quinta-feira, 26 de julho de 2012

Perfurações íntimas II

Escorre,

entre paredes

molhadas de vergonha,

vingança de mulher


Na brancura alheia do papel,

Menstruação!

O vermelho enjeitado

que te enojas,

mas que não consegues calar. 


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Republico o poema, pois houve modificações.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

É preciso consumir mais

Rating:★★★★★
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Fonte: Site Quadrado dos Loucos. Por Bruno Cava.

“Retirar-se do mercado mundial, numa curiosa renovação da ‘solução econômica’ fascista? Ou ir no sentido contrário, isto é, ir mais longe no movimento do mercado? Não retirar-se do processo, mas ir mais longe, acelerar o processo, como dizia Nietzsche: a esse respeito, nós ainda não vimos nada.” – Gilles Deleuze e Félix Guattari, em O anti-Édipo

“Talvez o caminho não seja consumir menos, mas de um jeito diferente; canalizar nossos desejos de outras maneiras, para outros e novos objetos. O socioambientalismo fracassará, se a sua mensagem às pessoas for: ‘desejem menos” – João Telésforo, em Do ambientalismo catastrofista à ecologia dos desejos (no Brasil & Desenvolvimento)

“Consumir é produzir. Já consumir o consumo é cortar o circuito.” – Eduardo V. de Castro, via tuíter [Hélio Oiticica também falava em consumir o consumo]

“Para quebrar Belo Monte, índios fazem o que os operários fordistas faziam em 1969: nós queremos tudo!” – Giuseppe Cocco, via tuíter

“O capital não cria apenas objetos para os sujeitos consumirem, mas cria também sujeitos para os objetos de consumo.” – Karl Marx



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Uma coisa que sempre me incomodou em debates críticos ao consumismo é como geralmente se dão entre pessoas bem situadas. Estou falando de longos debates sobre como na nossa sociedade se consomem coisas demais, como a nossa cultura ocidental é baseada na superprodução do supérfluo, no desperdício. Mas não é tão polêmico quanto parece à primeira vista. Nas universidades, em programas da TV, em espaços ongueiros, as rodas de debate a respeito tendem muito rapidamente a colher a unanimidade dos participantes. Terminam por concordar como só uma mudança de mentalidade pode, quem sabe, ajudar a evitar a catástrofe civilizacional.

Nada como a consciência ambiental para dormir tranquilo. São pessoas assim que, sem nenhum pudor em exibir a própria auto-indulgência, teriam se elevado a um estado de consciência superior, e agora se investem da missão de conscientizar os demais de seu papel e sua dívida, diante da iminência do colapso. Até posso entender que alguns ricos padecidos da má consciência de classe resolvam levar uma vida mais globalmente consciente e ecologicamente responsável. Nada mais prafrentex do que economizar água, fazer coleta seletiva, alimento orgânico, ir ao trabalho de bicicleta. Ainda emagrece, né. Me refiro aos críticos do consumismo tão bem familiarizados com bons restaurantes e hotéis, apartamentos confortáveis, carros pessoais, táxis, notebooks, escovas progressivas e viagens a Paris. Mas eu pessoalmente nunca vi pobre anti-consumo. Desconfio, aliás, que a pauta do consumismo não apele entre aqueles que só podem consumir pouco. Essa pauta nunca me convenceu de não ser cínica. Ou sutilmente reacionária. A mim, soa de extrema perversidade recomendar aos pobres que consumam menos. Que eles tenham de pensar noutro modo de vida, e querer coisas diferentes do que os ricos sempre quiseram, tiveram acesso e usufruíram. Justo agora, quando a maioria da população brasileira pode consumir alguma coisa, um começo de mudança real, dizem-lhe que é pecado.

Hoje, o discurso da austeridade enlaça governos de países em crise e eco-esquerdistas, do Banco Mundial ao SWU, todos por um querer mais comedido. Um topos conservador em tempos de crise global. Dá até a pensar: por que se mobilizar por renda, distribuição da riqueza ou melhores salários, se o bom mesmo é consumir menos? Às elites, obviamente, apetece prescrever o menor consumo porque assim o pobre se contentará com as migalhas de sempre. Menos materialistas, os eco-esquerdistas por sua vez sustentam que o Capital traria dentro de si uma potência maligna. A luta anticapitalista é outro nome para a cruzada dos cidadãos de bem contra a corja no poder. O processo do capital se expandiria não pela força das contradições de seu regime de acumulação, segundo a história e a geografia da luta de classe (Marx); mas por um ânimo inescrupuloso. Por meio da publicidade de massa, o capital mefistofélico atrai as almas simplórias e desinformadas. Seu encanto traga populações inteiras, ávidas pelo ouro de tolos, cativadas por vitrines, ídolos pop, merchãs de novela e mensagens subliminares. A sociedade de consumo arrasta o desejo para o aspecto objetal-alienado, e termina por conspurcar a bondade intrínseca, — seja do espírito humano, da natureza sacrossanta, da divina Gaia a que estamos integrados.

Quanto elitismo. Mas quem sou eu para pretender dirigir o desejo dos outros? que consciência é esta que me levaria a um entendimento mais profundo sobre a condição de existência e resistência de cada um, dos pobres, das raças e minorias?

