O poeta
deita a lira
aos encantos da amada
e diz
é homem
e sofre
e delira
na lida
homem
de Vênus
tudo ao bel-prazer
sente
homem
ama
homem
Homem
Poesia
Se é mulher que o faz
Poesia-vadia
poetiza.
O poeta
deita a lira
aos encantos da amada
e diz
é homem
e sofre
e delira
na lida
homem
de Vênus
tudo ao bel-prazer
sente
homem
ama
homem
Homem
Poesia
Se é mulher que o faz
Poesia-vadia
poetiza.
Eu grito o meu gozo,
e choro o meu destino.
Se faz barulho o meu gemido
- Cala-se! És humana. Poesia não tem sexo!
Esquece-se, porém,
que humano
é o meu grito.
A minha dor
é ser mulher.
Para cá.
Para lá.
Para.
O novelozinho cai.
A minha criança dorme
(eu acho)
Não vi.
Estava no trabalho.
Em diálogo com o poema Debussy, de Manuel Bandeira
Debussy
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.
Entro no elevador para pessoas com deficiência e em seguida entra uma moça a me acompanhar. Inicia-se a rotineira conversa de elevador...
- Aí, eu estou tão cansada. Minhas pernas doem. Ainda bem que há esse elevador.
- Hum, hum.
Nesse momento resolvo guardar o meu bilhete de trem e me atrapalho com o zíper da bolsa.
- Você quer ajuda?
O zíper resolve ceder e eu consigo guardar o bilhete. Com a situação já resolvida, respondo:
- Não, obrigada.
- Você se vira bem, né?
- Nem sempre. Obrigada por oferecer ajuda.
- Ainda bem que você não acha ruim.
- Não, não vejo problemas.
- Você estava passeando?
- Não. Estou saindo do trabalho.
- Ah é? Você trabalha?
- Sim, faz sete anos.
- Pois é... Você aí com deficiência física, com os bracinhos deformados e trabalhando. E o meu marido que fica em casa desanimado com a vida. Ele deveria estar aqui pra te ver. Saber que tem de seguir em frente mesmo, feliz.
- E porquê ele está desanimado? (Se arrependimento matasse...).
- Ah, ele já teve dez derrames. Mas ainda devia agradecer a Deus. Porque olha você! Com o corpo todo deformado, nem tem mãos direito! E ele que nem tem nada faltando e nem nada de feio no corpo! Que ele tenha partes do corpo que não se mexem e não consiga andar, eu entendo. As vezes não consegue nem ir ao banheiro sozinho. Mas desanimar?! Você aqui em uma situação beeeeeeem pior que a dele e veja: até trabalha! Eu assisti um testemunho na igreja de um rapaz, sem braços, nem pernas, assim, quase como você. Um toquinho, nem sei como sobrevivia. Mas foi lá e testemunhou na igreja que é feliz e venceu na vida. E é assim que tem de ser! Você já viu esses testemunhos?
- (!!!)
***
Jogar, ou não se jogar na linha de trem: eis a questão.
Há tempos em que a gente
deserta
a alma seca
afluente por afluente
as veias estanques e ainda sim abertas
Há tempos de desesperança
a cada passo pisado, a cada marca de pé no limo
a boca seca
a tentação de enfiar goela a baixo
o que resta de lama úmida
ilusão de um gole de água.
Eu tenho uma colcha em flagelos
farelos
sonhos
a ponta da meada já esquecida do nó de seu enredo
Mas encosto aos lábios um pouco de barro
e em cada veia de meus áridos córregos
o sangue a insistir na procura de velhas vias
nascentes não cicatrizadas
distraído nos rodilhos de seus enleios
A colcha segue
esburacos
A secura segue
o redesenho de seus veios
E o meu destino segue
o corte
no embaraço de um o fio úmido
o corpo segue
a vida
alma
abaixo
o seio em torções
coxeia
labirinto
gauche
alumbramentos
de uma enxurrada de pontas
as linhas em gotejo.
Os fios caem,
os fios caem...
de minha cabeça
fiar
em in-verso
tecidos
centeias
em dourado linho,
os sonhos
cabeça oca
e, todavia,
ainda
não está careca.