terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sobre quem eu sou parte II: a festa...

Sobre quem eu sou parte II: a festa...

Seria mais uma dessas comemorações familiares não fossem as idéias. Há muitos meses que não via meus tios por parte de mãe e o casamento de minha tia caçula finalmente conseguiu reunir a todos. O ponto de encontro era a casa de minha avó, Dona Joaquina, matriarca de seis filhos os quais criou sozinha, com muito sacrifício e muita dificuldade. Dos sete, apenas um não estava presente por motivo de desaparecimento a mais de dez anos – doença mental. Todos os demais estavam lá, presentes, unidos, cheios de filhos e netos a correr pela rua pela falta de espaço na pequena casa de minha avó. Três de seus cinco filhos presentes moram na casa de sua mãe, casa esta obtida na época do Governo Quércia, em lotes de pequeníssimas casas muitíssimo afastadas dos centros e que abrigariam famílias de grandes proporções as quais, com o tempo, fariam desses locais, sobrados mal planejados, puxadinhos, reformas das mais diversas, tendo em vista que em seu formato original não os caberiam de maneira alguma.

Apesar das melhoras nos transportes públicos da região leste de São Paulo, muitos dos convidados tiveram de esperar o ônibus por uma hora a fio para garantir presença na comemoração. Os ônibus têm maior freqüência durante a semana, nos dias “úteis” em que trabalhadores que moram na “extrema-periferia” atravessam a cidade por salários modestos e algum utensílio de conforto em seus lares. E têm toda a razão: somente em seus lares têm a possibilidade de nos “dias- inúteis” terem algum conforto, não serem empurrados, pisoteados, ou esperarem por um transporte público que por essa lógica maluca só serve para servir ao que é privado – somente ao trabalho.  E foi assim que,  após duas horas de metrô lotado (Butantã – Itaquera) e a carona de minha mãe a me pegar na Estação Corinthians Itaquera, que chegamos à casa que seria ponto de encontro para o churrasco. O salão ficava na rua ao lado onde somente após a chegada de todos iríamos seguir a pé.

Enquanto o momento de partir não alcançava, crianças que não mais reconhecia as feições me cumprimentavam e esclareciam a esta persona non grata serem meus primos. Uma tia avó questionava à minha avó se o pai de meu filho “me ajudava” com algo para a criança e eu a conhecer o mais novo andar da casa dos fundos, construído pelo marido de minha tia. Tia Elizete, a noiva, é uma dessas mulheres, ou melhor, é A mulher de personalidade forte, fala direta e sincera, de uma beleza que os homens querem, mas que não teve muita sorte no amor até então.  Mãe de quatro filhos e apesar disto com pouca paciência pra crianças, sempre investiu todas as suas energias nos amores de sua vida e sempre foi muito criticada por sua mãe por conta disso. O novo marido, o único “marido mesmo”, de papel passado foi mais uma de suas ousadias em uma família branca, de loiros de olhos azuis e que olhava pessoas negras assim, meio de lado.  Negro, orgulhoso, sorridente e de fala extrovertida, Genésio conseguiu sucesso financeiro por sua competência extrema como chefe de obras. Apesar disso, construiu a nova casa, a nova vida, na “extrema periferia” de São Paulo, pois lá é feliz e pretende seguir sua nova história.

O salão era um segundo andar construído acima de uma das casas do tipo descrito acima em que havia uma churrasqueira, muita carne, pães, cerveja à vontade e uma família que veio do nordeste e que conseguiu construir uma história acima de tudo de união. 

