segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Por uma ética do inacabamento

Por favor amigos, mais radicalismo! Que não só nossas respostas tenham direito ao inacabamento. 
Mas também nossos questionamentos. 
Estou farta desses joguinhos baratos de nossa Acadêmia em que as perguntas só são feitas, quando as respostas já são determinadas. Em que o hermetismo tomou o lugar da reflexão. E em que a carreira tomou o lugar da ética como finalidade de investigação cientifica. 
E olha, um aviso aos doutores em palavras enroladas e atos desnutridos: cuidado, eu sei que você sem esse embrólio palavresco sabe muito pouco.  
Só acreditarei daqui em diante em quem me perguntar algo e realmente esperar o inesperado de minhas respostas. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tempo Líquido

http://tempoliquido.blogspot.com/
"Este blog se pergunta sobre os tempos contemporâneos. Sobre a fluidez da "modernidade líquida". E também, sobre as singularidades do Brasil contemporâneo: tão high-tech, tão arcaico"

Porcolitro

http://oporcolitro.blogspot.com/
"Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras..."

Frases de facebook 2

À espera do meu menino ruivo...

Frases de facebook...

Estou espirituosa hoje: com aquele espírito de porco!!! hihihi!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Folha.com - Blogs - Xico Sá

http://xicosa.folha.blog.uol.com.br/arch2011-12-04_2011-12-10.html#2011_12-07_16_23_14-161644940-0
Uma receita grega para aliviar a barra

A escrita de Xico pode ser sentida - nunca definida - entre o poético, o jornalistico,o "bloguistico" e o tom de uma conversa de mesa de bar com um grande proseador.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Artigo: Violência e cordialidade no Brasil

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Angela Mendes de Almeida

Violência e cordialidade no Brasil

Estudos Sociedade e Agricultura, 9, outubro 1997: 127-136.

Resumo: (Violência e cordialidade no Brasil). O artigo relaciona a violência atual no Brasil com as raízes rurais da civilização brasileira, a partir de um conceito de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Neste sentido a violência seria um elemento intrínseco de cordialidade que caracteriza o brasileiro. Tanto o favorecimento dos amigos quanto a violência contra os outros vêm do coração, fazem parte do homem cordial. Logo, a desigualdade entre os membros está inscrita na cultura nacional, em todos os hábitos corriqueiros que reencarnam a escravidão, atualizando a separação entre os “nossos” e os outros, antes os escravos, hoje os pobres e os marginais.

Palavra-chave: violência; cordialidade; escravidão; desigualdade.

Abstract: (Violence and cordiality in Brazil). This paper associates the current violence in Brazil with the rural roots of brazilian society, drawing on the concepts of Sérgio Buarque de Holanda in Raízes do Brasil. In this regard, violence is seen as an inherent element of the cordiality which distinguishes Brazilians. Both the favours to friends and the violence against others come from the heart; they compose the cordial man. Therefore the inequality between citizens is inscribed in the national culture, in all the trivial practices that revive slavery and reproduce the separation between “us” and the “others”, formerly the slaves, now the poor and marginalized.

Key words: violence; cordiality; slavery; inequality.

Angela Mendes de Almeida é professora da UFRRJ/CPDA

A imprensa tem sido palco constante e ininterrupto de escândalos sensacionalistas. Os casos de corrupção mais freqüentes alternam-se com os de violência, uns e outros cobertos pelo manto da impunidade e acalentados pelo cobertor corrosivo da tolerância. O mês de abril deste ano foi exemplar com as telas televisivas e as manchetes da imprensa escrita invadidas por importantes casos de violência: duas cenas filmadas, nos dois estados mais importantes da Federação, de policiais espancando, humilhando e torturando comunidades de gente pobre; e um acontecimento chocante, o de jovens ricos e bem educados da capital federal, assassinando, por brincadeira e engano, alguém que julgavam um simples mendigo. É de se assinalar que o escândalo não surgiu dos fatos em si, corriqueiros, conhecidos de quase toda a população brasileira e tolerados, quando não aprovados, por boa parte dela. O que chocou foi a cobertura mediática. Que se faça violência, sim, quando ela é “inevitável”, como acha o mais recente Ministro da Justiça do atual governo. Mas que se faça discretamente. O paradoxal desse panorama da sociedade brasileira é que, na mesma semana em que vozes horrorizadas denunciavam esses espetáculos de violência, tanto vindos dos representantes do Estado, quanto de civis bem dotados econômica e socialmente, nessa mesma semana de invectivas horrorizadas sobre “a crueldade do brasileiro”, no programa da TV Globo Você Decide, a grande maioria dos telespectadores optaram por uma solução violente e ilegal: a senhora assaltada, ao invés de chamar a polícia, ou cristãmente perdoar, devia, ela própria, assassinar o menino assaltante.

Muito se tem discutido, desde então, sobre o caráter violento da sociedade brasileira: seriam estes casos, exceções num mar de rosas de gente cordata e pacífica, cordial com os seus semelhantes e amante da paz? Ou, ao contrário, a violência estaria entranhada na sociedade brasileira, para além dessa aparência de eterna alegria e cordialidade?

Há os que relacionam esse desabrochar de violência explícita ao momento neoliberal do henriquismo [1] . E é preciso concordar que o ajoelhar-se diante da atual evolução econômica mundial, que recebeu o pomposo e totalitário nome de “globalização”, ajoelhar este que implica em varrer para fora do pavimento nacional os “marginais”, os “inabsorvíveis”, e os “inempregáveis”, constitui um momento particularmente propício para a liberação dos instintos de violência. Tanto cinismo por parte do poder governamental assinala, para a sociedade, a estrutura “natural” da desigualdade. Assim como no Brasil Colônia e no Império havia os escravos que não eram nada, e como no Brasil República havia os pobres, hoje há os “inabsorvíveis”, destinados a vegetar nas bordas da nação. A desigualdade faz parte da ordem natural das coisas, mormente no Brasil, onde ela é, por assim dizer, mais desigual. É o que se deve depreender dessas falações do governo.

Sem no entanto descordar de que o momento henriquino seja propício ao desabrochar da violência explícita, queremos sugerir um modo de encarar esse processo que vá mais além, mais fundo no nosso passado colonial, que relacione cada momento da nossa atualidade com a totalidade do processo histórico da formação social brasileira.

Na verdade, o que se vê hoje em dia é a atualização de problemáticas apontadas há mais de 60 anos por clássicos da interpretação da identidade nacional e nos remete para o berço da nação, a colonização portuguesa do Brasil, baseada na empresa agroexportadora trabalhada por escravos. A escravidão amamentou e criou o Brasil e ainda não se disse tudo sobre as marcas indeléveis que ela deixou na mentalidade da sociedade.

Como já foi mostrado abundantemente, a grande propriedade agrária, funcionando como uma empresa comercial voltada para a exportação e trabalhada pela mão-de-obra escrava, foi uma opção dos colonizadores portugueses determinada pela situação do mercado mundial e pelas condições da população em Portugal. Opção em grande parte determinada pela necessidade, constituiu solução de êxito para a colonização dos trópicos americanos. No entanto ela veio a condicionar poderosamente o sentido da evolução histórica do Brasil, estruturando a economia local e suas classes sociais [2] .

Antes de avançar para o tópico seguinte é interessante determo-nos nas conseqüências dessa opção. De um lado já foi dito que a colonização portuguesa foi movida pela mentalidade de um tipo de psicologia do aventureiro [3] . Desse tipo, dizia Sérgio Buarque de Holanda, que era movido pelo gosto da aventura, ignorando fronteiras e obstáculos. Audácia, imprevidência, instabilidade, indolência diante do fracasso de uma empreitada eram as suas características. Mais preocupado com o resultado do que com os meios, buscando a prosperidade fácil, seu ideal era colher o fruto sem plantar a árvore (a982: 13-15). Esse tipo de mentalidade colou-se como uma segunda natureza à solução agroexportadora baseada no trabalho escravo. Colher sem plantar, colher facilmente a riqueza através do esforço alheio, eis como começou a atividade produtiva no país.

Por outro lado, a opção pela grande propriedade agroexportadora eliminou o que Buarque de Holanda chamava de “civilização tipicamente agrícola”, ou seja, a pequena propriedade trabalhada essencialmente pela família, na qual os agricultores têm amor à terra natal e preocupam-se com o desenvolvimento das técnicas agrícolas. A civilização que se constituiu no Brasil – que o autor chama de “civilização de raízes rurais” (1982: 18-41) – baseada na grande propriedade agroexportadora, tinha como classes sociais pilares do ponto de vista econômico, de um lado os senhores rurais que não trabalhavam a terra, não a amavam porque ela lhe era dada facilmente e não se preocupavam com as condições tecnológicas de trabalho porque o braço escravo, farto, supria as suas necessidades; e de outro lado os escravos, que produziam a riqueza do país, mas que igualmente não podiam amar a terra, da qual não tinham a propriedade, nem a posse, ou preocupar-se com os avanços tecnológicos. Assim, a terra, base da riqueza produzida, não tinha valor para nenhuma das classes principais com ela envolvidas [4] .

