O Amor, ai o Amor... O Amor, esse sorteado entre os
sentimentos como o melhor de todos. O Amor cantando pelos poetas, romanceado
mil vezes nas fábulas e nas trovas. O Amor que move montanhas, o amor rebelde,
o amor das mães pelos filhos, o amor do homem pela sua amada, o amor do
professor pelo saber. O amor, lado belo de todos nós. O amor no seio da
família, o amor pela Pátria, por seu povo, o amor...
O AMOR NÃO IMPORTA.
O Amor é tudo o que não importa se queremos um mundo melhor.
É isso mesmo.
O AMOR NÃO IMPORTA.
Não é por amor que mães cuidam de seus filhos. Nem que se
estende a mão a quem cai de dores no meio da rua. Nem o que move um médico à zona
de guerra para tratar feridos. Nem serão os poemas de amor a fazer com que
maridos deixem de espancar suas esposas.
O AMOR NÃO IMPORTA.
Em nome do amor, mulheres ouviram caladas que deveriam
ganhar menos, afinal, eram tão afetuosamente tratadas que nada teriam mais
direito, pois o Amor cobriria o pagamento faltante...a ausência... O amor do
letrado pela palavra “universal” que define o cânone a voz daqueles que falam
pelo que não sentem. Em nome do amor à Patria se fazem as guerras. Enquanto
mulheres e alguns outros homens cuidam pela sobrevivência dos feridos, o
narrador, fala de amor à bandeira. Em nome do amor, os amantes feridos em seu
nobre sentimento, torturam e matam suas amadas, traidoras da gratidão que
nascem predestinadas aos eleitos na posse de seus corpos e destino. Em nome do
amor à terra, nasce a propriedade. Em nome
do amor à si, mantém-se o consumo desenfreado e o egoísmo. E nome do amor à
família, os clãs. Em nome do amor ao ídolo, ao herói,a o escolhido, ao que
sempre está a bravamente atravessar mares e terras desconhecidas, sua esposa e
amantes limpam bosta de criança – essa parte nunca aparece na história, é feio –
cuidam da casa, da terra, dos feridos, com suas medíocres vidinhas, cuidam...
-
Meus heróis não são mais os guerreiros e os reis, mas as coisas de paz, tão
boas uma como as outras. As cebolas secando tão boas quanto o tronco de árvore
cruzando o pântano. Mas até hoje ninguém conseguiu cantar uma epopéia de paz.
O que acontece com a paz, que sua inspiração não dura e que quase não se deixa
narrar (wenders, 1987).
A paz não inspira ninguém por que mora nas pequenas e insignificantes
coisas. Enquanto a Arte que todos consideram como a que inspira fala sobre o Grande, de tudo o que é belo pela
grandiosidade e sobre os grandes sentimentos, os que realmente construíam a Paz
estavam fazendo o pequeno, o repetitivo, o anônimo, o repulsivo, o que não
muda, o que não tem a ver com escolhas, o que não diferencia racional de
irracional, o que descarta qualquer lógica cartesiana. Suas vozes, por vezes,
aparecem coadjuvantes em alguma narrativa, enquanto massa amorfa ou em
estatísticas. Ou na boca dos lideres revolucionários que nunca lavam as
próprias cuecas. Na letra dos poetas que cantam o amor e leem grande Filosofia,
mas rapidamente se entendiam em limpar catarro do nariz do pirralho. Eca!
Cuidar é subversivo. Amar não é subversivo porra nenhuma. O Amor,
amar é só mais um sentimento e sua manifestação. Alguém tem afinidade por outra
pessoa, passa o tempo, passam a se amar. Fim. Pode ter o mesmo grau de
importância da raiva. Pode-se ser violento quanto ela, inclusive. Para se
defender a condição humana de alguém, o que pode nos mover é a raiva e não o
amor. O amor é uma construção de afeto que demanda tempo e convivência. Como
amar a um estranho? Como defendê-lo sem amá-lo? Assim como é possível
perfeitamente empenhar um discurso amoroso e ser profundamente desumano em seu
uso. Eu posso falar em amor só para que não reajas à profunda violência que eu
tento te impor, por exemplo. E pode ser que seja mais uma estratégia discursiva
do que amorosa. Contudo, ao menos digo por mim e gosto de dizer as coisas por
mim e em primeira pessoa, posso ser muito violenta usando um discurso
aparentemente amoroso e a quem eu realmente amo. Isso por que o amor não tem
nada a ver com o que realmente importa enquanto ética profundamente humana. O
que realmente faz com que eu tenha cautela com a minha violência é o cuidado. O cuidado em não usá-la em quem não tem como
reagir a ela. Em quem essa violência não faz sentido. O que importa é o Cuidado.
