domingo, 22 de janeiro de 2023

Em defesa das histórias tristes

 


A vida é cheia de histórias tristes, mas contar histórias tristes publicamente tem sido cada vez mais difícil. 


A cada dia que passa, falar sobre algo triste é sinônimo de fracasso. E, bom, gente fracassada, ninguém quer por perto, é como uma doença contagiosa. 


Há muito aprendizado em acontecimentos tristes. Esse aprendizado tem deixado de circular. Ninguém quer ser visto como o pássaro do mau agouro.  


Mas há mais do que aprendizado…


É da condição humana viver acontecimentos tristes. Só que viver esses acontecimentos sozinhos não. Por isso, a depressão parece ter se tornado uma epidemia. Se achar o único no mundo a se sentir triste e, principalmente, fracassado é um peso que pode ser insustentável se carregado por muito tempo sozinho.


Eu vou contar uma história triste. Uma das minhas fotos prediletas é na piscina é do apartamento que eu perdi por dividas de condomínio. A perda foi fruto do agravo em ficar dois anos da Pandemia desempregada, e minha inabilidade em gerenciar um imóvel caro e o meu cansaço por trabalhar muito e longe por anos.


Procurei por muito tempo histórias sobre pessoas que perderam seus imóveis e como  lidaram com isso, mas eu não achei. 


Porque expor algo assim é inaceitável.


O que havia era um milhão de coachs com dicas esdrúxulas sobre comprar ou não comprar imóveis. 


Morar é muito mais do que um cálculo matemático. Eu arriscaria afirmar que morar é muito pouco cálculo matemático.  


A partir dessa procura, percebi que compartilhar uma história triste é também dar testemunho de UM AMOR QUE REALMENTE EXISTIU. Histórias tristes carregam um pedaço de algo humano que de tão insuportável a perda, quer se fazer eterna pela linguagem, pela memória. 


Na foto, houve amor pela ideia de ter finalmente um lar. A menina da periferia de São Paulo que viu os pais morarem de favor na infância, sorria na foto.  Havia ali a  felicidade de ser fotografada enquanto tomava drinks com as amigas na piscina do condomínio. 


É triste e lindo lembrar que pude viver isso. É também muito bom saber que a piscina se foi, as amigas e amigos continuam e eu, que quase me perdi junto com o imóvel, também estou aqui. Escrevendo isso.


E pronta para nadar na piscina alheia! 😎

domingo, 15 de janeiro de 2023

Eu preciso provar que existir no meu corpo pode ser uma experiência humana válida.

Outro dia uma amiga me apontou que eu escrevo muito sobre minhas experiências pessoais, que era meu estilo de escrita. 

Realmente, é uma escolha ainda não ter criado personagens que fossem simulações de outras existências. 


Ano passado eu li um texto - não consigo lembrar o título, infelizmente - que trazia que ser negro não era um devir desejado e, por isso mesmo, não era considerado útil o suficiente para ser preservado. Ninguém tem o sonho de um dia ser negro. 


Esses dois pontos a respeito do que é o exercício de escrever e do que seja um devir desejável parece apontar para o que intuitivamente eu tenho necessidade de trazer quando escrevo; dar testemunho de minha existência. 


Por muito tempo, os poemas que eu escrevi não traziam nenhuma menção direta a eu ser uma pessoa com deficiência. E sempre houve grande identificação das pessoas com o que ali estava colocado. Na minha cabeça, era óbvio que todos sabiam que era sobre "ser uma mulher com deficiência". Mas não era. Era sobre sentir. 


Desejar estar na minha pele, fantasiar que a voz que canta em meus escritos é a de tantas outras pessoas com outros corpos é o trabalho de formiga que de algum modo me move. 


Eu existo e eu não sou um monstro ou um anjo, eu sou tão real que poderia ser qualquer um que lê o que eu escrevo.