Talvez nem fosse necessário salientar, dada a obviedade, as qualidades relativamente mais democráticas da pequena propriedade familiar em relação à grande propriedade agroexportadora. A solidariedade dos membros da família em torno das condições de trabalho e de produção, o plantio voltado para o consumo das próprias famílias, a vida girando em torno de uma comunidade de famílias de membros relativamente menos desiguais constitui a base para uma sociedade em que as desigualdades existentes não são radicalizadas. Se olharmos, por outro lado, para uma sociedade que se constitui sobre a base da grande propriedade agroexportadora trabalhada pelos escravos, veremos que uma radical diferença entre os homens – os livres e os escravos – inscreveu a desigualdade a ferro e fogo, como uma marca indelével na mentalidade nacional.

A desigualdade, portanto, esteve sempre presente na formação do Brasil. E esteve, em que pese os amolecimentos do nosso sistema escravista, que como dizia Gilberto Freyre, “fazia subir da senzala para o serviço mais íntimo e delicado dos senhores uma série de indivíduos: amas de criar, mucamas, irmãos de criação dos meninos brancos”. Na verdade a flexibilidade do sistema manifesta na “doçura” [5] do senhor pelos escravos negros, particularmente pelas escravas, expressão de que os preconceitos de cor não eram aqui tão arraigados como em outros sistemas escravistas modernos, iludiu e fez crer que o Brasil não era racista. Mais do que isso, essa ilusão serviu para mistificar o profundo sentimento de desigualdade que sempre separou os brasileiros. Não era tanto a cor, porém mais a condição social que separava radicalmente a população nacional. Antes livres e escravos, depois, ricos e pobres; hoje “integráveis” e “Inabsorvíveis”.

O sentimento de desigualdade nasceu, portanto, da escravidão. Independência, abolição da escravidão e República alteraram radicalmente este sentimento? Não, já que apenas o estatuto jurídico do escravo foi mudado. Nu fundo das mentes permaneceu entranhada uma forma de ver as pessoas da nação, uma mentalidade que nunca admitiu que cada homem ou mulher é um indivíduo com direitos iguais aos outros, mesmo sendo negro, pobre e mesmo sendo assaltante e assassino, ao menos antes de ser julgado e condenado. Nenhum desses eventos, que teoricamente fundaram a nação, conformaram um sentimento de solidariedade nacional que unisse todos os seus cidadãos, ao menos no respeito aos direitos humanos, acima das classes sociais, da raça e sobretudo da fortuna. A nação continuou cindida em pedaços, a linha divisória mais profunda separando os ricos dos pobres, hoje marginalizados, “inabsorvíveis” e “inempregáveis”.

A Revolução de 30 iniciou um processo de reversão desse profundo sentimento de desigualdade através de um projeto nacional de modernização. Nos anos 50 até o início da ditadura militar, em 64, esse projeto nacional ganhou cada vez mais colorações que visavam a construção de uma nação cimentada e solidária, com a extensão dos direitos sociais e sobretudo com um projeto de educação pública e gratuita para todos. Foram anos cheios de ideais, em que a modernização e o desenvolvimento econômico eram pensados como um bem para todos os cidadãos nacionais, que salvaria o país de suas mazelas coloniais.

Hoje, pelo contrário, admite-se sem escândalo, conformadamente, com candura mesmo, como uma fatalidade da natureza, que muitos não conseguirão acompanhar esta nova modernização, feita para marginalizar. Vive-se, no Brasil henriquino, sem ideais, a não ser o da “modernização” do aparato do Estado, considerada como uma panacéia, que será aliás obtida pelo passe de mágica do “enxugamento de gorduras”, isto é, pelo corte do número de funcionários e dos zeros de seus salários. Com o aparato de Estado “ágil” o governo poderá oferecer ao capital internacional um país saneado. A miséria re a desigualdade social, a violência, a corrupção e a impunidade, tudo isso são mazelas herdadas de outros governos e contra as quais nada se pode fazer de fundamental, senão geri-las. E geri-las de modo a que sobretudo não caiam na boca da imprensa internacional e das malfazejas ongs.

Dessa forma é compreensível que recentemente Noam Chomsky, em entrevista na TV Cultura, tenha declarado que o escândalo do Brasil não estava na pobreza e sim na riqueza. Os ricos, a classe média e o governo convivem com a miséria e a desigualdade do país como se fosse uma fatalidade natural, um cataclismo contra o qual a mão humana nada pode. Ver crianças dormindo na rua pode despertar nojo, medo ou piedade, mas não provocará o sentimento comum nos que têm solidariedade nacional e acreditam nos direitos humanos, ou seja, a vergonha de si mesmo.

O golpe militar de 1964, é preciso dizer, reinaugurou esta atual era de cinismo e hipocrisia. Começando pelo título que os golpistas deram ao seu movimento o de “revolução”. Reiniciou-se a era das palavras trocadas, dos códigos cifrados. Com o fim dos governos militares o país, no entanto, não se curou ainda desse cinismo, bem pelo contrário, as palavras continuam sendo ditas de forma inconseqüente e incoerente com seu sentido gramatical.Os ideais também continuam em baixa.

Tem-se falado, a propósito da indiferença dos brasileiros face aos problemas da pobreza, da violência e da corrupção, de um egoísmo, de um individualismo. Uma recente pesquisa de jornal verificou que os brasileiros sentem-se individualmente felizes, apesar de todas as mazelas que atingem grande parte da população [6] . Donde proviria esse egoísmo, ou esse individualismo?

Aqui, ainda, a leitura de nossos clássicos que pensaram a identidade nacional a partir da totalidade histórica da nação, ajuda a equacionar as questões. Justamente a existência da grande propriedade agroexportadora baseada no trabalho escravo que revitalizava o princípio da desigualdade, tornava vãs, durante a colônia, as tentativas de associação cooperativa de iguais para empreendimentos empresariais. A propósito do peso que a empresa baseada na desigualdade tinha sobre essas iniciativas solidárias entre iguais, sem estabilidade ou capacidade de resistência, Buarque de Holanda lembra uma distinção, emprestada dos antropólogos, entre, de um lado, cooperação e prestância, e de outro, entre competição e rivalidade. Cooperação e competição implicam em comportamentos orientados por um objetivo material comum, que unem ou desunem indivíduos que se sentem iguais. Já a prestância e a rivalidade geram atitudes que, deixando em segundo plano o objetivo material, visam primordialmente causar benefício ou dano a uma pessoa. Ou seja, ao invés de indivíduos relacionando-se enquanto iguais, o que prevalece são os vínculos de pessoa a pessoa, unindo famílias e facções, rivais de outras tantas famílias e facções, sendo que o seu interior é constituído de uma estrutura hierárquica de pessoas desiguais (1982: 30). Desigualdade entre senhores e escravos, entre ricos e pobres, entre elites e massas, e além disso, desigualdade entre grupos das elites e no interior de cada grupo, enfim, hierarquia. Assim, na formação histórica do Brasil, a relação não se dava entre indivíduos, que se sentiam iguais, senão entre famílias, facções de pessoas, sempre enfeudadas a outras pessoas, hierarquicamente organizadas.

Eis porque indiferença, hoje, de parte da população pela miséria da outra parte pode ser chamada, com mais propriedade, de egoísmo, e não de individualismo. Está contida nessa indiferença, como seu componente intrínseco, o sentimento de que aquele que sofre na miséria não faz parte da mesma comunidade nacional que aquele que o olha com desdém.

O sentimento de igualdade entre os homens na esfera de um Estado nacional é um poderoso fermento que une a população, para além das divergências políticas e das diferenças sociais. No limiar das revoluções burguesas na Europa e da Guerra da Independência americana, o que se colocava para os revolucionários era justamente isso. A igualdade e a liberdade apregoadas tinham por trás uma ficção de efeitos duradouros: a idéia de que o indivíduo nasce só e igual aos outros, e a de que a submissão a um poder político só se dá depois, através de um contrato social. E esse contrato social é realizado entre indivíduos, entre iguais. Tratava-se de terminar com as dependências das pessoas subalternas a outras pessoas hierarquicamente superiores na escala social, o poder organizando-se em relação aos indivíduos iguais perante a lei, e não mais em relação às pessoas no topo de facções hierarquizadas (Dumont, 1985). É claro que tratou-se sempre de uma igualdade ideal entre indivíduos. Mas essa idealidade tinha e tem seu papel ideológico profundo nas sociedades de indivíduos: os homens sentem-se iguais perante a lei e as instituições jurídicas dão conta disso. Da mesma forma pela qual os homens interiorizam as relações mercantis, as leis do mercado que produzem a desigualdade econômica, considerando-se naturais, eles também interiorizam a igualdade, que torna-se assim uma força material (Mandel, 1974: 10).

Porque predominaram, na formação histórica do Brasil, as relações entre famílias e facções rivais, Buarque de Holanda irá dizer que toda a vida social da Colônia foi permeada por “sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família” (1982: 49-50). É o peso do senhor rural, chefe da empresa agroexportadora, proprietário e pater familias, senhor absoluto dos membros da família biológica e dos escravos da senzala e da casa grande, compadre dos agregados que dependem de seu favor para sobreviver da terra ou de pequenos ofícios [7] . Esta característica reforça a marca da desigualdade no seio dessa família, bem como na sociedade em geral [8] .

