira, 5 de março de 2009

quarta-feira, 4 de março de 2009

As meias palavras e as meias verdades

Olá querido e abandonado diário, quanto tempo!

E é sempre assim, não é mesmo?! Todas as vezes que minhas idéias freiam, é a este tom e à cumplicidade do diálogo o que me resta das migalhas de minha criatividade. Em alguns textos atrás, me reportei como causa de minha inatividade, a uma possível preguiça das idéias. Mas passados alguns meses, desconfio de que após o período de “preguiça”, o que me sucede, além do caráter de urgência de meu dia-a-dia, é a perversa e erronia sensação de estanque das idéias. A melancolia da curiosidade.

Não me considero completa. Não é necessário descabelar-se quanto a esse possível erro de minha parte. Não parei os meus questionamentos por considerar-me com conhecimento suficiente para não mais ter o que questionar. O que cresce em mim é um sentimento de outra ordem: o de que não tenho mais nada a dizer. Acabou. Secou a fonte. Sequei.     

Na semana que antecedeu ao carnaval, houve a semana de recepção aos calouros na USP. E ao ver todos aqueles jovens, de rosto pintado e a minha consciência da brancura daqueles futuros, futuros tão livres, não pude conter o enorme sentimento de nostalgia de quando também fui caloura, de quando ainda era “bichete”. Eu tinha o futuro em minhas mãos e ele parecia algo misterioso e maravilhoso. Eu passaria a morar sozinha, em moradia estudantil, na melhor Universidade do país, fazendo o curso que eu escolhi. Eu não iria ter muito dinheiro para as despesas, mas ganharia o suficiente para pagar os gastos com o material da faculdade, com a alimentação e ainda sobrariam uns trocados para passear pelo centro e para pegar uns livros nos sebos da vida. Eu poderia sair a qualquer hora, para onde eu quisesse, e se eu juntasse uma grana, poderia fazer algumas viagens nas férias, à alguma cidade não muito distante. Eu poderia... Às vezes é difícil escapar da frustração em não me enquadrar naquilo que gostaria ter sido e que não fui.

As coisas nestes últimos tempos têm me parecido mais difíceis do que de costume, quase inatingíveis. Por esses dias recebi um e-mail de minha orientadora esclarecendo que avaliará se realmente abrirá uma vaga de mestrado, etc. Eu fiquei meio decepcionada (não, esse não é o único motivo de meu mutismo!), mas ao avaliar bem o comportamento que tive diante dela e o conteúdo de meu projeto, vejo que foi muito educada frente ao caráter do que a ela apresentei: mediano, medíocre. Pois é... Mas o que fazer com as idéias medianas? As minhas ando a deixar todas pela metade. Textos pela metade, projetos pela metade, faculdade pela metade, vontades pela metade.

Esse ano farei 25 anos. A idade que sempre quis ter. Isso por que acreditava que com vinte e cinco anos não haveria ninguém a questionar a “adulteza” de minhas atitudes. Mas vejo que eu estava equivocada. O que eu teimo em ignorar é que quem emprega credibilidade às minhas atitudes sou eu. Porém, acostumada a entregar a finalização de meus projetos a terceiros, realmente ficou difícil a essa altura do campeonato querer voltar ao comando do barco; preguiçoso trabalha dobrado, já diz um certeiro ditado. É óbvio que devo ser sincera e reconhecer o bocado de demagogia que existe na imagem que projeto de mim e dos papéis a que me submeto. Aos silêncios passivos aos quais eu até me felicito em tantas situações onde o direito da palavra era meu.

Por esses dias, me peguei a questionar a minha condição de mãe colocando-a na lista de meus obstáculos. Não que seja inquestionável, mas mais uma vez me vi na frustração em não ser o que os outros gostariam que eu fosse. Não sonhei ser mãe. Preciso ser sincera. Nem sempre tenho paciência. É difícil, é cansativo e às vezes é mesmo muito chato.  Mas daí me envergonhar em ocupar esse papel há uma grande distancia, né? Tive vergonha de ter ingressado à universidade aos 17 anos de idade e ter chegado aos 24 ainda não ter completado o meu curso, não ter adquirido nenhum objeto de valor, não trabalhar no que eu gosto e nem sequer conseguir escrever um maldito projeto de mestrado de 20 páginas. Tive vergonha de ter que mendigar uma vaga no CRUSP à universidade. Mas o que eu liguei sem rodeios a tudo isso, sem o menor pestanejar foi o fato de eu ter me envergonhado de tudo isso e mais a vergonha de já estar com um filho nos braços. Como se todas as atitudes acomodadas que venho mantendo seja conseqüência direta de sua existência! Se tudo é realmente mais difícil com ele, pior ainda comigo.  

E de novo, o retorno ao zero! Às pequenas e nefastas acomodações de cada dia. Agora, sem a criatividade em meu auxilio. Enfim, mais um texto pela metade (só que desta vez, publicado).

 

Imagem: quadro de Salvador Dali, The Persistence of Memory

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Das frustrações...


Algumas imagens realmente mereceriam um registro fotográfico. Mas, privada da capacidade de segurar uma máquina fotográfica, e esquecida das artes do grafite e do nanquim (há anos que deixei de desenhar), restou  apenas, com medíocre utopia, recorrer ao Word que a este momento silenciosamente é quem pode me acolher.

O dia estava nublado e voltávamos de um de nossos passeios à praça do relógio. O vento já dançava em ritmo acelerado e anunciava em nosso rosto o fim da festa, a hora de lavar a casa. Mas a festa nunca tem fim a quem é criança, pois a elas brincar é sempre o mais provável. Por isso, mesmo em fim de passeio, ele ainda corria do mesmo modo com que correu e festejou a nossa partida. De braços abertos, bailava freneticamente ao som das trovoadas. “Mamãe! Mamãe! Vem! Vamos correr atrás dos passarinho”. E desse modo, fui, ao som do vento, enovelada carinhosamente pelas caricias daquela dança. De sua voz e de sua pequenez me brotava uma vontade infinita de eternidade e compulsivamente fui conduzida a abraçá-lo.

A poesia às vezes se materializa (nos poemas eternos dos grandes autores). Às vezes, vira a lembrança de um doce gostoso (não, a minha fotografia escrita, infelizmente, é falha!). Nós sopramos as flores e delas restaram apenas o caule. As pétalas daquela poesia depositaram-se em minha memória, mas não deixaram semente. Assim, resta-me apenas o desejo frustrado de uma fotografia impossível. O invisível de um poema abortado, apesar de toda a poesia que carrega.  Quem sabe, também o despeito de ser a única a saber a ter na memória uma coreografia tão peculiar: de braços abertos, o menino e seus pássaros,  a ventania e o meu tempo. Uma mãe rodeada de infância e um pedaço de seu coração a correr com pássaros e a voar de si.   

 

...............................................................................................................................

 

Brian Eno - By This River


 

Os créditos da imagem - O fotógrafo- é de Fernanda Magalhães, do blog http://artetransmultiflexmixmultimaga.blogspot.com/