sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Ancestralidade



O meu corpo tem a ancestralidade dos monstros
Que se cobrem diante do sol
E encobrem de terra a nudez

Dos que  desnudam  a terra a quem nela se posta nu
e lavam de vermelho
Pois só em branco querem o mundo
Escalpelando a vista
De toda a pele não lhes for espelho
O meu corpo tem a ancestralidade dos monstros
Que em fogueiras arderam
E nomeadas sempre
A aberração de um avesso
Por criar dentro do corpo
O que na Bíblia só a um Deus sem útero
elegeram
Por serem as únicas a conseguir devolver
Não apenas a costela
Mas corpos inteiros
O meu corpo tem a ancestralidade dos monstros
Que em torres flertam as ciganas
Ainda que ciganas também sejam
E com suas corcundas fortes
desafiaram distraídos
até mesmo o desenho de seu corte
e retorcidos na carne
trazem ainda o dom
de deformar a quem lhes toca
e todo o desejo
pois deles já sempre nascerá
inominado paradoxo
destino insolúvel
trazer em si
ser ao mesmo tempo anjo e demônio
os únicos a anunciar pelo corpo
 a inteireza que aos demais
enterram em seus peitos
só se é se aos dois foram
a integridade só existe no defeito
a maldição e dádiva são
em serem a atração e o seu reverso
quem goza com um monstro
esconde a todos
o lobo que mora em si
em pele de cordeiro
A minha ancestralidade tem fina pele
Última película
Mas é  a dos monstros
E que eu termino de arrancar
Para não haver dúvidas:
uma vez monstro
Monstro me quero
Sem eufemismos
Flor despetalada
Poeta que escreve sem dedos.