sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Nós - preparação para o dia 21

Nós - preparação para o dia 21
Haverá o dia em que
serei
como uma de nós,
E não mais o meu e o seu corpo
terra colonizada
refugiadas de nossa inegociável humanidade
Não mais!
E não mais perguntas que não querem saber o que nos questionam
blablabla retóricas
apenas
fazer de nós mero espelho
de seus próprios egos ególatras
refletores de seus próprios anseios
tensos receios
Não mais!
E não mais apenas um buraco e um par de seios
mas
nós
inteiras
para além de um conceito encurraladas
bucetas
Eu sei!
Esse dia chegará!
E nele:
memórias
mamilos
pelos
pés
pubis
assopros
cantos
penas sob a pele
silêncios
o tempo sempre infinito e em gotejo
labirintos inteiros
experimentados naquilo que têm de nervos
inesperados firmamentos
a nossa cor finalmente nomeada sob face das águas
liquido vermelho
E eu
de mãos dadas
com outras como eu
nós!
Saberemos
que nosso olhar
nesse dia
será direto e certeiro
pois
o medo não nos vigiará
e senhoras de nossa história
escreveremos
esse outro dia,
só que no passado,
o dia em que
limpamos a menstruação caida pelo chão
ainda com nojo e receio
pois ela nada representava
e nós doíamos
doíamos
doíamos
ai!
solitárias
rasuradas em vermelhos aguados à força
por roseados esbranquiamentos
e em que sangrar era sinal
de palavra dita
em abafada ressonância
caso não
apenas
“a de uma histérica
louca
exagerada!”
Não mais!
Nesse dia em diante
sempre
e sempre
re-citadas
somente entre aspas
E como verdades?
Não mais!
E escreveremos com essa mesma menstruação
por pura naturalidade
nossas canções, nossos cálculos
nossa sonoridade
o desenho curvo de nosso rosto
o macio exuberante de nosso cabelo crespo
e tudo aquilo o que por segundos
ainda se acumule estanque
por segundos…
por séculos?
Não mais!
E o que em nosso útero se animou
teso e suspenso
será
o inicio realmente de uma nova história
sempre nossa
NOSSA!
e ditas por nós
com potência e alcance
VOZ!!!
E eles conversarão com alguma de nós
como quem espera encontrar
uma novidade
e se eu, como uma nós, contar a um deles minhas histórias
ele as ouvirás
E se eu, como uma de nós, falar de dor
ele se calará
e se eu me calar, como uma de nós,
ele me questionará
preocupado
pois
o seu silêncio e abraço e questionamento
serão realmente sinceros
não haverá mais
intermediadores de afetos
E o leite que escorrer de meu seio, como uma de nós,
não será
indicio de desamparo ou abandono
ou o abafamento do meu choro no chuveiro
será apenas o que realmente é:
alimento.
e olharei às outras como eu, nós, e saberei que se o medo do passado ainda me afligir
posso buscar-lhes a força
pois ele
nem nenhum dos dele
nos terá
colocado em rixa ainda que nos saiba como iguais
Frida e sua irmã…
não mais!
galos de rinha
capitães do mato
bruxas que se incendeiam
inquisidoras de seu próprio gozo?
Não mais!
E nesse dia
eu sentarei com Outras como eu
fortes
ágeis
desfragmentadas
mosaicos finalmente perfeitos
e escreveremos
“não como quem se ajoelha,
mas como quem escapa da prisão"*
citaremos OUTRAS
como nós
e o sangue que escorrer de nossas pernas
cairá na terra e nas folhas sobre a terra
e nascerá um poema
para ser lido de mãos dadas
com essa Outra eu, como nós.
para um sentido novo.
Esse dia será hoje
E tudo voltará a fazer
sentido
SENTINDO.
E de nossa própria menstruação
Renasceremos.
*poeta Anna Akhmátova


