quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Mulher com deficiência

Eu sou
“aquela”
aquela
mulher com deficiência
em ser troféu
de igreja ou provedor
Eu sou
“aquela”
aquela
que “apesar de”
sorri
e chora
e goza
e também luta
útero prenhe
de luz
como qualquer outra
Aquela
que é
frágil
no que lhe destinaram heroína
e forte
no que lhe queriam
silêncio
e “mal resolvida”
Aquela
feita
de instante e fotossíntese
realizada
apesar de.
Flor
de pétalas
deformadas
e néctar de formato
perplexo
e orvalhado
das gotas que escorrem
por toda a sua pele
Aquela
que se serve
do próprio dito defeito:
Ter nascido
corpo-constrangimento
encarnação do "erro" de Deus
pecado meu
aos olhos dos homens
(como sempre!)
E mais pecadora ainda
em ter aprendido
por eu mesma
a ser perfeita
não por obra de um milagre
ou reza
perfeita
para todo aquele e aquela
que espera mais do que
o tédio
de um Deus
que só projeta beleza
na simetria do previsível
paraíso que só existe
na cura de um amanhã
Eu sou
“aquela”
“aquela”
filha do erro divino
em não seguir
a lógica dos homens
encarnação do pecado de Deus
em me fazer
"assim"
por puro capricho
Aquela
que não é sua imagem e semelhança
e está sempre e apenas sendo
ela
aquela
que pari e renasce
todo dia
do próprio útero
e com meus poucos dedos
de minhas próprias escrituras.