Entre uma conversa e outra, meu primo de 17 anos senta-se para falar comigo e perguntar de minha irmã, com quem tem muito mais contato. Conversa vai, conversa vem, perguntas sobre o que faço, o que tanto estudo (oito anos de graduação é difícil de explicar) e eu o questiono sobre o futuro. A resposta, porém, é simples e pragmática: “vou trabalhar na loja com meu pai. Já estou dentro, montando móveis, só preciso estar mais perto dele, do trabalho dele”. E os estudos, pergunta a prima estudiosa: “mal sei falar e ler direito, não vai dar certo”. Também na mesma conversa, me pôs a saber  que os montadores de móveis da loja de seu pai ganham melhor do que eu. Devo esclarecer que isso em nada fere meu orgulho, mas me deixa um tanto quanto invejosa por não saber o oficio.

Durante a comilança e as conversas de mulheres de nossa mesa, Genésio me aborda e diz que quer me apresentar a um amigo. A pessoa em questão, ou melhor, a família em questão, era a de seu melhor amigo, amigo de toda a vida e a quem fui escolhida para apresentação por ser, segundo ele, alguém passível de muita admiração. Durante nossa conversa, Genésio me contou que fui apresentada por ser uma “intelectual”. Fui apresentada ao melhor amigo de toda sua vida por ser “A intelectual”.  

E como não ser “A intelectual” com todas as observações estereotipadas e com esse tipo de texto tão distanciado? Que a tudo observa como se não fizesse parte? A intelectual que foi morar no bairro nobre de São Paulo? A mesma que tem um falar tão diverso daquela família. Palavras que distanciam... Que escondem. Esconderam de mim também, como se a V.Y de sempre tivesse irreversivelmente morta.

Ao mesmo tempo, não consigo mais me lembrar a quanto tempo eu não me sentia tão à vontade: tão em casa!  Era como se finalmente, eu estivesse entre os meus...

Em tempo! Devo confessar  um arrependimento: não ter jamais cursado marcenaria...rsrs!  

             

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Meu bicho papão imaginário

Conta-se entre tantas experiências ligadas a infância de alguém, a fase em que a criança inventa um amigo imaginário e em todas as suas experiências partilha com o tal amigo os acontecidos e as brincadeiras. Conta-se também, desta fase da vida, sobre o medo do bicho papão ao apagar das luzes à hora de dormir. Em ambos os casos, o Tempo exerce enorme bondade   e leva tais medos consigo no caminhar dos dias (ou os troca por outros!). Porém a mim, este senhor das horas parece ter escolhido para um pregar de peça. Nem cultivei o amigo imaginário, nem matei meu bicho papão. Ao contrário: adquiri um bicho papão imaginário. Dos mais maldosos que se poderia inventar, este noturno “companheiro” em voz cínica e ensurdecedora vive a tirar-me o sono com uma simples palavrinha: incompetência.   Você é incompetente, ele me diz. Você é insegura e por isso é incompetente, argumenta. O maldito até conseguiu operar boas mudanças em meu comportamento. Passei a ser pontual, acordar cedo, ser mais organizada... Mas... Como eu disse, temos aqui um bicho papão e não um amigo imaginário crítico.  Certa vez Satre levantou a importância em alguém ter projetos, ou a opção de ter projetos para sua vida. Estar envolvido em um projeto pessoal.  

E o que acontece quando estamos fora da escolha? Acontece perdição. Pra onde ir quando parece estar no lugar errado, com as pessoas erradas, na hora errada? Eu vos digo: achamo-nos O Erro. Não saber se o otimismo alheio é que é besta, ou se eu é que sou invejosa da competência alheia.  Não saber se sou insegura, ou se o que classifico como atitude segura é sancionada por outros como violência/indolência. A perdição de todos os limites da justa medida. A paralisia das idéias.

Sigo assim alçada de qualquer tipo de projeção de futuro. E toda noite meu bicho papão imaginário. A molestar-me, a colocar toda a fragilidade humana exposta a meus olhos. Toda a fragilidade que tanto me esforço em esquecer quando a luz do dia e o barulho dos carros competentemente cumprem sua importante finalidade: ensurdecerem-me ao que realmente  me é humano.  Às vezes, me questiono se tais questões são o que me paralisam, ou o que realmente deveriam me mover. Se os demais fingem não temerem tais angustias, ou se realmente não as tem... Infelizmente, só o bondoso Tempo poderá me ajudar no diálogo com o meu bicho papão.     

