quarta-feira, 30 de maio de 2012

Poetiza

O poeta

deita a lira

aos encantos da amada

e diz

é homem

e sofre

e delira

na lida

homem

de Vênus

tudo ao bel-prazer

 

sente

homem

ama

homem

 

Homem

Poesia

 

Se é mulher que o faz

Poesia-vadia

poetiza.

Poesia vadia

Eu grito o meu gozo,

e choro o meu destino.

Se faz barulho o meu gemido

- Cala-se! És humana. Poesia não tem sexo!

Esquece-se, porém,

que humano

é o meu grito.

A minha dor

é ser mulher.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quase Debussy

Para cá. 

Para lá.

Para.

O novelozinho cai.

A minha criança dorme

(eu acho)

Não vi.

Estava no trabalho.


Em diálogo com o poema Debussy, de Manuel Bandeira

Debussy

Para cá, para lá... 
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Perigo no elevador


Entro no elevador para pessoas com deficiência e em seguida entra uma moça a me acompanhar. Inicia-se a rotineira conversa de elevador...

- Aí, eu estou tão cansada. Minhas pernas doem. Ainda bem que há esse elevador. 

- Hum, hum.

Nesse momento resolvo guardar o meu bilhete de trem e me atrapalho com o zíper da bolsa.

- Você quer ajuda?

O zíper resolve ceder e eu consigo guardar o bilhete. Com a situação já resolvida, respondo:

- Não, obrigada.

- Você se vira bem, né?

- Nem  sempre. Obrigada por oferecer ajuda.

- Ainda bem que você não acha ruim.

- Não, não vejo problemas. 

- Você estava passeando?

- Não. Estou saindo do trabalho.

- Ah é? Você trabalha? 

- Sim, faz sete anos.

- Pois é... Você aí com deficiência física, com os bracinhos deformados e trabalhando. E o meu marido que fica em casa desanimado com a vida. Ele deveria estar aqui pra te ver.  Saber que tem de seguir em frente mesmo, feliz.  

- E porquê ele está desanimado? (Se arrependimento matasse...).

- Ah, ele já teve dez derrames. Mas ainda devia agradecer a Deus. Porque olha você! Com o corpo todo deformado, nem tem mãos direito! E ele que nem tem nada faltando e nem nada de feio no corpo! Que ele tenha partes do corpo que não se mexem e não consiga andar, eu entendo. As vezes não consegue nem ir ao banheiro sozinho. Mas desanimar?! Você aqui em uma situação beeeeeeem pior que a dele e veja: até trabalha! Eu assisti um testemunho na igreja de um rapaz, sem braços, nem pernas, assim, quase como você. Um toquinho, nem sei como sobrevivia. Mas foi lá e testemunhou na igreja que é feliz e venceu na vida. E é assim que tem de ser! Você já viu esses testemunhos?

- (!!!)

***

Jogar, ou não se jogar na linha de trem: eis a questão.   

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Tempo seco

Há tempos em que a gente

deserta

a alma seca

afluente por afluente 

as veias estanques e ainda sim abertas


Há tempos de desesperança

a cada passo pisado, a cada marca de pé no limo

a boca seca 

a tentação de enfiar goela a baixo

o que resta de lama úmida

ilusão de um gole de água.


Eu tenho uma colcha em flagelos 

farelos

sonhos 

a ponta da meada já esquecida do nó de seu enredo


Mas encosto aos lábios um pouco de barro

e em cada veia de meus áridos córregos

o sangue a insistir na procura de velhas vias

nascentes não cicatrizadas 

distraído nos rodilhos de seus enleios


A colcha segue  

esburacos

A secura segue 

o redesenho de seus veios

E o meu destino segue 

o corte

no embaraço de um o fio úmido 

o corpo segue 

a vida

alma 

abaixo

o seio em torções

coxeia

labirinto

gauche 

alumbramentos

de uma enxurrada de pontas

as linhas em gotejo.  

terça-feira, 15 de maio de 2012

O tear

Os fios caem,

os fios caem...

 

de minha cabeça

fiar 

em in-verso

tecidos 

centeias

em dourado linho,

os sonhos

 

cabeça oca

e, todavia,

ainda

não está careca.