Para que o capitalismo funcione, é preciso deixar que as pessoas desejem, e incentivá-las a querer mais. Menos a querer determinados objetos do que modos de vida, do que maneiras de se conectar, associar, enredar e maquinar objetos e sujeitos entre si. Um rendimento do desejo. A telenovela não vende somente uma marca de roupa, mas um mundo em que essa marca faz sentido e os sujeitos que consomem esse estilo existem ou podem vir a existir. O comercial de plano de saúde embute uma concepção de família, de bem estar, de segurança. A mulher da propaganda de cerveja precede a própria cerveja. Todo bom marqueteiro sabe como antes se deve criar o consumidor do que o produto a consumir-se. Num mercado diversificado, isto significa forjar mundos muitas vezes contraditórios e inconciliáveis, onde o consumidor é muitos. Como ser ao mesmo tempo a mãe do comercial de margarina e a vadia da cerveja? Só o desejo permite uma coisa dessas.

Portanto, a esquizofrenia capitalista repercute a potência infinita do querer e nesse sentido o capitalismo funciona deixando passar, canalizando os fluxos do desejo, para lhes extrair poder e dinheiro. O segredo do negócio está em animar desejo e consumo, uma operação primeiramente publicitária, mas igualmente política e ética. Reside em desenvolver aparelhos de captura capazes de cristalizar essas conexões e cadeias desejantes entre sujeitos e objetos parciais, moventes, em suma, conformar a atividade subjetiva maquinadora de mundos e formas de vida e entrecruzamentos deles, numa palavra: a subjetividade. Eis aí a grande sabedoria da classe capitalista: não se opor, negar ou moralizar o desejo, mas surfar na produção de subjetividade, na vida mesma, medi-la e vendê-la. O capitalismo não cai no maniqueísmo. Joga com o desejo e trapaceia. E a trapaça pode ser que funcione visto que as pessoas gostam de ser “enganadas” (porque no fundo não o são), jamais porque a carne é fraca. O bom e velho também quero!, que nenhum esquerdismo vai desenganar. E eis o porquê, possivelmente, do fracasso de todos os moralismos vermelhos ou verdes que já sucederam: lutam contra o desejo, uma luta derrotada de saída. Pretendem castrar com sucessivos você não pode querer isto ou aquilo, assim ou assado.

Se o socialismo real e o ecologismo catastrofista falharam e continuam falhando, quem sabe é porque buscam exigir das pessoas que desejem menos, que sejam mais ascetas. Opõem uma frágil consciência culpada à força invencível que move a natureza e a cultura em todas as suas dimensões. Ingenuidade ou outro tipo de engodo da classe dominante? O fato é que as pessoas estavam cansadas de prateleiras vazias, da disciplina “revolucionária”, da improdutividade. E não só porque queriam Hollywood, McDonald´s e dançar moonwalk, mas porque queriam poder querer. Queriam explorar o querer mesmo sem a moral puritana impregnada por todo o lugar.

O capitalismo é mesmo paradoxal. Se precisa e incentiva consumo, que é sobretudo uma questão de subjetividade, ele pode sair do controle. A canalização dos fluxos libidinais se desarranja pela própria natureza imprevisível e criativa do desejo. Nunca sabemos por que desertos errará o desejo em nós. Os mundos e formas de vida desbordam dos esquemas em que deveriam funcionar regulados pelo trabalho e a propriedade. Outros usos aparecem, outras maneiras mais libertas de produzir, compartilhar e viver bem. Sempre está pintando uma coisa nova, um jeitinho diferente. Não por acaso, as empresas não cessam de pesquisar esses novos usos, atrás de mercados pouco explorados. A exploração da música não entrou em crise junto com a indústria fonográfica, o modelo de negócio é que mudou.O capitalismo tenta se adaptar como pode. Isto não significa que, no final das contas, não haja escapatória para as garras do capital, num eterno jogo de gato e rato. Mas sim que a luta se dá por dentro do consumo mesmo, uma disputa de subjetividades antagônicas, luta de classe. É o que Deleuze e Guattari chamam de “máquinas de guerra revolucionária”, isto é, formações subjetivas de produzir e viver que escapam dos aparelhos de captura dos fluxos do desejo.