 

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A confusa Senhorita D.

Olá querido diário, a quantas anda?

A esta que vos escreve as coisas não andam, tropeçam. Mil coisas a dizer e ainda sim, não saber como. E o que me trouxe aqui hoje? Uma enorme necessidade de dispersão.

Após três longos meses da creche de meu filho em greve, dívidas, dúvidas, trabalho, estágio da faculdade e toda sorte de imprevistos, heis que volto à arena: desisti de organizar minhas deslumbrações. Por esse período, passaram em meu socorro, ou para me apunhalar de vez, as leituras de Hilda Hilst, a obscena Senhora D. (duas vezes) , e no momento, o diário de Anais Nin, Henry e June. O que isto tem a ver?  Que coinscidentemente, ou como se diz por aí, por fraqueza de espírito, nunca estive tão próxima da sensação de me ver em espelho enquanto lia um livro. Em especial, pelo primeiro. Senhora D, de derrelição, desamparo, é um dos livros mais fortes que li em toda minha vida.

Quem sabe por ter sido um período de inferno astral (rsrs!) a sensação de desamparo descrita no livro e vivida em meus dias acasalaram-se como dois amantes. Assim como a protagonista, a Senhora D, o mundo parece ter adquirido dimensões infinitas, esmagadoras, e eu tão pequena a divagar por  locais que não me pertecem. Uma eterna estrangeira em terra própria.

Algo em mim está em grande mudança e só o que sei é que dói.  Espero que seja uma dor necessária.

O que acontece é que de uma hora pra outra eu me sinto uma hóspede do mundo, uma desterrada nata. Maltida reflexão a esfregar em minha fuça a casa onde sou a inquilina indesejada, o trabalho alheio ao meu conhecimento, o lazer fugitivo.  A faculdade em que sou um incomôdo, o Sindicato que despreza minhas necessidades, a Universidade a quem crê que me fazer benevolência. A família cuidando de sua vida. Na época, um amor que só cuidava de si (algo que enfim mudou).  A melhor amiga do outro lado do Oceano,  a outra do do outro lado da cidade, casada. No meio disso tudo, o filho, as contas, todas as más noticias dos jornais.

Lembranças....Meus país e eu passamos toda minha infância e juventude morando nos cômodos da frente da casa de minha avó paterna. Coisas boas - vó a todo momento a cuidar de mim - coisas ruins - vó a todo momento se interferindo no casamento de meus país - o fato é que parece que em mim criou-se um sentimento crônico de “estar incomodando”. Ainda é fresco em minha memória a frase tantas vezes repetida: vocês moram aqui de favor e nem sequer pagam IPTU.  Com o nascimento de Gabriel, tornei-me novamente uma “devedora de IPTU”: “você poderia deixar seu filho com sua mãe”. Isso foi o que as assistentes sociais disseram em “meu apoio” assim que minhas necessidades tornaram-se incomôdas.

 Debati, bati e endureci. Mas não o suficiente, eu sei.

Acumulo. Aos poucos vejo um quadro com somas, de todos os lados e, em todas as situações, a minha fraqueza. O jogar na cara de minha mãe em pegar o Gabriel a cada 15 dias (não mais!), o favor da babá em cuidar dele. O favor de o Sintusp ter “lutado” pela creche a qual ele fecha por três meses todos os anos. O favor do namorado em conviver com minha ausência. 

Favores, sempre a dever favores...E aquela sensação de que não importava o quanto pague, enquanto eu depender  de qualquer favor, ou mesmo serviço, ainda sim serei cobrada. Mas é impossível estar só o tempo todo. Limites. Como impor limites do alto de meus castelos de areia?