É por isso que, mais adiante Buarque de Holanda define o brasileiro como um “homem cordial” (1982: 107-109). Definição que deu margem a alguns mal-entendidos, ela expressa, entretanto, se compreendida com perspicácia, o essencial do brasileiro, encaixando a sua violência. Senão vejamos: o homem cordial é aquele que age com o coração, sede das paixões e dos sentimentos bons e ruins, cujos comportamentos visam, não o objetivo material, mas sim o dano ou o benefício a uma determinada pessoa. O homem cordial é o contrário do homem polido, que foi treinado no ritualismo da civilidade cujas paixões foram civilizadas no limiar da passagem do Antigo Regime para modernidade burguesa [9] . E é isso que não aconteceu, de modo geral, na vida social brasileira.

Dessa forma, o homem brasileiro pode ser cordial, e por isso mesmo violento. Violento porque faz prevalecer seus sentimentos sobre a aplicação pública da lei. E cordato com a violência, desde que ela não atinja sua família e seus amigos. A violência, contra outros que não os seus, pode ser tolerada porque está inscrita no comportamento social nacional, que é apaixonado. Nada disso o impede de ser generoso com os seus e sorridente para a vida.

Mesmo porque, o que é a lei, o que é a justiça? A lei é para os outros, para os que não são da sua família, ou das famílias das suas relações. No tempo da Primeira República dizia-se abertamente: “aos amigos se faz justiça, aos inimigos se aplica a lei” [10] . A frase, aparentemente paradoxal, era uma senha para as elites. Mas o paradoxo gramatical pode ser muito bem explicado: a lei, dura, só valia para os inimigos, para as famílias e facções rivais, e sobretudo para os pobres, “sem-família”. Portanto não era para ser cumprida por todos, que, óbvio, não eram iguais. Daí o gosto reforçado por toda sorte de casuísmos, por leis elásticas e adaptáveis. Já a justiça é magnânima: ela não é cega, “sabe com que está falando” [11] , mesmo vendada enxerga muito bem quem são os “amigos”do poder, quem são os outros, inclusive a massa ignara. Por isso a justiça é condescendente com os crimes, frutos de paixão ou ódio vindo do fundo do coração e considera que o transtorno pelo malfeito, a prisão e o julgamento, já são suficiente castigo para alguém com “bons antecedentes”, mormente com diploma universitário, que por isso mesmo tem direito a essa espantosa e extraordinária instituição chamada “prisão especial”.

Desse modo combinam-se uma extrema, porém atilada tolerância para com o crime, aprovando a crueldade ilegal, uma cordialidade sorridente e a irrupção da violência gratuita. Em tudo isso, tanto no aspecto generoso da cordialidade, quanto no cruel, está inscrito o profundo sentimento de desigualdade que separa hierarquicamente as pessoas da nação.



Referências bibliográficas

BUARQUE DE HOLANDA, Sergio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1982.

DA MATTA, Roberto. Você sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil. In: Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

DUMONT, Louis. O individualismo – Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.

ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Lisboa: Estampa, 1987.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador – Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

FREIRE COSTA, Jurandir. A inocente face do terror, Jornal do Brasil (22/4/97).

FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: Schimidt, 1936.

JANINE RIBEIRO, Renato. A busca suicida do bem pessoal, Folha de S. Paulo (25/5/97).

MANDEL, Ernest. Classes sociales et crise politique en Amérique Latine, Critiques de l’Économie Politique, Paris, n. 16/17, 1974.

MENDES DE ALMEIDA, Angela. Cidadania feminina, família patriarcal e violência doméstica, Presença, Rio de Janeiro, n. 8, 1986.

MENDES DE ALMEIDA, Angela. Notas de leitura sobre uma visão histórica do campo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 40, 1996.

NUNES LEAL, Victor. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.

PRADO JR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1976.



Notas

[1] E pode se citar, em especial, o artigo de Jurandir Freire Costa (1997).

[2] Ver Caio Prado Jr. (1976: 19-32), obra que serviu de base para uma ampla gama de outros trabalhos históricos.

[3] Como de resto, todos os colonizadores americanos, exceção feita às famílias inteiras, que perseguidas por motivos religiosos, buscaram refúgio nas colônias de Maryland, Virginia e Carolina, nos Estados Unidos. Esta colonização teria sido movida pelo tipo psicológico do “trabalhador”.

[4] Sobre os desdobramentos teóricos dessa distinção, ver Angela Mendes de Almeida (1996: 13-29).

[5] A expressão é de Freyre (1936: 262).

[6] Ver resultados da pesquisa em artigo de Renato Janine Ribeiro (1997).

[7] É por isso que Buarque de Holanda reforça tratar-se de uma família cujo modelo ancestral é o da Antiguidade, quando a origem da palavra - famulus, ou seja, escravo - indicava o seu caráter.

[8] E além disso incentiva a violência familiar, sobretudo contra mulher. Ver, a esse respeito, Angela Mendes de Almeida (1986: 108-113).

[9] Ver, a esse respeito, Norbert Elias (1987 e 1990).

[10] Victor Nunes Leal desenvolveu esta questão, sobretudo no 1° capítulo (1975).

[11] Ver Roberto Da Malta (1983), que problematizou teoricamente esta frase, tão banal entre nós.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Infidelidades

Oi.

Oi...

Bem, estou aqui. E hoje serei só sua.

Será?

Como assim? Você dúvida?!

Hum.

Vai dar tudo certo desta vez. Até porque não há mais prazo, né?

Não.

E os outros?

Quê outros?

Você sabe do que eu estou falando!

Bem, você sabe, acontece. Quando eu vejo, já foi. Mas dessa vez não deixarei acontecer.

Sei...

Quer ver?

Então tá. Quero.

Olha só, já estou começando.

Hum.

Meia hora depois, eis que o trato é rompido.Yara languidamente lê textos do facebook ao invés de reescrever o seu projeto de mestrado.

Pobre projeto... 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vampirismos cotidianos

[…] Um dia… Desculpe-me, não viso a efeitos de ficcionista, infletindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água- limpíssima, à dispersão da luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto?  palpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era – o transparente contemplador?… Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.

Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exercitara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!

 

(O Espelho – livro Primeiras Histórias – Guimaraes Rosa)

 

 

 

As palavras não existem antes que as declaremos. Os pensamentos só se organizam, só se materializam, quando convocados pela urgência de sua realização. Eu posso pensar diversas coisas, mas o texto, em sangue e ossos, em suas deliciosas e dolorosas escolhas, tons e referências, não existirá até que eu o constitua em uma enunciação, palavra falada, palavra escrita, palavra parida. Por mais que eu treine, ou que planeje, ao final de tudo, não há como fugir do pungente caráter de  estréia de toda enunciação. Ao que alguém me pergunte algo, eu só terei conhecimento das palavras e da ordem escolhidas, dos gestos e do tom empregados no instante da frase verbalizada.   Aos que por aqui tropeçarem não se iludam. Quem me contou tudo isso foi Merleau-Ponty  pelas palavras da professora Norma Discini, em uma de minhas aulas Semiótica no Limiar. E é, pois, com base na provocação deixada, que inicio aqui o espetáculo: às cegas, sem saber por onde começar. Uma promessa de “inacabamento”, tal qual a autora.

Eu realmente tenho grande dificuldade em começar alguns textos. Devo confessar este que ensaio agora é um desses “alguns textos”. Talvez porque o gesto em mim com enorme ambição: a de finalmente rebentar lacunas e expurgos que carrego nas vísceras e aos quais, óbvio, protelo. Há muito.

Desde o inicio de meus estudos em Letras acompanha-me a predileção pela temática do erotismo e da pornografia, no caso, na literatura. Muito provavelmente pelo prazer em chocar aos que na maioria têm em mim um éthos de pureza, inocência e assexualidade. Uma semente de impulsos transgressores que em silêncio carrego em resposta e resistência há uma sociedade  a qual desde cedo amordaça corpos com deficiência física à infantilidade, debilidade e esterilidade. O assunto aqui será sobre corpo e deficiência física.

 Doces manifestações paternalistas é o que protege a nós pessoas com deficiência de uma câmara de gás e  que encobre a culpa dos que em nosso redor fingem não nos flertar sob uma etiquetada inferioridade. Mas não é a toa que qualifico em “doces” o modo como somos acolhidos socialmente. São doces, pois não há como não confessar o quanto é atraente ser a todo tempo resguardada. Todos a todo tempo a olharem-te comovidos pelo “não- ser” que carregas na pele e na alma. Pela não-carne que carregas na carne. Pelo desossado que se ergue de nossos ossos. Ser frágil é realmente  terno. É a dádiva de em se ver diante de uma dificuldade, saber poder recorrer a ajuda de alguém. É também saber que se a dificuldade não existe, ainda assim haver alguém a te auxiliar. É saber que sempre haverá alguém que fará o necessário por ti. Com o tempo, é acabar por perder a linha divisória entre uma situação e outra, entre a necessidade e a imobilidade. Não defendo aqui que as pessoas parem de amparar a pessoas com deficiência. Longe disso. Deixo apenas  uma  constatação de algo que dorme quietinho,em segredo, nesse mundo secreto que só quem pertence a ele sabe como funciona. 

