domingo, 23 de dezembro de 2018

Sofrer dos nervos

Enervada foi
essa carne
esta minha carne
já refeita de cortes.

redesenhada no core
Corre!

coração

Vermelha carne
(Olha o corte!)
Rupturas
nas fibras
do que deve querer vida

Enervada

E por que foi

lembra:

cada sinapse
cada fio de potássio

eletrocutando a água vinagrada
e morna
que morava
atrás dos olhos
tão mais agora
eles mesmos
ressecados

frios
zonzos
do estouro úmido
do súbito arroubo

Enervado

pressentimento
dos cristais de sal
pó de vidro
que arranharia

entre o rosto e a garganta

cinza invisível

desamor


entre o sal
nosso corpo
e o tempo
Enervada foi
E é

Minha carne
nosso corpo
minhas memórias.
Às vezes

Como eu queria às vezes
(tantas vezes...)
não ter
esse maldito destino
de Fênix

E todo dia morrer
(todo dia, todo dia, todo dia)
para poder nascer
E esse rosto
sem face
que encontro ao espelho
que quando ia formar uma expressão
entra em combustão
explode
e chora
Essa maldita eternidade
concedida

concedida
concedida!
só que
a que custo?
a que custo...
e todo dia morrer
(todo dia, todo dia, todo dia)

Eu queria
Às vezes
tantas vezes
poder morrer
um dia só
de uma vez por todas

Renascer
assim
sem batalha
sozinha
será que ninguém
nunca se perguntou
(me perguntou)
Se é isso
que faz uma
Fênix
ser vista
como tão forte?
será que ninguém
nunca se pergunta
se o medo que anuncia a futura vida
do pobre pássaro
não é apenas
a ela
um oráculo
recitando sobrevida sem missão?

Nunca poder morrer um corpo
que quando entra em combustão
e renasce
ferve o próprio sangue
mas não encinera
a memória da dor
dor
que nem sempre me fez  forte
às vezes
tantas vezes
apenas resulta um pó sem alma
um futuro de carbonizada esperança
Uma ressurreição
sem sentido
uma maldição de vida eterna
no vazio
O desespero de não sentir
nem as pálpebras
finalmente fecharem
nem realmente sentir
parar de bater
esse maldito coração

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Poema de Sonia Lindblom em resposta a um poema meu:

"Solidão. 
Isso não se canta não.
A luta por si 
Contra o establishment.
Essa é coletiva. 
E uma luta particular definha.
É luta mesquinha.
Estamos todas nessa.
Vivemos com pressa.
À míngua de promessas
Vida compressa.
Nunca sessa.
Cantar solidão é pretexto pra algo que não tem preço.
É a dor de lá do berço.
É tropeçar rezando o terço.
É sentar lá no terreiro.
Comer pão amassado
Num prato amanhecido.
Acordar sem ter dormido
E gritar tão descabido.
Com isso, loira minha,
Seria bem mesquinha
Pensar ser rainha
Sobre uma solidão
Que também é
Minha"

Toda fênix deve ter bom coração

Bom coração

Como eu fosse um pássaro
captura meu canto
e me enjaula 
quer prender as minhas asas
e se ri
e se inflama
e se clama
e se enaltece
e nisso se esquece
se esquece...
se finge e se esquece
que
fosse eu 
outro bicho
fosse eu
um cão
não haveria brincadeira
só a garganta rasgada
fosse eu um pavão
não haveria gaiola
só um ego
esquecido
entre as cores das penas
e sua alma pequenina
pequenina
tadinha!
apagada...