O Cuidado é o que eu nomearia de Paz. O cuidado exige tempo
e pessoas que estejam em relação de solidariedade, descanso, afeto, sinceridade
e responsabilidade. Em ambientes que não falte comida, água, espaços adequados.
Ou seja, o cuidado é anti-Capitalista. Em nome do cuidado, deveríamos não
trabalhar todas as horas que o sistema exige. Nem manter os luxos que esse
sistema impõe. Nem faria sentido nada fora do coletivo. Nem o cuidado dos dependentes,
velhos e crianças, seria destinado a quem “tem menos valor social”, no caso, às
mulheres, às negras, às pobres. O cuidado não exige amor, embora em um plano
ideal o contrário seja verdadeiro. Quem ama, cuida e quem não ama tem o direito
de deixa o outro à mingua?! Quem cuida pode ser que ame o que ocupa os seus
cuidados. Mas não necessariamente precisaria haver amor para haver cuidado. Por
que se queremos falar em solidariedade, devemos ignorar o Amor. E devemos começar
a pensar no cuidador e nos que dele dependem. Pensar nos cuidadores que
enlouquecem em cuidar sozinhos. Que reproduzem a violência que são expostos.
Quem cuida em uma sociedade cuja falta de cuidado é o cerne da hierarquia
social é o corpo que será mais subjugado, isolado, enjaulado, silenciado. E
cuidado não exige amor, mas exige humanidade. Há a classe dos médicos, que fugiria
um pouco a regra já que são razoavelmente bem pagos perto de uma babá, por
exemplo. Os médicos cuidam, mas fragmentadamente, só o suficiente para manter
os corpos vivos e não para mantê-los cuidados. Os professores, idem. Se
quiserem realmente cuidar, no sentido extenso do termo, vão enlouquecer. Vão
sofrer. Passar mal. Serem xingados. Ganhar mal... Por que cuidar é subversivo.
Cuidar exige relações sinceras. O não exercício de poder. O Cuidado
em se responsabilizar inclusive pelos sentimentos nossos e alheios. Não há uma
única fala nos fóruns de discussões acerca do Amor livre, amor e Feminismo,
amor e poliamorismo, amor e gêneros cujas reclamações de gênero e classe social
não gire em torno da falta de cuidado. Lindos discursos dos menininhos de
esquerda que vestem saia e prometem mundos e fundos as suas parceiras e sem o
menor CUIDADO as largam no mais profundo
desemparo, está lá, a ausência de cuidado. E quando alguém reclama, o revide
está na ponta da língua: “possessiva!”. Não tão diferente das mulheres evangélicas
cujos maridos ignoram o cansaço das esposas no cuidado dos filhos e da casa. A
destruição emocional é a mesma.
NÃO HÁ LIBERDADE SEM CUIDADO.
Por isso, a Paz não inspira...
E por isso também, quando falar comigo, eu aviso: não espere
que eu lhe exija amor. Não espere de mim, amor. E nem mesmo ache que sempre
serei amorosa cuidadora de ti, de meu filho ou de quem quer seja, por defender o
cuidado. Eu estou tentando ser amorosa ao mesmo tempo que cuidadora. Nem sempre
isso convergirá. Quem lida com o que é
realmente humano, sabe que ser integro é ser contraditório e lacunar e que
cansaço é uma violência. Eu estou cuidando apesar de cansada. Com ou sem amor,
eu tenho de cuidar. O discurso da racionalidade e da completude não cola
comigo. Há anos que cuido quase sozinha de outro ser humano, de mim, e tento
cuidar de meus amigos, ainda aguentando um sistema inteiro que me mói. Então, não
venha tentar me convencer de que o amor é o que salvará. Ou que a Arte salvará.
E que os heróis salvarão. Ou ainda, que aceitar certos discursos de amor ou
opiniões desumanas só que ditas de maneira amorosa é um compromisso com a Paz.
Eu serei profundamente e humanamente violenta em resposta a esse tipo de
posição. Eu me gosto no que sou violenta tanto quanto no que sou amorosa. Só
não me gosto no que sou desumana. Não prezo pelas pontes, mas pelas pessoas que
as atravessam. Não faço ligação com discursos heroicos e parasitários. Acho
mais importante cuidar de quem precisa do que lhes roubar a voz.