quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

a Outra

Eu queria ser Aquela 
que não se rende pelo que se apega
E nem cede enquanto se entrega
Aquela que nunca se queira em comparação  com Esta
E que nunca mede o próprio corpo pelo que falta 
e sim pelo que reverbera
Inteira
a Outra
A que constrói sua jornada em moradas de tatuados azulejos
Inteiros
Lisos, ordenados e belos no que em exatos se fazem 
nos pequenos e delicados detalhes de seus traçados
Curvilíneos lisonjeiros
E não pelas rachaduras que destroem o desenho 
fissuras
esperança de redenção no Mosaico que um dia poderá se tornar
se desfragmentada 
pelo inteiriço de seus anseios
Se…
Mas por enquanto
ainda 
Eu queria ser a Outra
Aquela
que se culpa só pelas escolhas que forem dela
Se era a maternidade o sonho de seu parceiro
e a ele a recusa é coisa de de mulher que não serve
A mim nem chegará a formar opinião ou descontentamento
O meu corpo em si já responde ao que repudia ainda que deleite-se.
E minhas memórias
a ele
são apenas mote
para me tocar sem me entender
música cantada em língua que lhe é alheia
estrangeira de minha humanidade
então
ajoelho a Deus e peço
Oh, Senhor!
eu queria ser a Outra
Aquela que nada disso escreve
nem abre prerrogativas
Ou titubeia
Que sempre tem amores à altura
E nunca negocia com quem lhe rouba
Até a carne
Enquanto esganiceia 
Corro e aflita 
Procuro uma qualquer uma
apenas uma referência!
desço a mão ao centro do corpo e procuro

vanguarda de uma solidão 
sem deficiência
e ao meu próprio tesão vasculho
tensa
mas não
o que encontro é somente
monstro
corpo em compendio médico
frio
em maca
contorcido
desamparo
e ainda que saiba que olhares pedem algo
que eu não sei
quem sabe é Ela
que não esta
a Outra
sigo ainda em sonhar ser a Outra
E se em misericórdia me dizes
- eu já vi você ser a Outra
Aquela que vezes se põe com o mais lindo vestido de viscose
Os olhos pintados
Aparentemente alada
Saiba que o que escondo é que ainda sou Esta
a que cede 
Enquanto vê seu coração espremido de ciúmes e amor
a quem em migalhas
Aceita terna 
de apenas 
banalidades ditas na cama
"Senti saudades"
E eu sabia
e sei
que era ali 
a Outra
E a que eu queria ser
Aquela. 
A que não precisa se apegar no que se rende
a que ainda que ao seu corpo não compreenda
não cede
é forte
e se fecha
E só a si se apega
pelo que se sente forte e bela
Ela
a Outra
que não Esta.

***
O poema é um diálogo com Hilda Hilst
***

Aflição
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

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