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

a Outra

Eu queria ser Aquela 
que não se rende pelo que se apega
E nem cede enquanto se entrega
Aquela que nunca se queira em comparação  com Esta
E que nunca mede o próprio corpo pelo que falta 
e sim pelo que reverbera
Inteira
a Outra
A que constrói sua jornada em moradas de tatuados azulejos
Inteiros
Lisos, ordenados e belos no que em exatos se fazem 
nos pequenos e delicados detalhes de seus traçados
Curvilíneos lisonjeiros
E não pelas rachaduras que destroem o desenho 
fissuras
esperança de redenção no Mosaico que um dia poderá se tornar
se desfragmentada 
pelo inteiriço de seus anseios
Se…
Mas por enquanto
ainda 
Eu queria ser a Outra
Aquela
que se culpa só pelas escolhas que forem dela
Se era a maternidade o sonho de seu parceiro
e a ele a recusa é coisa de de mulher que não serve
A mim nem chegará a formar opinião ou descontentamento
O meu corpo em si já responde ao que repudia ainda que deleite-se.
E minhas memórias
a ele
são apenas mote
para me tocar sem me entender
música cantada em língua que lhe é alheia
estrangeira de minha humanidade
então
ajoelho a Deus e peço
Oh, Senhor!
eu queria ser a Outra
Aquela que nada disso escreve
nem abre prerrogativas
Ou titubeia
Que sempre tem amores à altura
E nunca negocia com quem lhe rouba
Até a carne
Enquanto esganiceia 
Corro e aflita 
Procuro uma qualquer uma
apenas uma referência!
desço a mão ao centro do corpo e procuro

vanguarda de uma solidão 
sem deficiência
e ao meu próprio tesão vasculho
tensa
mas não
o que encontro é somente
monstro
corpo em compendio médico
frio
em maca
contorcido
desamparo
e ainda que saiba que olhares pedem algo
que eu não sei
quem sabe é Ela
que não esta
a Outra
sigo ainda em sonhar ser a Outra
E se em misericórdia me dizes
- eu já vi você ser a Outra
Aquela que vezes se põe com o mais lindo vestido de viscose
Os olhos pintados
Aparentemente alada
Saiba que o que escondo é que ainda sou Esta
a que cede 
Enquanto vê seu coração espremido de ciúmes e amor
a quem em migalhas
Aceita terna 
de apenas 
banalidades ditas na cama
"Senti saudades"
E eu sabia
e sei
que era ali 
a Outra
E a que eu queria ser
Aquela. 
A que não precisa se apegar no que se rende
a que ainda que ao seu corpo não compreenda
não cede
é forte
e se fecha
E só a si se apega
pelo que se sente forte e bela
Ela
a Outra
que não Esta.

***
O poema é um diálogo com Hilda Hilst
***

Aflição
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

sábado, 14 de novembro de 2015

Antes que.

Inscrever silêncios em água correnteza antes que os mimetizem em pedra.
Seria o fetiche o preço necessário para aceitação de um corpo-deformidade?
Ou apenas mais um mecanismo de cooptação daquilo que cresce com ameaçadora força já nas margens?
Segunda hipótese utopia?
Ou apenas daquilo que é INEGOCIÁVEL?
Átomo, vibração e intensidade são indissociáveis.
Inclusive da relação que mantém com o outro átomo.
Corpo-Espaço-Tempo são apenas em relação a tu - lugar acontecendo em mim.
São também o que instaura essa escrita - A.

Eu prometo como quem se funde funda água e olha NOS SEUS OLHOS.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

[ ]



Eu sou também o meu silêncio. Cinquenta por cento de. Mas o trabalho, a TV, as lojas, os formulários e a ansiedade dos afetos, todos os dias, tentam cooptar essa parte de mim. Tentam me impor, tentam me seduzir, tentam me coagir. E criam buracos movediços para que eu preencha com os cadáveres de meus anseios. Enfiam comerciais nos intervalos. Instigam meu ego a falar repetições vazias.   A escrever verborragia. A xingar pelo silêncio que me tomaram, capturando assim duas vezes aquilo que só obteriam uma: o silencio roubado e o silêncio do luto desse silêncio . Para tudo, rapidamente, a obrigação de um exato posicionamento. Sem contemplação e freios. E eu caio na armadilha. E depois tento preencher o que nunca caberia preenchimento. Com lindos vestidos, gritos esganados, afazeres atulhados, noites mal dormidas. Frágeis ilusões, placebos, unguentos, invenções anoréxicas apesar de destemidas.  Porém, uma hora a noite chega. E quando se está só em um quarto escuro com o corpo em repouso e os olhos estalados, não há como fugir: eu sou também o silêncio barulhento  que na noite me devora. Síndrome do pânico, ansiedade, fadiga, cansaço... muitos nomes difamatórios para apontar inocentes e pontuais cobradores que em um horário seguro de minha presença aparecem para somente retirar o que lhes é direito: nem mais nem menos, os cinquenta por cento do que não estou sendo.  Somente aquilo que me devo. Nem mais. Só menos.
[  ]