 Eu ando pelas ruas e as pessoas sorriem  para mim. Algumas até mesmo vêm a mim, me abordam diretamente, a fim de me salvarem de minha “doença”. Afinal, se Jesus curou aos cegos e leprosos, porque não a mim? Outros se  sentem­ a vontade para iniciar conversa, fazer confidências. A uma maioria, eu mal preciso abrir  a boca e para ser uma “vencedora”. Para ser já a priori alguém digno de admiração. Já pressuposta como  “um exemplo de vida”. A atribuição de uma completude interna para compensar a indisfarçável incompletude externa. Santificada, imaculada, salve e salve! Doce, muito doce é a ilusão de que seria redimida de minha condição humana só por ter uma deficiência física... Em meio a tanta ajuda e “bajulação” acomodar-se em rótulos é um perigo a espreita. Afinal, diz o ditado popular, tudo tem seu preço. E em tal contexto, há os que o pagam. Há os que só aceitam as benesses e crêem poder rejeitar os efeitos colaterais. Sempre pergunto­-me: e eu, onde estaria? Atualmente, provavelmente  dentro do “Espelho” de Guimaraes em que um de um momento a outro o protagonista se vê a perder o seu reflexo do espelho.

Michael Bakhtin contou a mim, em O autor e o herói ,algo muito revelador. Somos seres cujo olhar é “para fora”. Isso quer dizer que somente  o outro tem a imagem de nosso corpo enquanto acabamento, enquanto corpo. Mesmo quando alguém se olha em um espelho, o que vê não é o seu corpo: é apenas uma perspectiva incompleta dele. O espelho não é capaz de revelar gestos, nem proporções. Ele não nos fornece toda a carga cultural de uma avaliação sobre o que somos. O espelho não classifica. Não é ele quem revela nosso corpo. Apenas o Outro é capaz de fazê-lo. Somente o Outro nos dá um acabamento. E ainda sim, um acabamento transitório, diga-se de passagem. Por isso, somente somos em Sermos Dois. E assim o mestre russo ensinou-me algumas coisas. A primeira é a de que há mais gente sem reflexo no espelho do que imagina minha vã filosofia. E a segunda, é a de que somente na literatura há seres acabados. Nunca somos. O destino do homem é o do estar. Ser, ser algo para sempre, é uma das mais cruéis ideologias que ainda perpetua em nosso tempo.  Talvez, isso proponho eu, as fases da vida que se materializam em nosso corpo sejam a melhor metáfora do que realmente nos faz humanos:  não-sermos. Os dias passam e não percebemos as mudanças. Com o tempo, porém, elas se manifestam em realce. E após algum tempo, não mais é possível afirmar que somos o que éramos.  O texto também afirma que a idéia que temos de corpo tende mais a generalizações do que a diversificações. O corpo institucionalizado é o corpo generalizado.

[...] o aspecto físico deve englobar-conter e acabar o todo da alma – o todo da alma – o todo da postura emotivo-volitiva só a assume para outrem; para mim, é-me impossível sentir-se englobado e expresso pelo aspecto físico, e minhas reações emotivo-volitivas não se alojam numa imagem concluída de mim. [...].  É nesse sentido que o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, da sua visão e de sua memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência se o outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem exterior pela primeira vez num novo plano de existência... (Grifos meus) 

 

Quem sabe essa nossa “atenção” ao corpo iniciada no século XIX, com a instituição de diversos cuidados médicos e novos cuidados e que chega ao ápice com a veiculação desenfreada de corpos impossíveis redesenhados a photoshop e em performances cada vez mais padronizadas como as que encontramos em nossos vídeos pornográficos não seja exatamente a morte do corpo? Após a diminuição da importância da alma com o questionamento dos dogmas do cristinianismo, o corpo enquanto separação do intelecto parece permanecer. A partir disso, eu me pergunto se a padronização de corpos a qual vivemos nas últimas décadas e a higienização de seus defeitos e de seus humanos afetos não seriam uma nova face da negação do corpo, ao contrário do que se acredita? Se não seria a super exposição e preocupação com o corpo apenas uma repetição alienada tal qual uma pulsão de morte? Deleuze ao analisar 120 Dias de Sodoma  afirma que os escritos de Sade não são exemplos de Erotismo, mas exatamente de seu contrário: da “morte do erótico”. Morte essa  que acontece quando levamos institucionalização do prazer as últimas conseqüências Levada ao seu máximo grau, o exercício extremo  do poder teria por resultado Sodoma. Conclui-se daí que ao eliminarmos o Outro, eliminaríamos a própria possibilidade de prazer. Somente pelo Outro o Corpo existe. O Corpo humano, com defeitos humanos, atribuído de memória, preenchido de história, o corpo carregado de vida e de morte, pressupõe o Outro.

O que recortarei aqui, contudo, é o ponto de que somente somos no Outro e pelo Outro. É ele inclusive quem nos delineia a beleza e a feiúra, o certo e o errado, o legitimo e o não legítimo. É ao Outro quem nos comparamos. É na busca que realizamos no Outro que nos acharmos. A pergunta de cunho pessoal que me arrebatou nas reflexões sobre corpo que exercito nos últimos meses é a de que como eu poderia fazer comparações se em ninguém posso me reconhecer. A quem me confrontar se em nenhum lugar vejo pessoas como eu? 

A pergunta, porém, que me lançou a escrever aqui foi uma bem mais refinada: e se eu não somente não consiga ver a imagem no espelho, mas  simplesmente não a queira ver?

Merleau-Ponty contou-me ainda um outro ponto. O autor em seu estudo Fenomenologia da percepção, capitulo sobre o corpo, ao analisar os doentes de Schn. os quais perderam a capacidade de ter relações sexuais, bem como, não por acaso, de manter qualquer afeto, afirma:

 

[...] Se a história sexual de um homem oferece a chave de sua vida, é por que na sexualidade do homem projeta-se sua maneira de ser a respeito do mundo...

 

E mais a frente:

[...] a percepção erótica não é uma cogitatio que visa um cogitatum; através de um corpo, ela visa um outro corpo, ela se faz no mundo e não em uma consciência. [...] (Grifos meus)

 

Poderia escrever sobre muitas coisas aqui somente com base em Bakhtin e Merleau-Ponty. Coisas tristes, com certeza. Se pensarmos que o erotismo de nossa época sob a lógica dos autores,  constataríamos que ela longe de ser “liberal” e diversificada é na realidade uma máquina de domesticar tanto a figura feminina e menos óbvio, também a masculina. Se eu apago o Outro, apago-me conseqüentemente.  A mim, contudo, os autores revelaram-me mais: que talvez a minha inquietação em não ver-me seja uma incapacidade de me representar fora dos quatro atributos acima descritos: infantilidade, debilidade, esterilidade e assexualidade. 

Uma constatação, porém, pode ser afirmada: apesar da ilusão que os padrões de beleza e acabamento nos vendem – ser belo, ser bem-sucedido, ser famoso – nenhum deles obtiveram sucesso em nos livrar do que tanto aprendemos a temer: a nossa condição de humanos. Continuaremos a sofrer por amor e sim, a sermos amados! A ter conflitos familiares, a nos sentirmos inseguros. A sentir dor e a ser acometidos pela morte e pelos desastres. Acredito que essa constatação é a mais triste e a mais bela que carregamos em nossos corpos. Ou melhor, em nós. 

Filhadaputamente deixo aqui o texto sem conclusão posto que ela ainda não existe. Afinal encarnada, penso com as palavras e somente por elas. Que aguentem então esses fragmentos de idéias enquanto a gestação não cessa.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A amante exigente

Quero tudo.
É direito meu.
Sem essa de você não respeita a minha individualidade!
Quero seus lábios e seus bagos
e também
a  dor estuporada de seus sonhos
O impreciso furioso de seus olhos
As lâminas frias
ardidas
de suas Palavras
a empalar-me a carne
Sem essa de eufemismos
tranquilismos
Pode vir
Sem piedade
Anda!
Rasgue-me de uma vez por todas!
(toda vez)
Cruelmente!
Desosse-me se assim for ...
Preciso
(e se não for também)
Eu preciso...
Sem demora
Estrangule-me logo essas certezas!
Entenda
Eu quero
a sua paz
e o seu desespero
Quero que aprenda
a não ser o bastante.
Que sinta culpa
mesmo
Pelos os poemas que ainda me deve a escrita
e pelos livros que ainda me deve a leitura
Que na hora exata,
irritantemente,
apenas insinue
aquelas palavras incertas
E no momento impreciso
jogue-me na cara
impertinentes intimidades.
Espero que
pelo menos
consiga ser rude o suficiente
E  como regalo de amor
rezarei
todos os dias
para que sejas fênix
com toda dor de ser fênix
Morrer
em ardor e desalento
Pois só há beleza
aos  que entrelaçado às fibras,
carne e mente
carnadura,
carreguem a cicatriz
de a cada pôr do sol
todos os dias virar pó
e mesmo sabendo dos flagelos que o próximo anoitecer lhes promete
não nos prive,
querido,
do  desnascer de cada dia..

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Até que ponto?


Ao reler o post “Se você for tentar, vá até o fim”, e um outro do site O individuo sob o título de “Chantagem Emocional”,  deparei-me com a seguinte questão : Até que ponto temos o poder de jogar tudo para o alto? Até que ponto é uma questão de coragem?

