sábado, 30 de maio de 2015

E ela disse

E então ele dissera, com seu proselitismo arcaico, que tinha muitas coisas para ensinar.
E de suas mãos jorraram todas as nuances de preconceitos e rigidezes. Era velho e achava que automaticamente isso fazia dele um sábio.
Mas o que será dos velhos quando virarmos as costas para eles, pois tudo o que acham que teriam para ensinar não se aplica ao nosso veloz mundo de acendências e escritas de luz que em nada se interessam por rasuras e fixações?  A experiência que nada vale se escura e com contornos que não deciframos… E que a sabedoria que teriam como arma na manga já está desativada. Já não é possível esconder que  foi exatamente ela quem construiu o aterrar ainda vivos de todos os veios e veias vasculares interrompidos de muros? da cidade, da carne… A experiência só poderia nos interessar enquanto nostalgia. Aos mais sensíveis, enquanto memória. Para isso, meus queridos velhos, é preciso ter vivido suas experiências e não apenas estar num canto da foto enquanto todos pulam no rio.
Querida Vanessa Yara, essa é uma carta da jovem Vanessa Yara para a velha (idosa não, que acho um termo fraco e patológico) Vanessa Yara. Ser a que pula nos rios, arrebenta barragens, retorna à carne. 

Ou a promessa em não ter a hipocrisia de usar couraça envelhecida como carimbo de sapiência das experiências que não vivi.   

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Tempinho

“Corpo é tempo” - filme Tarja Branca.
Eu tenho uma revelação a fazer: “Talvez você nunca tenha amado” - monja Jetsunma Tenzin Palmo.
You cannot protect yourself from sadness without protecting yourself from happiness. ―Jonathan Safran Foer
"Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão “Quem sou eu?”." - Jacques-Alain Miller 

Faz algum tempo que preciso escrever sobre isso. Reter para observar. Por que escrever para mim é isso, necessidade de parada ou de um novo ritmo nos afetos. Então, quando começo a falhar com o que preciso, meu corpo, sábio, vem em sonho e me acorda e me sacode. 
Ando repetidamente sonhando que vou embora. E que preciso terminar as coisas antes de ir. Triste ou profético, o que me chamou atenção não foi o destino enunciado, mas um dos argumento que apresentei à senhora morte para “dar mais um tempinho”:  - mas eu nem tive um grande amor ainda! 
Há mais de um mês, depois de ver um vídeo com a monja Jetsunma Tenzin Palmo, propus escrever sobre o Amor. Achei a monja desaforada. No vídeo, ela afirma que talvez nunca tenhamos amado. Nunca… Pois, para amar, seria necessário sermos inteiros. INTEIROS. Seres de inteireza. lindo. e utópico? 
(o desaforo pessoal é alguém me dizer que o que considero de mais intenso em mim, minhas lacunas, alguém jogar como impeditivo de afeto)
Vivemos em um mundo fragmentado. Compartimentado. O tempo em pedaços. O corpo em passagem.  Corpos indo à algum lugar. Ou descansando do lugar que estiveram. Ou ansiosos por desfrutar dos poucos momentos em que não estão nem passando nem passados. E a ansiedade jogando-nos nesse pequeno intervalo a um futuro. Não-tempos. Não-lugares. Não-corpos.

“Corpo é tempo” - filme Tarja Branca.

E como ser inteiros em um mundo fragmentado? Talvez a uma monja seja possível. Mas e eu? (eu ia dizer nós, mas sou eu mesma quem estou aqui, afundada nessa fundura) Como viver um amor em extensão e intensão tendo de estar com meu corpo-tempo sempre e sempre e sempre em passagem? Em afazeres completamente alheios a mim e as pessoas que amo? Se, como defendi em outro texto, humanizar é cuidar e só se ama um humano em sua humanidade, como amar em um mundo que o cuidado está fora das pressuposições? Como amar em inteiro em um mundo desintegrado? 
Se amanhã algum de nós cair doente de tristeza ou de alguma patologia qualquer, conseguiríamos largar nossos empregos e compromissos para ficar junto da pessoa que dizemos amar? Conseguimos construir rotinas amorosas de convivência  e compartilhamento com essas pessoas? Projetos construídos na delicia de sua construção em si?  Ou somente eventualidades e vivências esporádicas? Sem nenhuma profundidade? Ansiosos de repetição já que apartados de imersão?
(falsas profundidades)
Ao mesmo tempo, como partir do que não sou e esperar humanidade ainda sim? Eu, confusa, distraída, de seleções esquisitas, as vezes burra e vazia, as vezes transbordada de sensibilidade e afeto, como apresentar-me inteira se o que me alimenta o interesse no outro é exatamente a esperança de que cuide de mim? Que me veja em minhas lacunas ao invés de se iludir em uma  esperada racionalidade cartesiana e agilidade sapiente, máscaras que visto quando preciso de alguns trocados e trofeus.  Como ser inteira se é no outro que pergunto quem eu sou? E nem mesmo a pergunta ando conseguindo fazer já que perguntar é parar? E parar é tudo o que não fazemos em um mundo de velocidade trucidante, como é o nosso? 
  


segunda-feira, 18 de maio de 2015

Vermelho

E já não diz
E já não ofega nem afaga
E já não projeta cores sob o papel em branco
E nem o branco sob o papel em negro
somente o vermelho sob o verbo silenciado
a não-cor dor…
E nem a carne de seu corpo lento acompanha o tempo de sua ânsia
E enquanto lava a louça, lava a casa, lava a roupa,
se lava de todas as lavagens
(inclusive mentais)
sente escorrer pelas mãos
a umidade dos anos que vincam a pele
fazendo os caminhos do que não mais sonha percorrer
E sempre lhe diziam que teve muita força
mas só o que sentia era cansaço
será que a enganaram?
negaram
apenas
voz…
vociferaria sua força não a tivessem nomeado antes de outra coisa
E já não diz.