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Pedido descabido



Entenda, por favor
Quantas mãos rudes você acha que eu suportaria antes de apelar?
Se era uma cilada finalmente conhecer a fina sensação do toque de uma cápsula inflamada
Não me culpe
Se em ti fugia da aspereza
 não querer  nunca mais experimentar

E como não querer-te?
Se era lento o tempo de um flerte finalmente delicado
E que há tanto procurava
Por favor, não me culpe
Se em você fiz moradia viciada
Em fuga
Pelo quê de violência
não queria mais em mim reencontrar

Pois só contigo aprendi a ser malva e lago e larga e funda
Como ter certeza de em outros toques haver também essa humanidade?
Meu corpo cansado de enganos
Retesado se aprisionou
na fotografia de um pretérito imperfeito
e enclausurado e hipnotizado pelo que se soube teso
Forjou inteiro
Memórias, falas, dramas, esquinas premeditadamente visitadas
Qualquer coisa que escapava
Pelo medo de em nenhum outro encontro
Conseguir se  frequentar

Não me culpe, por favor
 Se te uso de desculpa
E ainda se te culpo pela armadura
Que por minha própria escolha
Despi para conseguir a você tocar
Que se o uso sente que te anula
Não se preocupe
O uso é para mim
Para pela pele ter algo realmente nervo
Em acreditar
Justo você que em tantas se desvia
Compreensão eu gostaria
Apesar da loucura em se debater o que não foi nem seria
Entenda, por favor
Quantas mãos rudes você acha que eu suportaria antes de apelar?  

sábado, 12 de setembro de 2015

E nada espero dos que me querem bem

O lugar de quem espera

O lugar de quem espera. De quem é flexível. De quem se mobiliza em direção ao outro, pois sabe que esse outro não se moverá por você. O lugar de quem depende. O lugar de quem é deixado sem nenhuma certeza. O lugar de quem está disponível. O lugar de quem necessita. O lugar de quem pode ser deixado de lado a qualquer momento por qualquer outra pessoa, evento e, pior, por qualquer outra COISA. O lugar de quem abre o tempo com as mãos e, de pulsos quebrados, vê o outro jogar essa pequena e importante fresta  de resistência… no lixo. O lugar de quem não tem ninguém participando de sua vida, pois é a a programação do OUTRO, a genialidade do OUTRO a única capaz de gerar boas sugestões de experiência. O lugar de quem a palavra em si e toda a memória que comporta nada dizem e importam. O lugar de quem não tem títulos a altura ou não fala tão devidamente abstrato. 

O lugar do abstrato, suspensão, do ser içado:

O lugar da angustia. 
Angustia… 
Da ansiedade.

de quem está a mercê de ponteiros que se movem tão rápido que aos olhos humanos acabam por sempre estar no mesmo lugar. 
O lugar de quem tem de ser a que se compara. De quem é repetidamente convidada a se colocar em questão de maneira histérica e vazia. O lugar de quem não participa, mas limpa o salão ao final da festa. E que deveria agradecer a Deus pelos restos de doces que fora autorizada a degustar. 
O lugar sem nome. 
Sem temporalidade. 
Sem corpo 
(comparações sem sentido só descorporoficam). 
Sem história. 
———————————
O não-lugar.     
———————————
É sutil. Minar sua auto estima pelo que compromete do seu tempo. Pelo que dúvida de sua fala.
Pelo que analisa (dividir em partes) publicamente de seu corpo. 