Os textos em questão não servem de contraponto ao que vou levantar aqui, porém serviram de inspiração a esses tão disformes questionamentos clichês. Há algum tempo um capetinha/anjinho sopra em meus ouvidos: Jogue tudo para o alto! Fiz uma frustrada tentativa com o emprego. Concretizei mesmo com o namoro. Ensaiei com uma das amizades (que talvez a mim já esteja realizada).  Tímido perto do que em mim se agita.

O que se passa é que eu sou dois. Sou muitas, mas o que quero dizer é que há um serzinho sob a minha completa responsabilidade. E aí entra o texto do Biasi. Nós somos responsáveis pelo amor dos outros. Não adianta vir com o papinho “se não estou feliz, então, não posso arcar com a infelicidade alheia”. Às vezes temos de fazer coisas chatas para preservação de uma relação, ou projeto valioso. Sacrifício, ofício sacro na gênese da palavra,  é o que mesmo chato, ou dolorido ainda sim se justifica por carregar um sentido. Por isso na história do homem foi atribuído a rituais necessários à obtenção de uma graça desejada. Nesse sentido, se amo, sacrifico-me pelo bem estar do ser amado. É diverso do sofrimento o qual se resume a uma vivência disfórica e sem sentido. Também difere de uma relação de servidão. Na servidão temos a realização de ações que o outro não necessita, mas que faço por obediência, autoflagelo, sentir-se bondosa, etc. A partir dessa definição (definições minhas, deixo declarado), limpar vômito de uma criança doente, por exemplo, não seria servidão, mas sacrifício. Se a criança crescer e se continuar a realizar atos os quais ele mesmo é capaz de fazê-lo, então teremos uma relação de servidão, ou, em outras palavras, paternalista.  Por essa lógica, eu estaria a abrir mão da escolha de opções mais ousadas em prol do bem estar de meu pequeno. Uma escolha ética. Agir dessa maneira é a escolha de não ser demagoga com minhas reflexões morais, além de sentimentalmente não optar  por uma postura de insensibilidade com quem tanto amo.   E aí, sempre vejo-me em um dilema: até que ponto tenho poder sobre minhas escolhas? Até que ponto sou socialmente podada de uma escolha? Ou até onde não a faço por medos meus justificados pela existência de meu filho? Quais os limites entre a prudência, a coação e o temor? 

Por esses dias uma pessoa que conversava se vangloriava por trabalhar muito e “dar conta” dos estudos em um ritmo enlouquecedor. A justificativa foi a de: “ao menos tenho como por comida na mesa”. Ao ouvir isso, veio-me um sentimento de ceticismo absurdo. Pensei: “como assim colocar comida na mesa se a pessoa nem sequer sustenta uma família? Vive a gastar com tudo e depois a varar noites sem dormir para pagar a saúde perdida!” É obvio que como diria a música de Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. A pessoa em questão é consumista, contudo também ajuda a família. O que me interessa aqui é o discurso do “tenho que trabalhar dentro desses moldes senão sou imprudente, ou louca”. O quanto realmente nos coloca em perigo jogar tudo para o alto? Qual é o preço em se manter, ou se dispensar uma tarefa? Até que ponto parte de uma reflexão moral? E não apenas. Até que ponto nós temos o poder da escolha?

Vivemos, nós ocidentais de classe média,  sob a normatização do medo de perder o emprego. E por isso não mais greves são realizadas. Também em decorrência disso, funcionários acumulam tarefas sem o devido reajuste salarial. Trabalham horas e horas a mais sem cobrar. Fazem tarefas repetitivas e extremamente burocráticas sem perplexidade, ou espanto. O que eu acredito é que esse medo não se justifica na realidade. As empresas gastam muito dinheiro para contratarem funcionários novos. Não desejariam serem maciçamente processadas por leis trabalhistas.  Também se reorganizariam melhor se ao invés de se separar “tarefas operacionais” e “tarefas estratégicas” o fizessem de forma mais diluída entre seus empregados.  Ninguém quer fazer “a parte chata”. E os que são a ela designados, o fazem por acreditarem na normalidade de tal divisão. E claro, pelo medo de perderem seus empregos. Uma neurose social. Todavia, apesar desse medo, as pessoas se endividam. Há situações que não há como ser de outra forma. Se alguém almeja comprar algo como uma casa, ou um carro, terá de se endividar, pois são objetos de valor alto. Mas a contradição está no que em que “se endividar” vai para além disso. Endividamo-nos sem qualquer reflexão sobre como tais gastos nos amarram a certas escolhas. É esse ponto o que passei a me questionar ao ouvir o discurso do “trabalho para por a mesa”.  

 

Acredito que devemos estar atentos em separar o que é uma obrigação social ideologizada, o que é simples justificativa para nossas irresponsabilidades, ou medos. E, principalmente, que pessoas essa escolha envolve. Qual a relação ética que implicará a nossa posição.  Nisso reside uma complexidade. Camadas sobrepostas. Em certos momentos temos o social que nos coage para realização de uma tarefa. Apesar disso, burlar seria uma irresponsabilidade com valores eticamente adotados. Valores de responsabilidade amorosa, por exemplo.

De qualquer modo, não posso esconder duas coisas: o desejo em mudar assim que possível para uma situação radicalmente diversa da atual. E a de que concordo com o texto de K., o qual afirma que “se for jogar”, que seja até o fim.

Onde estará o momento do “assim que possível”? Eis a questão. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Chantagem Emocional

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Um texto muito interessante de Sergio de Biase e que coloca em palavras muitas das coisas que acredito e não sabia escrever sobre.


Chantagem Emocional
June 28th, 2011 by Sergio de Biasi
Sue : I suppose you don’t have any shrinks at Walkabout Creek.
Michael : No, back there if you got a problem you tell Wally. And he tells everyone in town, brings it out in the open, no more problem.

Entre os diversos experimentos altamente perturbadores sobre comportamento social que eu conheço em psicologia estão os que seguem a linha de pesquisa inicialmente explorada por Milgram na década de 60. Para quem não conhece, vale a pena ler uma descrição mais detalhada. Mas em resumo, o resultado é na direção de concluir que o ser humano médio está preparado para sem qualquer coação e sem qualquer remorso praticar os atos mais cruéis e desprezíveis desde que acredite estar seguindo intruções diretas de uma figura de autoridade.

As conseqüências para política, religião, educação, e na verdade em praticamente todas as esferas da existência humana são gigantescas.

Mas eu quero aqui me concentrar em discutir um contexto específico em que esse fenômeno se manifesta de forma a meu ver particularmente perversa, que é o do tratamento psicanalítico (e similares).

Quando um indivíduo decide buscar um terapeuta para discutir suas questões psicológicas, suas angústias existenciais, suas neuroses, seus problemas emocionais, ele se coloca em uma posição bastante vulnerável. Note-se, mesmo sem questionarmos a validade científica ou médica de psicanálise e similares, a maior parte dos pacientes se vê na mesma situação na qual nos descobrimos quando levamos o carro a um mecânico sem termos qualquer noção de como um carro funciona por dentro – que é de que em algum momento somos confrontados com ter que escolher confiar que o mecânico sabe o que está fazendo. Claro, não tomamos essa decisão cegamente – mas quase sempre também não a tomamos com base em conhecimento profundo do assunto. Usamos critérios basicamente circunstanciais para fazê-lo, usamos aparências e inferências para escolher ou não aceitar o terapeuta como uma figura legítima de autoridade sobre certos aspectos da mente humana e sobre os caminhos apropriados para atingirmos saúde mental e emocional.

A questão porém já começa do fato de que definir saúde mental e emocional é altamente problemático. Será que um psicopata perfeitamente feliz e realizado com seu comportamento deve ser classificado como num estado psiquiatricamente patológico? Ou simplesmente como um perigo objetivo aos outros? Será que alguém que decida permanecer com seu cônjuge alcoólatra devido a sentimentos de amor e fidelidade deve ser classificado como autodestrutivo e masoquista? Ou pelo contrário, como idealista e nobre? E se o cônjuge não for alcoólatra mas sofrer um acidente de carro e ficar paraplégico? Alguém que escolha voluntariamente e sem qualquer coação ficar e passar uma vida inequivocamente infeliz ao lado do cônjuge deve ser classificado como emocionalmente perturbado? E se a pessoa estiver *feliz* com essa escolha, deve então ser classificada como delirante? Alguém que *condene* essa escolha deve ser aplaudido, desprezado, ou simplesmente respeitado? Alguém que anseie ser capaz de tais atos de desprendimento deve ser considerado nobre, ingênuo, doente, ou simplesmente portador de uma personalidade?

Espero que com esses poucos exemplos – seria muito fácil construir mais – esteja claro que “saúde mental” dificilmente pode ser reduzido a “felicidade pessoal” sem esbarramos em sérios problemas.

Infelizmente, porém, existe modernamente uma tendência bastante forte de encarar saúde mental exatamente desta forma, isto é – se o sujeito é capaz de funcionar socialmente, e está feliz com seus próprios estados mentais, então como regra geral está tudo bem. Ao diagnosticar grande parte dos distúrbios emocionais e de comportamento como patológicos ou não, grande atenção é dada a como tais comportamento e estados mentais de fato afetam o bem estar – objetivo e/ou percebido – do paciente, e quaisquer determinações de patologia são em grande parte assim relativizadas. Então se eu sinto uma necessidade incontornável de lavar as mãos 10 vezes antes de sair de casa enquanto canto “parabéns pra você” mas estou perfeitamente feliz com isso e isso não prejudica em nada a minha rotina, então boa sorte para mim. Por outro lado se eu me sinto compelido a executar exatamente o mesmo ritual mas isso me causa imensa angústia e perturba minha capacidade de chegar nos meus compromissos a tempo e eu não sei administrar essa idiosincrasia como parte de uma rotina funcional, então eu tenho um problema.