Total geral dos últimos meses: desamparo.

Total parcial: Preciso urgentimente aprender a ser só com os outros. E a ser feliz assim.

Total inicial: Enquanto não sair deste novelo de medos em que me enredei, não haverá ninguém que ouvirá tudo o que tenho a dizer e o pior: não conseguirei me mover.   Talvez também seja necessário admitir que preciso de ajuda para isso.

Sim, sim, está tudo muito vago. Deixa assim! Já, já organizo!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Derrelição




Paulista, 702/10 U, chaqualhadas, dor de cabeça. Porque raios tenho tanta dor de cabeça?! Maltido corpo doidor!!!

Seria o vinho? Minha boca adormecida...só poderia ter sido o vinho. Quantas vezes teria eu bebido nos últimos dias?: Energético com wiskey no sábado, cervejada na segunda, taça de vinho na terça, mais vinho na quarta.

Óbvia ignorada dor de cabeça a latejar meus miolos! Eu sei que não sou alcoolotra - Superego ativado: “apenas idiossincrasia de acontecimentos. Casamento, aniversário, café da livraria, jantar com meu amor.”

Mas, por outro lado, não posso negar que o anestésico me seduz. Euforia e anestesia...Aquela taça de vinho diante deste mundo estúpido é quase um atentado ao pudor!!!  Gostosura serena estar alcoolizada. 

Esquecer e lembrar...e a vida balança num balaio de nenem.  Para cá, para lá... Debussy...

Eu estava na festa de casamento e um amigo non-sence encostou a câmera fotográfica quase no meu nariz. Foto mais esquisita que eu já vi. Realmente minha amiga tinha razão: eu sou feita de pele, ossos, cabelos e olhos. E mesmo após a “tiração de sarro”, não é que só então percebi que tenho uns olhos enormes? Em 25 anos de vida, nunca havia reparado nisto! Olhos enormes. Como as pessoas conseguem olhar para mim com esses olhos tão grandes? Teriam perdido seu medo do lobo mau? Eu lavei o rosto e aquele vinho deixava meus olhos ainda maiores dentro do espelho. E se quando eu desligar a luz de meu quarto e fechar os olhos, essas duas coisas redondas, grandes, verdes e olhadoras se abrirem dentro de mim? E eu for devorada por este lobo mau, como foi chapezinho? (Não dormir de touca vermelha, anotar na agenda assim que acordar).

Eu não tenho agenda. Fui amaldicioda pela praga dos alejados de agenda. Um dia, virá um sapo de olhos pequenos, arrancará meus olhos grandes com sua lingua fina e comprida e eu passarei a usar agendas. Mas o fato é que sem agendas e sem sapos, ando a dormir com lobos de olhos grandes, invasivos e ridicularizadores.

Dureza, durificação, durificar: qual a medida entre a dureza e a violência? Entre o medo e a coragem? Entre a prudência e a covardia? Durificação da alma. Ser ou não ser, sábio Shakeaspeare! E no escuro os questionamentos baratos e de jingle repetido parecem desadormesserem furiosos: Até quando suportarás o peso do mundo, hein senhorita olhos de lobo?

Pausa!

A questão, entretanto, é bem simples: esse peso do mundo em meus ombros seria sinal de coragem ou covardia? Até que ponto o trabalho, o filho, o namorado me pesam, ou me aliviam? Dentro do que é possível, a quem entregar o que há de melhor em mim: o meu tempo e o meu bem querer? O Tempo. Se fosse escrito com letra maiúscula, talvez a humanidade fosse finalmente ética e feliz. O Tempo e sua boca de lobo, mãos de criança. Carnificação molestadora de nossos sentimentos, desescultor de corpos.

Mas “Resta ainda esse coração que queima como o Círio...” Sábio Vinicios a salvar minhas tardes! Cretino seja esse ar condicionado a esfriar corações que queimam como Círios e que não sabem usar Excel!