O cansaço e aflição da espera.

A solidão. 

O aceitar qualquer quase afago para resistir e esse congelamento do tempo.

E novamente a espera. 

A espera.
A espera.
A espera.
A espera.

O não-lugar.

!

RECUSA.

: O meu tempo sou eu.

E eu não vou negociar. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

louca

Para não ter de enlouquecer
desviei dos perdidos da rua
- e nisso perdi-me de meus caminhos
descaminhos de solidão
atalhos a precipicius
trilhas de sonhidão

Para não ter de  enlouquecer

e bebi o sal das mares até pegar birra do mar
- e esquecer a inundação nos olhos 
imensidões de lembranças
espuma da força que um dia tive
outros nomes para silêncios
cooptação da língua
costura de lábios que arrebentam muralhas de pedra sabão
o gosto de glicerina na voz


Para não ter de enlouquecer

forjei ininterruptas cadencias musculares 
quase repetidas
dissimuladamente felizes
e entediadas 
errancia das horas que poderiam ter sido
- contigo
e não foram
e se foram ainda sim

e gritei a rebeldia de meus ecos
descompassada
e implorei por delicados afagos
acovardados
quase belos de carinho
quase não vazios 

---
Para não ter de enlouquecer…
---

E tomei remédio para minhas cólicas
e para minha ansiedade
e para a ciranda de espantalhos 
que teci por não aguentar a presença dos pássaros
e seus desagradáveis livres voos
livres...
longe 
onde a loucura não faz sentido…

e arranquei na unha o útero blasfemado em inchaço
e  o comi com talheres de prata e guardanapo  de pano
o que escorria da memória 
e usei o que sobrou para hidratar os cabelos do vento em meu rosto
e sorri um meio sorriso de Monalisa
e sonhei-me adolescente que corre ainda sem nenhuma pedra  pelo caminho 
mesmo sempre manca e nunca tendo conseguido correr
e dancei desmiolada como quem sempre fez Ballet
e publiquei vídeos com esqueletos todos iguais para provar que eu era uma dessas de sua laia
- ainda que meu esqueleto nunca tenha sido igual ao de ninguém

Para não ter de enlouquecer…

E criei um lugar só meu
em que pudesse fazer o que eu era em paz

e enganei a homens pintudos e seus furúnculos egos
e escrevi poemas de lentidões 
e de amores para sempre
(fora de qualquer lógica da lógica)

e aceitei pasmada
maquinar-me aço e fria
lavabo de portas e papeis histéricos
borrões

e ao final do ciclo escolhi enfim
enfim!

E.N.L.O.U.Q.U.E.C.E.R.

não tinha jeito
flor - bela 
no asfalto
gaucho
tirania de angustia nunca estanque
Fodam-se!

e me fiz poeta 
trovadora
enlouquecer palavras

e já saciando-me 
som e vozeada
enlouqueço 
na santa paz de deus e seus diabos

e enfim xingo os pássaros e voo com eles
destrambelho de vez
e enlouqueço
na santa paz de deus  e seus diabos
e pela primeira vez me vejo linda e forte ao mesmo tempo
e enlouqueço

e sou poeta.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Início




Peito seco
Trajeto do silêncio
Da correnteza
o traço turvo
Sobrescrito pela falta
E no inicio do leito
o leite  que empedrou no seio
se seria alimento
fermenta agora em vermelho
Rastro áspero no papel
aborto pleno
e perfeito
a fórceps
o nascimento
da palavra
Barragem arrebentada

nomeio e nomearei
meus fetos-afetos feitos
apesar de.

E apesar de
Ressequitas
Retomarei uma a uma
Apesar de
Apesar de
Apesar de
Todas as minhas palavras

Represas

É a margem
por si mesma
retomada
ala(r)gada
inicio de um talvez umidade
silenciares
em feminino
A tanto tempo...

Tanto tempo...

E  tanto que
Choveu
Rompeu
E tanto que continha
transborda
E apesar de.
E apesar de
Agora
de si mesma
em tudo toca

Aos litros
Força
Força!
secura
Nomeada.
Palavra.