Como uma mulher
me manuseias
entre feridas não tratadas
fosse eu
sem dor
como um pavão te apagava
fosse eu sem dor
como um cão
teu coração estraçalhava
Mas 
como uma mulher
dou meu grito
como uma mulher
escrevo um poema
como uma mulher
dou fim à brincadeira
e me riu
e me choro
degusto meu próprio coração
.
.
.
e voo.
"Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas"

Não é por que minhas pérolas são sempre jogadas aos porcos
que tenho como deixar de ser ostra
que tenho a escolha de não ser rasgada
em nome da beleza do que gero em minhas entranhas
nem deixarão de ser belas as minhas pérolas
porque se sujaram de lama
ao serem jogadas
aos porcos
ocos porcos
oca eu também após gerar
a mais linda gema de mim
e me achando protegida
lá no fundo
no fundo do mar
temporariamente oca
e nunca vazia
de mim sempre pérolas

E os porcos
não importam às pérolas
nem deveriam importar à ostra
assim como o lixo não se sentirá pérola
por que tive o privilégio de ser devorado
pelos porcos
nem os porcos agradecerão à ostra pela beleza das pérolas que não entendem
pois
porcos sempre serão porcos
pérolas sempre serão belas
e gerar beleza é
o destino da ostra
ainda que ferida.

Alguns gostariam que eu fosse vazia
ou ao menos
meio vazia
para eles preencherem
com suas conquistas
porém
em mim
água não enche nem
preenche
em mim
água corrente
e prenhe
em si mesma
repleta de memórias
que modifica
ao se movimentar

Água que passa
e impulsiona moinhos
água que percorre o mundo
em sinuosos destinos
água
que a tudo arrasta

e infunda
e alaga

Água
força de Mossoroca
do encontro
da água doce
e água salgada

Doce das delícias de nascer um fio
Parido da terra
e guiado pela Lua
crescer​ no encontro de outras águas

Salgada
de quando
quiseram-me  socar
entulho
à força
em minhas
entranhas
para
meu desejo aterrar

Salgada
da baba que espumei
pela boca
e o sal que despejei pelos olhos

E que hoje
bordam em renda
as ondas do mar

E o desenho que inscrevo
sob o solo em meus afeitos
ele todo
já tentaram preencher
sob escombros
apagou
Mas eu
simplesmente água
incolor
e não vazia
emergi
E com cheiro sim!
do solo em que deslizo
uma peculiar inteireza

Por isso
alguns gostariam que eu fosse vazia
para eles preencherem
ou ao menos, meio vazia
mas em mim a água não enche nem
preenche
fende
transborda
e só aumenta
as vezes
engole
cidades inteiras
as vezes, evapora
e docemente garoa
e acaricia o rosto
de quem dela não se perturba

Se alguns
gostariam que eu fosse vazia
ou meio vazia
saibam
sou água corrente
movediça
não há como
inscrever em mim
seus enganos e desenganos
quem desenha a terra é a água
não há como querer
em água
rasurar.


Talvez eu quisesse provar
que o amor é possível
mesmo a nós
as filhas de Lilith
mesmo a nós...
as filhas de Lilith

Lilith:

a que de tão forte
não foi sequer nomeada
apenas
apagada sua história

Nós

que como ela
não se fez feia
nem bela
nem semi-deusa
nem deusa
O que se fez foi
o amor por si mesma
Lilith
e a sinceridade de um corpo
belo e monstruoso
-
pés em garras
demônio
anjo mal
sexo que não se esconde
fera
-
FORTE
-
Contudo...
talvez eu quisesse provar
que o amor é possível
também a nós
as filhas de Lilith
mesmo a nós...
as filhas de Lilith

E recusar o presente
de minha mãe
- o de não ser amada
em troca de penetrada -
e não negociar
com nenhum
Deus
ou semideus
ou nenhum homem
ser só
em si
o amor por eu mesma

mas as vezes
talvez...
eu quisesse provar
que o amor é possível
mesmo a nós
as filhas de Lilith. 
    


Eu era apenas mais uma
mais uma...
um número
uma sensação
óbvia
em lugares óbvios
como um souvenir
na estante da sala
ninguém olha
embora esteja lá
para enfeitar
eu não queria ser
mais uma
um número
uma sensação
um souvenir
óbvia
e dentro de mim
me debati
queria  tremer a TV em que assistia o seu programa de domingo
e mesmo com o olhar em minha direção
não me olhava
Te sacudi imaginariamente
óbvia
óbvia
mas
uma noite
eu soube
os móveis podem mudar de lugar
por isso quando se ouve barulhos estranhos
e a porta range
e há um uma sensação esquisita
na casa
não mais óbvia
não mais óbvia
como eu
é que
o souvenir
some
ou amanhece quebrado
e você
sem me ver
e sem me saber
tem medo.