Vaguidão? Que se Danem as explicações!!! Espero mesmo que ninguém entenda nada meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeesmo! “O essencial é invisivel aos olhos...”

Apenas um registro de uma raiva besta diante desta vida besta, destas horas bestas empenhadas em coisas bestas que me chupam do que realmente é importante. 

 

*[...]  Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

 

Trecho de Os ombros suportam o mundo, Carlos Drummond de Andrade (grifos meus)




terça-feira, 20 de abril de 2010

Maldito Marx!!!


Ócio. Tédio. A dúvida é inevitável: caralho, porque não posso aproveitar esse tempo dormindo?!?!?! Afinal,  dormir é só o que desejo nos últimos tempos.

O dia está lindo lá fora e eu deveria ter vontade de viver o que está lá. Mas penso na trabalheira disso e a vontade em estar no aconchego de minha cama retorna. Viver é coisa de uma trabalheira, né?! Tantas coisas a fazer e sempre parece assim: ter sempre algo em atraso a fazer.

Em meio a este estado anestésico e incômodo resolvi perambular por algum dos milhões de blogs que tenho em meus favoritos do Explorer e não é que caio em um maldito texto sobre a teoria marxista?!

 

O mundo só existe para o animal como deglutição, consumo, objeto de desgaste e destruição – a busca da repetição incessante desse mundo faz da sobrevivência seu campo de realização.

 

Só o homo sapiens sabe que vai morrer. Então, para ele, não faz nenhum sentido que o mundo seja apenas a incessante repetição da busca por comer e copular. Ele não pode mais deixar que lhe passe com indiferença a existência que lhe resta: só quem tem consciência da proximidade crescente da morte é capaz de estabelecer a vida como sua esfera de existência.

 

O homem inventa o arco e a flecha para não ter que passar o resto da vida correndo sem parar atrás da comida. Ele precisa cantar, dançar, brincar, conversar, inventar, imaginar, pensar, em suma, ele precisa transformar o mundo de maneira que deixe de meramente sobreviver e passe a viver. Ele precisa fazer do mundo um lugar bonito, musical, gostoso e aconchegante onde ele não precise mais brigar por comida, onde ele possa encontrar seus amigos e mostrar para eles seus inventos, danças, músicas, pensamentos, brincadeiras e conhecer o que seus amigos têm de novo, para que, juntos, possam transformar novamente o mundo num lugar onde tudo isso possa se realizar.

 

No blog em que recolhi o exerto acima– Café Moçambique, alegam ser o texto anonimo. É claro que, como já iniciada na teoria marxista e em um monte de outras tantas, não deveria haver qualquer espanto, ou estranhase na leitura deste tipo de texto. Mas como não pensar no estado de prostração a que me confinei nos últimos tempos? Eu trabalho para viver, mas vem final de semana, vem feriado, vem férias e só o que quero é dormir?

Resolvi voltar a escrever. Nem que seja qualquer coisa. Q.U.A.L.Q.U.E.R C.O.I.S.A! Este cérebro, estas ansiedades, todas as trivialidades que esta caichola habitam necessitam voltar a serem registradas: preciso de uma prova cabal de que ainda estou viva... 

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Da solidão necessária (e inevitável)