Isso tudo é muito político. Basta pensar como os pobres conseguem fazer muito com pouco. O máximo do mínimo, o luxo do lixo, a arte da rua. Como são criativos em reinventar os usos e a si mesmos, na relação social, na maneira com que cooperam e superam as dificuldades e constrangimentos. Por isso, a condição do pobre não pode ser colocada em segundo plano nas discussões sobre o consumo, como se não houvesse uma tremenda desigualdade socioambiental onde quer que olhemos. Se ele sempre quer mais, não é porque algo lhe falte e isso o exaspere. Não porque inveje o consumo de madame, a vida-lazer do playboy e da patricinha. Poucas coisas podem ser mais reacionárias do que dizer que o pobre quer ser igual ao rico, que, ao ter acesso à renda e consumo, elitize-se e embraqueça. O pobre quer mais porque pode mais, porque tem direito, e esse direito ele afirma e exerce quando se mobiliza, luta e resiste. Porque pode e quer devorar inclusive o rico, com toda a sua parafernália de consumos impotentes e subjetividades miseráveis, tudo isso que o define como rico em primeiro lugar. Consumir o consumo, como propunham Andy Warhol e Hélio Oiticica, só pode estar nessa libertação do desejo por dentro do consumo, plano de síntese do modo de produção capitalista e lugar em que se manifesta com premência a sua esquizofrenia. Assim o capitalismo radicaliza a sua crise, na luta de classe. Longe da paranoia de rico, a catástrofe passa a ser da classe capitalista, do próprio rico, pondo em xeque as estratégias de manipulação da falta e produção de miséria. Trata-se de acelerar o processo de consumo, intensivamente, do viver enquanto multiplicação real de sujeitos, objetos e seus arranjos produtivos plurívocos, sua floresta louca de possibilidades e travessias.

A genuína invectiva revolucionária é consumir mais, sempre mais, muito mais.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Meus bichos papões

Sabe aqueles dias em que o mal estar da civilização te ataca e um enorme medo da morte e da crueldade do ser humano te assoma? Estou assim a alguns dias. Após deparar-me com a imagem de um homem esfaqueado, no facebook, um suposto estuprador, linchado e morto, eis que a maldita imagem e todas as demais a que ela me remeteu, Sodoma e Gomorra, corpos esfarelados no asfalto, etc, não consigo dormir direito. 

Sim, sou uma pessoa impressionada. Não assisto à filmes de terror, evito ao máximo ver noticiários, dei a minha televisão. Não quero ver o que não posso intervir. À mim já embrulha ao estomago os relatos sobre a guerra civil na Síria. Que dirá surpreender-me com a foto de um ser humano morto, com milhões de facas aterradas ao corpo?  E, ainda por cima, ir dormir e olhar para o meu filho sabendo que nem eu conseguirei salvá-lo de toda essa nojeira e nem mesmo a mim? Uma sensação horrível e perturbadora. 

Mas, eis que, novamente, ligo o meu notebook e vejo um texto, diarístico, com uma música do Jonh Lenon e, por alguns minutos, após todos esses dias, um alívio. A arte, o humor, são o inverso da morte. Talvez, seja isso. Tão simples e tão necessário.

Deixo a música e um abraço, posto que o amor é o inverso da solidão.   E acho que ultimamente ando precisando de uns abraços...rsrs!



segunda-feira, 23 de julho de 2012

INICIAÇÃO

Primeiro,

o abandono dos sapatos.

Os pés nus, 

e a descoberta íntima do chão.

Entender o mundo pelo tato,

e experimentar a firmeza da vida 

pelos pés desprotegidos de seus medos.

Depois, no solo desnudo de cimento,

acariciar a terra

e nela reencontrar,

íntima de mim,

os meus pés e o meu firmamento.

Já arraigada,  por fim,

redescobrir o corpo

de suas inúteis cobertas.

Olhar por entre as vendas desses panos,

o que do olhar acoberta.

Devolver ao mundo,

os sapatos apertados,

os passos rasgados, 

e as cicatrizes 

que suas roupas escondiam

enquanto não tinha coragem de me despir.   

segunda-feira, 16 de julho de 2012

MULHER 2

No farelo do espelho,

um corpo em retalhos,

no retrato esmigalhado,

entre cacos de reflexo, 

avisto, 

às avessas e embaçada,

nas frestas de meus olhos,

uma mulher.


À espreita,

inesperada mesmo de mim,

bicos de seios,

uns lábios lambuzados,

um dorso em segredo 

(desejo silenciado),


Eu. Mulher. 


Entre migalhas e reflexos,

cacos de desejos, 

e retalhos espelhados,

o olho vê

nas frestas de meu sexo,

pelos segredos de seus lábios,

no toque de meu dorso,

em seus olhos nos meus seios,

Eu, mulher.


Pela fresta de meu corpo,

no segredo de seu dorso,

Pelo bico de seu sexo,

e os olhos em desejo,

inesperada mesmo de mim,


nítida e alinhavada,

no avesso do avesso da vista,

uma menina morre. 


E uma mulher se olha ao espelho. 

domingo, 8 de julho de 2012

ESCULTURA

Os olhos, 

a marreta.

As mãos,

amarretas.

Escultora do próprio esculpir.  


Não ter ao certo se primeiro

são as mãos, ou os olhos.

Com as mãos, 

os olhos, 

com os olhos, 

o destroçar das linhas das mãos. 


Depois, 

redesenhar as torçuras abaixo da cintura:

o desalinho do Entre o Linho,

ninho e desejo,

o tropeço das pernas,

o  tombo dos pés, 

passos  em coreografia de criança, 

tortos telúricos labirintos de música silenciosa.


Por fim,

arrematar os olhos ao seu lugar:


Escultora cega, 

Escultura nua de mim.  

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Embaraço no peito

A vida na berlinda.

Rima melindra,

síntese tímida,

do temor que não rima,

mas bate em meu peito.

 

No meu destino, mora um saci.