Ei de morrer

Ei de morrer
Ei de morrer
Todos os meus amores
como um grande Rio
tem de morrer sua doçura
para se juntar ao Mar
como meu rosto tem de se salgar
para deixar de amar

Ei de morrer
E como ei!
Todos os meus amores
como o alcoolotra
tem de morrer suas noites de samba
para não se entregar
E para não se entregar
morre até o choro
morre até o calor do corpo
daquela
que tantas vezes foi quem o levou a tocar
e a Amar...
ai!
Ei de morrer

Ei de morrer
E ei de morrer é tudo
cada poro inscrito em sua pele
e o seu cheiro
cada água derramada
de alegria
em nosso orgasmo derradeiro
cada gole de vinho
dançado em desalinho
cada fio de cabelo
esquecido entre suas costas, meus seios e os lençóis

e o seu suor

ei de morrer

Ei de morrer
como quem se descarrega
ao se banhar
antes de pisar o terreiro
e se batiza
antes de se entregar a Jesus
e se despede antes de entrar numa casa em chamas
e apagar o fogo
ao que ali se entregou


e que se benze antes de entrar e depois de sair
aiiiiiii!
Ei de morrer

Ei de morrer
Como deve morrer um pouco Yara
ao matar quem ela escolheu afundar
de tanto amor
morrer o Outro
e deixar a si mesma
e nisso se fundar deusa
ei como ela
e como eu mesma
Todos os meus amores

ei de morrer
ei de morrer! 

domingo, 13 de maio de 2018

Se não for dormir cedo
Se não tomar o remédio
Bicho papão vai pegar você
Vai pegar você
Vai comer você
E você vai chorar bastante
Vai chorar bastente
Lembrando que bicho papão
Não existe
Que bicho papão não existe
Lembrando que você não é mais criança
Não é mais criança
E por isso precisa tomar remédio
Tomar remédio
para dormir
Para dormir
Senão o bicho papão vai pegar você
E você vai chorar bastante
Lembrando
Lembrando
Lembrando...
A gente vive em um mundo em que te dizem para ter grandes e/ou lindos sonhos, mas sem criar nenhuma expectativa. Se não são as expectativas o que nos move, o que nos motiva então? As vezes penso que eu só precisaria de um pedacinho de futuro, só um pedacinho... Para ter o direito de criar alguma expectativa.

Esta


Para a poeta que escreveu no passado A Outra

Esta
A que em mim agora habita
não quer mais ser a Outra
todos os dias
(somente alguns)
quer ser apenas esta mesma
ainda sabendo que
não se é
somente
passagem de si

Esta
A que em mim habita
já se sabe
corpo
e dança
por fora
e por dentro
E já sabe que as manchas
que derrama no papel
socialmente
ditas
grafia em preto
são na verdade
seu mais profundo
Vermelho.

Esta
A que em mim habita
ainda aborta afetos
e sozinha
agachada ao banheiro
Mas também pari orgasmos
do encontro com si mesma
lambuzada de seu próprio ungüento.

E já sabe se amar, pois já envelheceu falsas esperanças
E já  sabe brincar, pois aprendeu a ser criança
E já não tem medo de amar
pois se ainda não sabe onde ir
(e quem sabe?)
curandeira e guerreira de mim
Já tem força e sabe
onde não ficar.

Eu, passarinho



Quando um beija-flor
espalha a semente na terra
ele não teme que a semente que sem saber carrega
não venha a nascer.
Sem medo
só mels
espalha e fecunda novos destinos.
E a beleza de seu voo e de seu próprio destino não depende das sementes que não nasceram por que cairam no concreto.
Assim será esse destino que caiu em mim ao me sugar:
flor, mel
e voo .