Há quem defenda que a condição humana é a da dependência em relação ao outro. A de nunca estar só. Mas, talvez em decorrência de tantas chuvas e de uma solidão eterna que em mim parece enraizar-se com o passar do tempo (quem sabe como o mato que prospera com a chuva), enxergo que grande parte de meus medos, covardias e erros venham da negação furiosa que opero para esquivarme de uma condição primeira: a solidão necessária da condição de existir. Não sei isso acomete a todos, mas acredito que, mesmo em parte, sim: quem nunca invejou de forma incestuosa as decisões alheias? Quem nunca sonhou com ter a seu serviço uma espécie de gênio que viesse aos ouvidos e lhe revelasse a escolha certa em uma situação difícil? Um gênio que lhe tomasse o corpo, como quem toma uma marionete e que o “fizesse fazer”? Somos absolutamente solitários em nossas decisões, em nossas responsabilidades e em nossas dores. Há a possibilidade de culparmos a outros, e os culpados podem mesmo existir. Porém, em uma reflexão sincera e franca junto ao travesseiro será difícil nos exirmimos de nossa cumplicidade a nossos algozes. A condição solitária fica ainda mais evidente se pensarmos em nossas dores. A quem confessar a raiva infantil e os desejos bobos que a provocou? A quem partilhar a amargura ainda doída do que tivemos de passar por cima? É claro que a “vaguidão” de tantas perguntas tem origem mesma na solidão do que tenho de guardar e que talvez contextualizasse melhor tanta inquietação.  Por outro lado, posso compartilhar o que ando a observar em mim e nos que vivem ao meu redor. O que anda a despertar o meu interesse, tanto em minhas atitudades, quanto nas atitudes de quem amo, ou mesmo de quem odeio, é o medo. Quantas paixões amputadas, violências, durezas, futilidades, passividade acompanham a sofreguidão de nos entregarmos as decisões alheias e paradoxalmente, em não admitirmos a dependencia que temos do amor alheio?  O medo que azeda tudo. Explico. Acredito que por não ser suportável a nossa condição solitária, amamos. Enquanto estamos junto ao ser amado, nos sentimos protegidos de nossa condição. Ao mesmo tempo, podemos ou, nos viciar nisso, e nos tornarmos “escravos do outro”, nos rebaixando inteiramente as suas vontades. O contrário também é possível e, a fim de demonstrarmos a nós mesmos nossa “racionalidade” e distanciamento, passamos a depreciar e ignorar o ser amado, ou a qualquer um que ouse expor nossas fragilidades. Um exemplo disso é o que acontecia quando ainda não era mãee e dizia que tinha medo de crianças. Isso porque, muitas delas, ao se depararem com minha deficiência, eram categóricas: “você é feia!”. Por muito tempo, creio, tive medo de acreditar nisso. Então, preferia manter-me distante a fim de não odiar-me. Com o tempo, essa questão foi se resolvendo em mim e consequentemente, perdi o medo dos pequenos. Embora reflexões exparsas e com pouca maturidade para descrever o que exatamente gostaria de escrever, nestes últimos meses ando a sentir o peso do que  chamo aqui de condição solitária da existência. Ser ou não ser dizia Shakeaspeare e ele tinha razão: decidir é realmente angustiante. Condição paradoxal a de apenas nos completarmos no outro e pelo outro e ao mesmo tempo sermos  os únicos a termos o leme de nossas decisões – dentro de um quadro de opções. A coragem em dizer sim e em dizer não às aproximações à subjetidade alheia. Aprender a diferenciar “estar só” e “ser só”.  Por esses dias, em conversa com meus botões, pensava em uma “mania feia” que insisto em repetir: contar tudo de minha vida de maneira descontrolada. Colocando de lado o caráter narcisico desta mania, percebi que expunha-me descontroladamento por algo além do que a necessidade de falar sobre mim. Não sou eu geralmente quem inícia assuntos em que a minha vida seja o tema princípal (ao menos não na maioria dos casos). Por algum motivo que desconheço, as pessoas com quem tenho contato têm uma curiosidade enorme sobre minha vida. Nada de mal até aí, se essas “curiosidades” não fossem geralmente invasivas e de intenções duvidosas. Geralmente estão a especular a “exoticidade” de minhas atitudades frente a minha condição de pessoa que tem deficiência – namorar, ter filho, sair à noite, etc. Mas o que eu realmente ando a me perguntar é o porquê eu tão solicitamente respondo em pormenores a esse tipo de interlocutor? Por que sinto-me tão impelida a prestar contas de minhas atitudes? A condição de existir é de solidão e eu acrescentaria, dentro de uma enorme contradição que não sei resolver, amor. Eu sou uma viciada da aprovação alheia. Um carência estranha que de fundo esconde uma enorme covardia em frustrar expectativas alheias são (ou assim acredito) alicerssam essa compulsividade em expor-me tão desprotegidamente.   Um dia, quem sabe, eu consiga resolver todas as contradições desse desabafo. Até lá, é ter paciência com a vida que, mal criada, opera suas  mudanças somente a conta gotas...                   

