domingo, 18 de fevereiro de 2024

Um 2024 para cometer erros em paz.

Quando você é um corpo que não é considerado o adequado para exercer poder, as pessoas manifestarão o preconceito delas não de maneira direta ou consciente.

O preconceito tem a ver com as expectativas que as pessoas têm do que é adequado ou inadequado a determinados corpos. Também tem a ver com o direcionamento do olhar, a seletividade com que te olham. Vou exemplificar. 


Para pessoas com deficiência é esperado que sempre estejamos prontos a superar as expectativas em nossas realizações, ao mesmo tempo em que isso não exceda o nosso lugar infantilizado. Eu já fui chamada atenção algumas vezes por ter feito exatamente a mesma coisa que o meu colega de trabalho. Eu lembro de uma reunião em que o não cumprir uma tarefa foi chamado pela gestora como demanda da equipe e exatamente a mesma tarefa não cumprida por mim no mês anterior e nas mesmas condições foi chamada de desorganização da minha parte. 

O meu falar em reunião foi visto como arrogância e o silêncio do colega de estratégia e inteligência. 

Percebem? É praticamente exaustivo estar o tempo todo sob a mira do olhar invasivo do mundo. O direito à invisibilidade dos erros não é para qualquer um. 


Alguns vão chamar essa minha observação de vitimista. 

Acredito que seria vítimista apontar  essas nuances da realidade se eu me acreditasse nesse lugar. Ou se eu  conseguisse mapear tão bem os meus "deslizes" que pudesse tirar proveito disso. 

Mas bola de cristal não é um "privilégio" PCD ou feminino, então infelizmente não é possível me aproveitar de nada. 


Um outro exemplo vindo diretamente da realidade. 

Quem em uma reunião de equipe teria discutido o direito de ir em outra sala pegar um objeto pessoal ou não? Eu tive essa escolha realizada por outros em uma reunião. Eu não tenho como adivinhar que escolher se tenho o direito a pegar um objeto ou não será o modo que vão me tratar numa reunião de trabalho. Obviamente que alguém se achar no direito de impor isso a um colega de trabalho deixa transparente o poder que a pessoa acredita que tem sob seu corpo. E nos detalhes - DETALHES - como te marcará para que SAIBA qual é o seu lugar. 


Eu sou um corpo que tem de se impor o tempo todo, pois se eu for dócil, sou vista como permissiva. Se me imponho, como arrogante. E em ambos os casos, podada de oportunidades. Oportunidades reais e materiais que impactam na minha segurança e na minha ascensão social. 


Esse ano eu entro com compromisso comigo mesma de ser mediana em tudo que não me recompensar com reconhecimento. 

Isso porque a minha tendência é a de quando colocada em questão querer mostrar o quanto eu sou boa e tratar quem me desprezou ou me atrapalhou com mais amor ainda. Dessa vez não. 


Também não irei para uma chave de vingança, que rouba minha energia das minhas próprias pautas e demandas. 

Ser mediana ao que não nos recompensa é um privilégio que talvez pessoas com corpos dissidentes devam aprender a usufruir e talvez eu queira experimentar isso este ano. 


E se o silêncio não me protegeu e nem me protegerá (Audre Lorde), exercitarei ao máximo a minha arrogância.