quarta-feira, 23 de setembro de 2015

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Eu sou também o meu silêncio. Cinquenta por cento de. Mas o trabalho, a TV, as lojas, os formulários e a ansiedade dos afetos, todos os dias, tentam cooptar essa parte de mim. Tentam me impor, tentam me seduzir, tentam me coagir. E criam buracos movediços para que eu preencha com os cadáveres de meus anseios. Enfiam comerciais nos intervalos. Instigam meu ego a falar repetições vazias.   A escrever verborragia. A xingar pelo silêncio que me tomaram, capturando assim duas vezes aquilo que só obteriam uma: o silencio roubado e o silêncio do luto desse silêncio . Para tudo, rapidamente, a obrigação de um exato posicionamento. Sem contemplação e freios. E eu caio na armadilha. E depois tento preencher o que nunca caberia preenchimento. Com lindos vestidos, gritos esganados, afazeres atulhados, noites mal dormidas. Frágeis ilusões, placebos, unguentos, invenções anoréxicas apesar de destemidas.  Porém, uma hora a noite chega. E quando se está só em um quarto escuro com o corpo em repouso e os olhos estalados, não há como fugir: eu sou também o silêncio barulhento  que na noite me devora. Síndrome do pânico, ansiedade, fadiga, cansaço... muitos nomes difamatórios para apontar inocentes e pontuais cobradores que em um horário seguro de minha presença aparecem para somente retirar o que lhes é direito: nem mais nem menos, os cinquenta por cento do que não estou sendo.  Somente aquilo que me devo. Nem mais. Só menos.
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