Isso tudo parece muito razoável e flexível e coisa e tal e inclusive foram considerações como essas – em grande medida substituindo o temível e opressivo critério de “normalidade” – que levaram ao questionamento e eventual – bem vindo – repúdio da classificação de diversos comportamentos estatisticamente desviantes – por exemplo homossexualidade – como sendo supostamente merecedores de um diagnóstico patológico para o qual devemos desenvolver um “tratamento”. Afinal de contas, ter um QI de 140 ou ser capaz de compor sinfonias é muito mais raro do que ter tendências homossexuais e ninguém vê necessidade de encontrar “curas” para isso.

Esse paradigma porém, útil e benéfico que seja para questionar a perversa identificação entre desvio e patologia, esbarra em sérias limitações quando buscamos usá-lo como único critério para diagnóstico e tratamento. Revisitemos variações dos exemplos acima apresentados. Suponhamos que alguém procure um terapeuta e diga “Meu cônjuge sofreu um acidente de automóvel e ficou paralítico e desde então eu tenho estado muito infeliz. Essa relação não tem mais como satisfazer profundas aspirações que eu tenho para o resto da minha vida e eu não quero permanecer nela. Porém eu me sinto profundamente comprometido em ficar, me parece uma traição inaceitável simplesmente ir embora. Que devo fazer?”

Naturalmente que a maioria absoluta dos terapeutas não responderá com sugestões assertivas sobre qual caminho seguir. Ao invés disso, buscará “auxiliar” o paciente no processo de autoinvestigação de suas possibilidades, de seus desejos, de seus motivos, de suas necessidades, etc. E a expectativa – ou pelo menos o objetivo – é de que o paciente se tornará então progressivamente mais capaz de tomar por si mesmo decisões progressivamente mais centradas e mais coerentes tanto com realidades externas como internas, sejam quais forem. Parece bastante razoável.

Só que em primeiro lugar, é uma ficção total esperar ou mesmo sugerir que o terapeuta não tenha, sim, uma – forte – opinião sobre o que o paciente deveria fazer, e é uma ficção em cima dessa ficção achar que seja possível esconder essa opinião. Aliás, muito pelo contrário – ao buscar reprimir ou ocultar sua própria opinião sobre o que o paciente deveria fazer, o terapeuta passará a expressar seus sentimentos e julgamentos sobre o assunto de forma subliminar e o resultado será um “diálogo” manipulativo e farsesco, no qual os – indeléveis e indisfarçáveis – estados mentais do terapeuta permanecerão ostensivamente presentes como subtexto que contorna o senso crítico sem que jamais o paciente tenha uma oportunidade honesta de desafiá-los abertamente. Inclusive na maior parte das vezes o paciente, em busca da aprovação do terapeuta, articulará tais idéias jamais verbalizadas pelo terapeuta como sendo suas próprias, grande parte das vezes acreditando sinceramente que o sejam.

Por um lado, de fato esse fenômeno pode ser usado como “ferramenta terapêutica” para induzir pacientes a questionarem posições e estados mentais que jamais questionariam diante de um ataque direto, e a considerar idéias que parecem ameaçadores demais se apresentadas explicitamente. Por outro lado, quando induzimos qualquer um a desligar seu senso crítico e criamos uma situação na qual previsivelmente a busca de aprovação tornará o paciente vulnerável a dizer basicamente qualquer coisa, a autenticidade do processo como jornada de auto-descoberta se torna altamente questionável, e a distinção de pura e simples lavagem cerebral fica perigosamente nebulosa.

Mais muito pior e mais danoso do que ser uma ficção total que o terapeuta seja neutro é o próprio projeto – falhado que seja – de pretender ser “neutro”. Note-se, ao validar essencialmente *quaisquer* decisões que um paciente tome, desde que sejam “equilibradas”, desde que promovam o “bem-estar” do próprio paciente dentro dos limites do civilizadamente aceitável, estamos basicamente promovendo o mais profundo egoísmo. Sim, egoísmo civilizado e sofisticado e moderníssimo – mas egoísmo assim mesmo. Então se um homem diz “estou infeliz no meu casamento, vou deixar minha mulher e meus dois filhos e recomeçar minha vida sem o fardo de ter essas restrições a minha independência”, se uma filha diz “vou internar minha mãe num asilo porque está muito chato cuidar dela”, se uma esposa diz “meu marido perdeu o emprego e está muito deprimido, isso está muito incômodo, acho que vou dizer que estou saindo de casa”, todas essas proposições partem do princípio geral de que A FELICIDADE DOS OUTROS NÃO É MINHA RESPONSABILIDADE. Aceita-se a premissa de que prejudicar ativamente os outros não é civilizado, mas sair do seu caminho para proteger o bem estar dos outros já é pedir demais. Eles que cuidem de si mesmos. E o terapeuta acaba em muitas circunstâncias provendo precisamente a validação necessária para o paciente, sufocando protestos de sua própria consciência, introjetar essa atitude como saudável e positiva.

Ao que eu afirmo : essa posição é tão cheia de problemas éticos que se precisa de explicação a explicação provavelmente será inútil.

Para começar, genericamente, acreditar seriamente na idéia de que se não é sua culpa então não é seu problema demonstra sério retardamento moral.

Isso já seria perverso como ideologia adotada espontaneamente, mas ao incentivar dentro de uma relação de autoridade a noção de que seria um comportamento saudável e condutor ao equilíbrio emocional desligar-se do sentimento de que somos SIM éticamente responsáveis pela felicidade dos outros, o terapeuta dá permissão ao paciente para desconectar-se de sua humanidade, para caminhar essencialmente em direção à psicopatia, uma permissão que empiricamente – e não só nos experimentos de Milgram, mas em muitíssimo outros contextos, desde nazismo até inquisição – tem um enorme poder de transformar pessoas de outra forma decentes em robôs indiferentes diante das mais impressionantes manifestações de sofrimento humano. Então eu estar mencionando terapeutas aqui é quase acidental; é apenas a forma como isso ocorre em círculos abastados ocidentais pós-modernos. Qualquer figura de autoridade serviria potencialmente para produzir o mesmo efeito; apenas esta é uma que convencionamos aceitar como tal diante da falência da legitimidade de outras.

Agora, o tipo de terapeuta ao qual me refiro não para em advogar, por vezes até mesmo explicitamente, e com literalmente essas palavras, que “a felicidade dos outros não é sua responsabilidade”, como se fosse uma grande e profunda revelação mística. Uma à qual qualquer um vulnerável e confuso e em sofrimento muito facilmente sentirá grande tentação de se agarrar. Afinal, enxergar-se como moralmente implicado no bem estar e na felicidade de outros de fato é uma enorme responsabilidade. Só que a pergunta – originalmente e deliberadamente retórica – “por acaso sou guarda de meu irmão” é já em si mesma um triunfo de desonestidade. O grande alívio produzido por quem venha lhe dizer vindo de uma posição de autoridade que a resposta poderia ser “não, você não é” explora o medo e as fragilidades emocionais de um ser humano em sofrimento da forma mais vil. Essa arquetípica situação nos remete à cena crucial de “A Última Tentação de Cristo” em que ele, pregado na cruz, sofrendo absurdamente, e agonizante, diz “Meu pai, por que me abandonaste?”… para então ver descer do céu um anjo que diz “Você já sofreu o suficiente, já fez o seu trabalho… não precisa seguir adiante, desça da cruz, vai ficar tudo bem…” E Cristo, confuso, em choque, mas imensamente aliviado, desce da cruz e vive uma existência vazia de significado na qual assiste tudo aquilo por que lutou desmoronar em pedaços. E eventualmente, prestes a morrer de velhice, percebe que traiu a si mesmo e à sua consciência, e que o suposto anjo era o demônio (o qual evidentemente é muito mais sedutor vestido de anjo e pregando que ao fazermos o que nós é conveniente estaremos fazendo a coisa certa).

Não, o tipo de terapeuta ao qual me refiro não para em simplesmente promover essa atitude psiquicamente desestruturante na qual pessoas basicamente saudáveis são encorajadas a agirem psicopaticamente, a acreditarem que o mais fácil e conveniente e superficialmente vantajoso para elas mesmas seria o saudável e correto. Não, junto com as idéias fornecem-se alguns mecanismos mentais para justificar e sustentar essa charada, dado que qualquer pessoa normal sente um instintivo desconforto com a idéia de que a felicidade dos outros não seria sua responsabilidade. Buscar “superar” e “desconstruir” e renegar esse desconforto como simplesmente neurótico e pouco saudável é um objetivo perverso que porém infelizmente parece ser um dos grandes triunfos da “modernidade”.