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sobre quem sou...

Já faz dois anos que ela se foi e tudo o que representou , em presença e em ausência, nunca foi escrito por mim até agora. Procrastinação, medo e imaturidade resumiriam bem o meu silêncio...

Essa “ela” de quem contarei hoje é Dona Maria Lourdes Gonçalves, minha avó paterna. Mulher nascida no interior de São Paulo em 1925, Batatais, foi criada por sua mãe sozinha, pois perdeu seu pai ainda com dois anos de idade. Teve mais quatro irmãos, dois dos quais eu conheci. Os outros dois morreram, um aos seis anos de idade e outro na juventude, afogado na piscina do Club Nitro Química Irei deter-me na primeira morte apenas ao final deste texto. Morreu aos 82 anos após um AVC durante um tratamento para cura de um Câncer. Essa caipira corajosa e disciplina foi, junto com meus pais, a pessoa que “me criou” e graças a quem sou o que sou. Mas não é apenas um escrito de homenagem o que me traz novamente à essa arena...

O silêncio “significa”. E não apenas: é um verbo com objeto direto - silenciar alguém. No texto passado, discuti a função do sentido para o aprendizado e desconstrução de ideologias em nossa subjetividade. Não sei se consegui imprimir força suficiente para os perigos de uma cegueira em relação a alguns sentidos, mas, talvez, na corporização do que isso pode levar consiga ser, se não mais clara, mais palpável. O que me traz aqui é o grande incômodo em tardiamente ter percebido o que fiz: eu passei boa parte de minha adolescência e fase adulta a perfidamente silenciar a minha avó.

Dona Lourdes foi uma grande contadora de histórias. Das histórias de sua vida. Conforme foi envelhecendo, parecia mais querer falar. E falava. Mas, mal sabia ela, falava só...Passei minha infância em companhia de minha avó. Eu fui sua principal interlocutora e sua principal “emudecedora”. Explicarei com algumas perguntas e conclusões que tanto demorei a delinear. O que acontece quando quem tanto amamos passa a nos irritar veementemente? E o que deve acontecer quando quem tanto amamos e a quem tanto nos dedicamos passa a nos ignorar ferozmente?

Violência. É isso o que acontece. Há vários tipos e modos de violência. Algumas são mais óbvias em nossa cultura. Mas o espectro é grande o suficiente para não enxergarmos certas nuances. A família é um trator de subjetividades. O tempo todo na defensiva, a querer salvar nossas identidades e, conseqüentemente, a passar por cima das demais. É no ambiente familiar, neste ambiente de amor - e ódio - que parece estarmos mais vulneráveis e mais ferozes com outros indivíduos A promiscuidade da evasão e da invasão de nossas subjetividades em um ambiente transpassado por uma sociedade em que a voz do velho e da criança são caracterizadas pela irrelevância e pela imprudência, não poderia gerar senão, violência. Em minha casa não foi diferente. E tudo que é sólido se desmancha com o ar...
Em 2008 minha avó veio a falecer após um ano inteiro de dor, medo e indiferença de muitos dos que tanto amou. Seus filhos “não tinham mais paciência” para ouvi-la. Uma de suas netas que também foi criada por ela apenas a ajudava quando tinha vontade. Eu, também por conta da gravidez, não conseguia ouvi-la sem descordar e talvez, as únicas que não a desqualificou foram minhas primas. Quem sabe, por terem morado muito tempo fora do país, a elas, as histórias de Dona Lourdes não enfastiavam. Quando somos crianças, achamos que para sempre teremos nossos pais. Eles são fortes, sábios e sempre nos salvam de tudo. Acho que crescemos e essa idéia não nos deixa de todo. Eu tinha toda a eternidade para ouvi-la, então porque fazer isso naquele momento? Muito mais importante ler teóricos, filósofos, jornais, revistas, “gente jovem” “sem idéias passadas e de pouca utilidade em nosso contexto”.

