sexta-feira, 26 de junho de 2015

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Peito seco
Trajeto do silêncio
Da correnteza
o traço turvo
Sobrescrito pela falta
E no inicio do leito
o leite  que empedrou no seio
se seria alimento
fermenta agora em vermelho
Rastro áspero no papel
aborto pleno
e perfeito
a fórceps
o nascimento
da palavra
Barragem arrebentada

nomeio e nomearei
meus fetos-afetos feitos
apesar de.

E apesar de
Ressequitas
Retomarei uma a uma
Apesar de
Apesar de
Apesar de
Todas as minhas palavras

Represas

É a margem
por si mesma
retomada
ala(r)gada
inicio de um talvez umidade
silenciares
em feminino
A tanto tempo...

Tanto tempo...

E  tanto que
Choveu
Rompeu
E tanto que continha
transborda
E apesar de.
E apesar de
Agora
de si mesma
em tudo toca

Aos litros
Força
Força!
secura
Nomeada.
Palavra.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Resposta padrão

Toda santa vez é a mesma coisa. Foucault como argumento para me enfiar goela abaixo homem no Feminismo, lá no palco. Estrela do Oriente. 
Toda vez…
  Toda vez… 
Toda vezZZZZZzzzzzz…Zzzz….  
Deleuze as vezes também rola, mas ninguém conseguiu ler direito, daí  há uma insegurança.
O corpo não é fixo, blá,blá,blá… o corpo é tudo e nada, o corpo é isso e aquilo. Parecem ter retirado de um site de frases de efeito. Foucault é o novo Oscar Wide dos omi ofendido com essas muié feminazi apaga, apaga! 
Gatinhos, humildade. Humildade e silêncio. Silêncio também é político. 
O corpo não é fixo é uma coisa. O corpo é o que você acreditar que ele é, outra coisa. Liberalismo.  O discurso do “compre sua máscara a preços acessíveis (aos merecedores, claro)” não é novidade.
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Eu passei 23 anos da minha vida para iniciar um curso de dança. Eu sempre fui apaixonada por dançar. Desde os seis anos de idade. Mas sempre acreditei não poder dançar por ter deficiência física. Não via tão pouco pessoas com deficiência no balé Bolshoi. E vou continuar não vendo. E vou continuar não sendo a bailarina do balé Bolshoi. Meus movimentos podem ser de uma dançarina - se eu continuar dançando. Mas serão outros movimentos. Ninguém vai passar a me ver sem deficiência física. Ou com outro corpo. Eu sempre digo que ninguém se considera com deficiência física ainda que tenha nascido sem asas.  E ninguém vai passar a ter asas a partir dessa minha frase. 
Eu saí de uma prática determinada ao meu “tipo de corpo”. Mas vou continuar com o mesmo corpo de cada dia. E sendo tratada segundo ele. Algumas pessoas, ao me ver dançando, podem passar a achar que ele seja belo em vez de repugnante. Ainda sim será o meu corpo. Móvel. E corpo. E meu. Eu, dentro do meu corpo. 
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O corpo não é fixo.
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Quando a minha entrevistadora de uma vaga de emprego há alguns anos perguntou “mas como você pensa que vai conciliar o ritmo de trabalho dessa vaga e seu filho?” eu era meu corpo. E ela talvez tivesse razão em pressupor isso. O nosso sistema de trabalho não pressupõe certos corpos ou os coloca em valores baixos no mercado. Talvez não, e eu conseguisse dar conta, mas de qualquer forma, há corpos que nunca ouviriam essa pergunta e com cara de nojinho do entrevistador. Ainda que eu quisesse, não posso fugir do meu corpo. E talvez um homem estivesse na outra alternativa da vaga a esse empregador. Um homem bom, de coração puro, mas que se beneficiaria com isso, apesar de. Por que é estrutural. Um homem não precisa ser machista para se beneficiar do machismo. Eu, como branca, ainda sim ganharei regalos sociais por causa da minha cor de pele. E nem sempre terei consciência deles. É natural a mim ser tratada como humana nesse quesito. O inumano é que é anti-natural e por isso mesmo, estranho a quem não vivência situações de desumanização. 
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O corpo não é fixo.