E então como sustentáculo dessa perversidade promovem-se noções como a de que apelar para a empatia, os sentimentos, a humanidade dos outros seria intrinsecamente desonesto e inaceitável. Que seria no pior caso hipócrita e mentiroso, e no melhor caso possível, de extremo mau gosto e manipulativo. Que olhar para alguém e dizer “Mas você não vê o quanto está me magoando?” não só não serviria como argumento como denotaria uma tentativa do interlocutor de usar contra você os seus próprios neuróticos e indesejáveis sentimentos de responsabilidade pela felicidade alheia. “Como você ousa me fazer sentir mal por minhas ações causarem o seu sofrimento?!” O truque de prestidigitação ética é desqualificar automaticamente qualquer apelo à sua consciência como chantagem emocional.

Claro, alguém que de fato invente motivos delirantes para se sentir ofendido ou magoado pelas mais inócuas ações alheias, ou que se coloque deliberadamente em posição autovitimizante imaginada ou real, e então venha tentar usar isso como forma de instigar sentimentos injustos de culpa e responsabilidade nos outros está de fato abusando da compaixão alheia. Mas em muitos outros casos o sofrimento dos outros é real e a responsabilidade não é uma fabricação. Se você encoraja alguém, digamos, a largar seu emprego e se mudar para o Alasca para casar com você e aí quando você chega lá a pessoa diz “Ah, sinto muito, mudei de idéia, a gente se vê por aí, valeu? Vai embora e não enche o saco.”, exclamar diante disso “Peraí, isso não é razoável, você não vê a posição em que está me colocando?” não é uma reação imatura, ou manipulativa, ou inadequada, muito pelo contrário.

Além disso, embora seja perfeitamente legítimo considerarmos nossos próprios interesses como crucialmente importantes, existe aí uma medida e uma escala. Se os seus menores e mais fúteis interesses consistentemente se sobrepõem aos mais profundos e essenciais interesses alheios, sinto informar, mas você é um psicopata. A idéia de que os seus próprios interesses em quaisquer circunstâncias tenham total precedência sobre quaisquer interesses alheios torna qualquer noção de responsabilidade ética risível. Na verdade, diria eu, o fundamento mais essencial de qualquer ética que eu considere não perversa está precisamente no principio de que seu próprio bem estar *não* tem precedência sobre quaisquer outras considerações.

Então por mais que apelos à consciência e à solidariedade e à sua responsabilidade com o bem estar alheio de fato se prestem a farsas e manipulação, querer classificá-los em bloco – especialmente quando você está diretamente implicado – como “chantagem emocional”, isso sim é que é no mínimo hipócrita e no pior caso psicopático. E querer reprimir em si mesmo os próprios sentimentos espontâneos de solidariedade como neuróticos, e comprar a idéia de encarar qualquer tentativa de suscitá-los como manipulativa, tudo isso leva ao mais destrutivo egocentrismo solipsista. O qual, por outro lado, naturalmente, não só não é logicamente incompatível com a felicidade pessoal, mas mesmo que fosse, este seria um argumento meramente utilitário. Então, no final das contas, como sempre, é uma escolha. É uma escolha sobre que tipo de pessoa você quer ser, e que tipo de universo você quer ajudar a construir.

Fonte: http://www.oindividuo.org/2011/06/28/chantagem-emocional/

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Jovem

Caro leitor, meu nome é Yara, tenho 27 anos e sou considerada uma pessoa do grupo dos jovens. Nesses anos de vida e ao menos doze de juventude, nunca: participei de uma Ong ou de algum movimento social. Não acredito em nenhum Deus institucionalizado, não acredito na maternidade - ao menos não nos moldes em que a vivemos, não acredito em relacionamentos monogâmicos, em uma ética pautada pelo trabalho, na Academia, nos sindicatos, em representantes estudantis, na Escola. Não acredito em filmes pornôs, não confio na água que eu bebo, desconfio do ar que respiro, das roupas que visto e do tênis que calço.
Não é bonito o que vou escrever. Mas sou uma jovem como muitas: sem perspectiva. Para não dizer que o conhecimento que obtive em oito anos de bacharelado não me serviu, pois seria mentira, digo que simplesmente me colocaram em uma existência em negativo: uma postura do contra. Contra. Contra a homofobia, contra uma ética da competição, pregada pelo sistema econômico que vivemos, contra o machismo – mesmo o que chamo machismo “moderado”, contra a mediocridade exaltada. E quando escrevo mediocridade, não é algo gratuito. Por isso mesmo, será exatamente o ponto que vou discutir neste texto.
Na falta em se refletir moralmente (eticamente) sobre nossas atitudes, disciplinados a dar a resposta que os pais querem ouvir, a que os professores querem ler, a  que o patrão quer realizada, já prescrita desde muito cedo pela televisão, acostumamo-nos a nos pautar por uma ética da mediocridade. Fulano pergunta a sicrano o que acha sobre homossexualismo. E a resposta medíocre, ali, na manga, é rapidamente utilizada: “sim, mas sem radicalismos”. E as mulheres? Ah, essas podem tudo! Contanto que não exagerem. Contanto que não sejam promiscuas. Trabalhar fora? Lógico! Mas que não se esqueçam de fazer seus afazeres em casa. Que façam sexo, mas o façam sabendo “se dar ao respeito”. Que não deixem de ser mães. Que não deixem de ser malhadas, que não deixem de “se cuidarem”, etc. Um meio-termo: metade do tempo ao trabalho, metade do tempo ao marido e filhos. A prescrição “Dama da sociedade e puta na cama” define bem quais os espaços destinados às mulheres.  
Nunca se valorizou tanto e com tanta veemência o meio-termo. O conservadorismo já não assusta mais. O grande bicho papão comedor de criancinhas do momento é o radicalismo. Assim, as analogias subjacentes à ética mediana prescrevem: ser feminista é radicalismo. Fazer greve? Radicalismo. Não gostar de trabalhar? Radicalismo. Ser atéia é, lógico, radicalismo. Votar nulo: radicalismo. Não consumir carne: radicalismo. Não querer ter filhos: radicalismo. Relacionamento aberto: radicalismo. Não comer açúcar: radicalismo. Encher a cara com os amigos: radicalismo. Não beber bebida alcoólica: radicalismo. A doutrina do meio-termo parece ser a grande ordem do momento. Com ela não mais funcionários fazem greves, mulheres não mais queimam sutiens, jovens não mais fazem poesia. O meio termo salva a todos de ter de pensar. Salva às conversas de happy hour, aos almoços de trabalho, aos casamentos, aos professores, aos pais de seus filhos e aos filhos de seus pais. Não se sabe muito bem o porquê um jovem se diz não preconceituoso e ao mesmo tempo se preocupa tanto em casais homossexuais que queiram se casar.  A pessoa simplesmente não quer ser radical.
Deixemos claro um ponto: não aponto aqui ao respeito em se respeitar a diferença na existência alheia. Essa é uma falsa interpretação utilizada nos mais diversos meios para se defender uma postura de meio-termo.  Aristóteles antes de Cristo defendia uma Doutrina do Meio-termo, só que apoiado em outras concepções. Discutível, mas diversa da que aqui aponto. Tal doutrina previa um afastamento crítico em relação a um sentimento e dessa maneira a realização de análises que levassem em conta dois pontos de vista de uma questão. A melhor posição estaria no meio-termo. Apesar de tal lógica levar em consideração uma relação binária das questões humanas, o que não se verifica na vida, nem mesmo esse tipo de “meio-termo” é o que descrevo aqui. A visão mediana a que vivenciamos não aposta na análise de pontos de vista discordantes. Ela se ancora na sobreposição da opinião de uma “maioria” – maioria não em número, mas em poder – à de minorias que exigem seus direitos. Qualquer progresso adquirido pelos grupos discriminados é considerado radicalismo. Assim, o meio-termo nada mais é do que um discurso que tem como objetivo a conservação de leis, ações e situações de discriminação social a grupos de pessoas socialmente deslegitimados por esse discurso. Seria o discurso da “ vontade da maioria”. Ou seja, o discurso da maioria mais forte sobre o do mais fraco. A prevalência da voz da maioria e o silenciamento da voz das minorias.    
O meio-termo é o verniz que tenta tão somente disfarçar a intolerância e o conservadorismo de nossos jovens e de nossos aspirantes a jovens – porque sim, ultimamente os adultos adolescem. Ele é o discurso que mortifica a reflexão e principalmente o debate. O meio-termo de cada dia tem em seu bojo toda sorte de preconceitos e tentativas de objetualização do outro. A homofobia, um caso em destaque que posso citar, a qual tem simplesmente o pressuposto da inferioridade do outro, é um exemplo disso. Tal ideologia pressupõe um Outro o qual em sua condição de “anormal” deveria disfarçar as manifestações nefastas de sua existência. Ele é também o verniz  que mascara o machismo do jovem que se orgulha em inferiorizar, ridicularizar e humilhar  “a vagabundinha” com quem manteve relações sexuais após uma balada. É o verniz que chama o vegetariano de radical, ao mesmo tempo em que se preocupa tanto em interferir em sua alimentação.     
Não é de hoje que a idéia do meio termo é um modo de exercer livremente a intolerância. O modo como o Brasil obteve sua independência em relação à Portugal já pautava-se por ela. Uma lógica que, espertamente, ao pressentir uma independência feita pelo povo, a fez pelas mãos da elite coronelista do Brasil. A abolição da escravatura a conta gotas não teve outro motivo de retardo que não o discurso do meio-termo. O que acontece, entretanto, é que após a década de 60, mais precisamente do ano de 68, em que essa ideologia foi desconsiderada por um grupo de jovens que questionava as instituições – Estado, Família, Escola, etc -  de maneira incisiva, houve dois movimentos que empurram nossa geração à completa falta de perspectiva em relação à novos ideais políticos e culturais. Em primeiro lugar, o falso pressuposto de que esses jovens que participaram de movimentos libertários de 68 eram uma parcela significativa dentre os jovens daquela época. Passadas três décadas do verão de 68, a idéia que se construiu foi a de uma participação maciça de jovens praticando o amor livre e o questionamento da igreja, do trabalho, do Estado e da família. E com isso, tendo em vista o fracasso da realização das concepções pregadas por essa geração, atribuiu-se tal derrota à própria genealogia desses questionamentos. Porém, nem nunca existiu qualquer participação maciça de jovens em defesa dos questionamentos levantados à época do festival de Woodstock, nem os questionamentos propostos deixaram de existir. Houve sim, uma mudança de perspectiva, mas não sob o modo como se difunde pelos meios de comunicação. Soma-se a isso, um segundo movimento iniciado na década de 90, o da assunção do neoliberalismo, em que, paralelamente, assistimos  ao sucateamento do ensino escolar, bem como da mercantilização do conhecimento acadêmico e do crescimento de uma classe média regada à publicidade, novela e shoppings. Nesse contexto, o meio-termo torna-se a palavra de ordem de nosso sistema normativo. Entendendo norma ao modo de Foucault. 
Não há mais necessidade da palmatória, da reprovação escolar ou da demissão do empregado. As pessoas naturalizaram a passividade. E suas vidas giram em torno do medo em não estarem de acordo com as regras. Não sabem o porquê, mas têm muito medo de não conseguirem um emprego. Daí o ensino gira em torno em ter competências e habilidades para tal. O que estiver fora disso é inútil. Na universidade, o importante é o título. E se o ensino caminha ao tecnicismo, o importante é o título. O resto é utopia e radicalismo. Filosofia de boteco, nas palavras de Reinaldo de Azevedo, um exemplo expoente da nova doutrina. Com um diploma em uma das mãos e uma revista Veja na outra, esse novo tipo de bacharel poderá recriminar os pobres, poderá exercer seu machismo com elegância e falar sobre coisas que nunca leu, ou discutiu, nem na faculdade, nem na escola, nem em lugar nenhum.  E a esses psedo-pensadores  de happy-hour de escritório, o meio termo caí como uma luva. Afinal, seria muito feio admitir preconceito e ignorância com um título superior à tira colo! Sexo, política e religião não se discutem, já diz o mandamento popular.
O que se vê, assim, é o mais completo vazio, seja na desesperança velada das pessoas que pacientemente participam dinâmicas de grupo em grandes empresas, seja na brutalidade do rapaz que arrasta quilômetros a fio uma criança em um assalto banal, seja em quem está em depressão pela pressão de escrever sua dissertação de mestrado em prazos estipulados por agências de fomento à pesquisa. E em meio a esse completo desamparo reflexivo, fertiliza dolorosamente uma felicidade também vazia e a busca desenfreada de prazeres repetitivos e esvaziados  e a adoção de uma ética pré fabricada.   O erotismo institucionalizado de nossa pornografia ocidental, latina e machista em que tudo é vendido como uma questão de técnica, o purismo dos comerciais de dia dos namorados no mês de junho, os shoppings lotados de gente endividada, as mães solteiras e desquitadas em depressão.   O velho relegado ao silencio, a criança silenciada pela TV. As conversas frias, frívolas, e os conflitos resolvidos na pancada em alguma “casa de família”, ou em algum dos bares da cidade, em alguma  avenida em que luminárias atacam jovens homossexuais, ou no fogo que queima índios e mendigos em pontos de ônibus. Esse é o nosso meio-termo.
E como estar fora disso de alguma maneira? Eis a pergunta a qual as respostas alguns de nossa geração desesperadamente tentam tatear. Entre eles, eu.    