Eu teria de ler um pouco mais, ou ouvir um pouco mais. Mas o que sei é que de algum modo, Walter Benjamin tinha razão. Não temos mais paciência para narrativas reais. Deixamos folhas de papel e giga bytes nos substituir. A palavra, que voa com o vento, mas que mais força chega ao coração está em baixa no mercado. Eu leio para me tornar “uma pessoa melhor”, mas o que eu pareço ter esquecido – e não só eu - é que de nada servirá “ser” se o tempo se encarregará de calar esse “conhecimento” adquirido sob o rótulo da velhice. Talvez seja preciso, de uma vez por todas, parar de nos embasbacar com a legitimidade dada à escrita e voltar a “ouvir conselhos e histórias de vida”.

Por estes dias, em um conflito que tive com meu filho, percebi que repetia os mesmos erros de minha mãe. Eu os repetia mecanicamente. Daí que percebi além dos erros, muito do que eu negava de seus conselhos, não passavam de pura birra e dos defeitos que lhe atribuo, pura demagogia, pois os repetia tal qual ela. Somos também e fortemente quem convivemos. Se tudo o que estudamos, nos enfeitamos e nos gabamos nada mais é do que ferramentas de nossos desejos, o desejo pelo outro, somos sim, como nossos pais. E enquanto não estivermos atentos a isso, corremos sério risco de termos em nosso destino o mesmo que dei a minha avó: o silêncio. Violentamente, o silêncio. Substituídos por qualquer palavra socialmente – pelo senso comum – legitimada. Por qualquer palavra morta sem afeto...

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“Lurdinha” tinha ainda dois anos, quando seu irmãozinho de seis, ficou muito doente: intestino preso. O menino não conseguia ir ao banheiro e a situação cada vez mais se só se agravava.

Lourdes e seus irmãos moravam na roça, em um sítio pobre, mas que tinha algumas mangueiras. Manga era a fruta predileta do irmão de Lourdes.

Os dias passavam e o menino ficava cada vez pior, até que sua mãe, finalmente, resolveu levá-lo para o Hospital, na cidade. Mas o trem que os levariam só passava pela manhã e sem outro meio de transporte disponível, teriam de esperar.

“Manga prende o intestino” diz o medicina popular e também a mãe de Lourdes ao seu irmãozinho. Mas o menino não largava a saborosa fruta à espera do momento em que, por fim, pudesse dar uma dentada daquelas na em sua suculenta manguinha.

Quase pela manhã, já desfalecido pelas dores de barriga, mas ainda com a manga nas mãos, o menino não agüentou Um outro trem passou primeiro e o levou. Um mais rápido e menos cruel. E o menino se foi, levando a manga nas mãos...

Conta minha avó que em cima de sua sepultura, um tempo depois, nasceu sem que ninguém ali plantasse, um lírio branco que nunca morria, apesar das todas as pragas e do mau tempo.

 


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Um, dois, três, testanto!

Ano novo, vida nova, já diz o ditado popular. Então, para dar um empurraozinho nos posts deste ano, vamos mudar esta cara amassada e ver se exercitamos essas idéias enrrugadas...Nova cara e nova casa também! Replicarei (mais um projeto infálivel?) o conteúdo deste diário também em www.yaritcha.wordpress.com. Vamos ver no que dá!