Mas a sociedade tratará como se fosse. E esse tratamento gerará sentimentos. E esses sentimentos têm fundamento na realidade. Negar esses sentimentos não é resistência. É uma

violência. 

Coloca os sentimentos de quem tem seu corpo limitado como 

loucura

(há um autor que escreveu sobre isso, recomendo, é Foucault…srs!)

negar o sentir dos sentimentos

(ressentimento? ódio? raiva?)

bem como fazer eu ir dormir uma hora mais tarde escrevendo isso é cansaço
violência

também.

Autores brancos dizem que é pura coincidência que autores negros não façam parte do canone literário. Já que os valores da literatura são universais.
u.n.i.v.e.r.s.a.i.s.s.s.s.ss..s.s.s..s.ss.s..s.z.z.zzzz.zzzzzzzzzzzz
Zzzz……

eles nem sabiam o nome do autor quando avaliaram a obra!!!!

Mas

Toda ética, uma estética.

“Que língua você fala? 
Ah, essa não!

E essa gíria? Não!
E essa voz em primeira pessoa? não!
Essa menstruação de novo? Não!
Esse caderno escrito à mão? O que é isso?"

Ou ainda, as perguntas cínicas: 

Isso quer dizer que devemos jogar os livros dos autores brancos no lixo?”

Como se a simples presença de um exigisse a não presença do outro.

E talvez exija. 

Até o momento, exigiu. Por isso, mulheres, negros, muçulmanos, etc. estão na margem. Ou, simplesmente, fora.

E há, inclusive, muitos bons corações querendo falar por eles. Fazer mestrado sobre eles. Muitos são contra cotas. E constroem restaurantes chiques com  o nome de Favela na Vila Madalena.

Os atravessadores de voz. 

Muitos, inclusive, são cobiçados no nicho da esquerda.   E querem salvar nós mulheres do nosso moralismo. (voltando ao assunto) 
Invadindo nossos corpos, apesar de. E nós, confusas, ensinadas e sempre dizer sim, a não querermos ser moralistas, a valorizar discurso bonito, passamos por cima de nossos…

sentires.


Por que o nosso incomodo não importa.

E nosso prazer é dar prazer.

E a nossa voz nem é tão elucidada assim. 

E nós nem lemos Foucault?!?!

 —

O silêncio é politico.

O pessoal é político.

Ter voz a partir de nossas próprias memórias e dores e alegrias é:
ter um corpo.

Como discutir fixidez em corpos que nem sequer têm a aceitação de que possam existir por si mesmos?

O silêncio é politico.

E o silêncio é político aos dois lados:
a quem nunca teve a oportunidade de ter voz;
e a quem está sempre fazendo barulho para que o outro nunca seja ouvido por si mesmo.

Quantos dos barulhentos pararam para ler autoras feministas? Teóricas do feminismo? 
Por que se a gente não tem nem a vivência nem a escuta da vivência, o que se tem é 

arrogância.

Os homens que eu conheço que estão fazendo algo que me ajude enquanto mulher e mãe não estão pedindo bandeira de nada. Estão apenas abrindo seus espaços a mim. Por que me querem lá realmente. E não por que querem me salvar de algo,  me educarem. 
Estavam me ajudando a escrever o projeto de mestrado, estavam pegando meu filho na escola, estavam me ensinando a dançar. não por que são feministas. Mas por que sabiam que eu precisava.
E nem disseram que eu não sei o suficiente sobre o que eu sei que sei. E talvez sejam machistas em muitos outros momentos do dia e da vida. E se beneficiam do machismo ainda que não queiram. 

pois

é estrutural haver machismo.

mas

é estético-ético ter voz o silenciado.

e

é político respeitar que não seja preciso gritar para me fazer ouvir.

escrever cansa.
gritar cansa.
desconfiar cansa.
se proteger o tempo todo cansa.
ensinar cansa.

E cansaço é só mais um tipo de violência.
mais uma ferramenta de dominação.
mais uma forma de manter velhas estruturas.

Memória também é corpo - aprendi esses dias.

Portanto, não adianta querer sobrescrever a minha.

Eu não vou deixar.


É meu corpo.