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sobre quem eu sou: A Casa

Tocou a campainha e eu o olhei pela janela.

Observamo-nos.

Minutos, horas, dias e meses. Com medo eu disse não.

Entrou. Não tocou nenhuma campainha. Mal sabia eu, mas a porta já estava aberta. Depois disso,  apenas um  escuro de olhos cerrados, a saliva das línguas em espasmo, o macio das mãos. Desse dia em diante a porta fechada por dentro e as janelas abertas a um novo mundo.

Abrimos a porta do quarto. Abrimos a água do chuveiro. A casa clara. As conversas fartas.

Abrimos a porta da cozinha. Ele cozinheiro, eu temperada e comida.

Abrimos cervejas. Abrimos um vinho. Abrimos os livros. Abrimos um vício. E juntos, as horas acalentadas e a carne encharcada.

Abri as pernas. Abri o peito. Abri meus sonhos.

Abrimos um amor.


Mas um dia foi à sala e fechou a janela. Não gostava do barulho da criança no jardim. 

Desse dia em diante, uma sombra na sala. A casa mais fria.

Passei a observar a sala. E um dia fechei sua porta. Tinha medo da sombra que lá crescia. Porém, a sombra já havia aberto uma porta em mim.  

Depois, fechou o portão da casa. Não gostava de barulho de menino. Relutei. Pra quê tanto silêncio? Não conseguia me ouvir. Desse dia em diante, não mais fui ao jardim. Tinha medo do silêncio que lá crescia. Mas o silêncio já morava em mim.

Minutos, horas, dias e meses. ..

Então, a porta do quarto foi fechada.

Tinha medo de mim.

A casa escura, as conversas rasas.

Minutos.

Horas.

Dias.

Meses.

Abri a porta do quarto.

Abri a janela da sala.

Abri a porta da casa.

Abri o portão.

A rua clara. Sons de criança.

Atrás de mim,  as paredes desmoronadas.

Em mim,

fotografias de uma casa antiga. 

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Os prazeres paulistanos de cada dia

18 de julho de 2011

Local: Metrô Pinheiros, integração CPTM – 19 horas

Detalhes: Y. no elevador de pessoas com deficiência física.

Cinco andares de escada rolante e o novo metrô super, ultra-faturado de São Paulo é inagurado. Teriam os engenheiros da faraônica construção se inspirado na biblioteca de Borges, ou no inferno de Dante?

Aguardo a chegada do elevador e assim que a porta se abre a imagem que me vem à mente e aos olhos é de que se assemelha muito às lotações ilegais que há alguns anos circulavam a todo o momento na Zona Leste de São Paulo.

TPM.

Y. em dias de espirito de porco.

Y. no elevador com várias pessoas aparentemente sem nenhuma deficiência ou a nenhum acompanhando.

Y:  -  Esses elevadores realmente são ótimos, né? Ajudam mesmo. Nem eu sabia que tinham tantas pessoas com deficiência física em São Paulo!

Pessoas no elevador:  - ...

Todos exceto a um homem descem imediatamente após a minha fala.

(Não sei por que?!!!)

O quem nem a medicina, nem a Santa Madre Igreja , nem Véio Preto, ou mesmo Alá  explicam é que muitas daquelas pessoas, assim que o elevador quebrar em razão de sua grande utilização, serão automaticamente curadas de suas deficiências.

Ou melhor, nem todas...

OBS: A cara de extremo constrangimento de todos -  os quais fiz questão de olhar nos olhos - não tem preço. Para todas as outras,  Master Card. 

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sobre o amor e outras complexidades

Certa vez um professor meu de filosofia do pensamento chinês disse que amar é incluir o outro em seus planos de vida. Como sempre os orientais a dizerem complexidades com uma simplicidade assustadora; e daí achamos que é simples.

Algumas conclusões imediatas devem ser ditas: nem sempre gostar basta. Nem sempre haver respeito basta. Nem sempre gostar de fazer sexo basta. Nem sempre gostar de conversar basta.

A questão que ficará aos enamorados do mundo que ousaram romper os limites do senso comum talvez não deva ser o que basta, mas o porquê não basta. Devo alertar que chegar até aqui é um tanto quanto dolorozo.

Mas os chinese...Sábios chineses! Têm suas dúvidas, seu senso comum, seus preconceitos. Mas têm também sua bela simplicidade em pensar àquilo que tanto demoramos a sequer nos questionar.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A.A

Só por hoje não o amarei.

(Só por hoje não o ligarei, não pensarei nele, não manderei mensagens, etc).

Só por hoje...

Amorosos Anônimos

terça-feira, 28 de junho de 2011

Perfurações íntimas

Quando eu nasci, um anjo torto

me disse: Vai, Yara! E seja imagem e semelhança.

 

Corpo incorreto

Contorno choco...

O torto da ideia do olho

o osso do fundo do oco

sangue

entranhas...

Estranha.

Um soco em ponta de vida

 

Carne sem rima

escultura de Sal

As mãos quebradas

Carne-Cal

Carne-caustica

Em praias lisas

de marés retilíneas

galhos uniformes

folhas geométricas

O coração correto

a carne in-core-recta

Só poderia mesmo dar nisto(!):

sentimentos torpes

poesia manca

 

No liso dorso do papel

um tropeço na artéria dos sonhos.