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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Ancestralidade

Eu apenas planto sementes.

Coloco num vaso de terra, aguo e espero.
Nenhuma das sementes que plantei nasceram.
Nenhuma.
O vaso parece só conter terra há meses.
E por isso colocam coisas por cima dele.
Jogam bitucas de cigarro.
Eu vou e retiro.
E molho.
Talvez o sal da água ainda faça a terra dali infértil.
Mas eu sei que um dia alguma das sementes naquela terra podem brotar.
E que se nenhuma das sementes que plantei brotarem, ao menos a terra estará fértil
para outras sementes
ou para alguma muda de planta.
A muda contará a todos sobre a herança que cultivei.
Ainda que ninguém escute.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Doce, doce!

Em mim, um fel,
um mel tão doce,
uma gentil ferocidade, 
avesso de aguilhão,
que mesmo senil de mil alanceadas 
de mim ainda
o desejarás.

em mim, 
a abelha 
em flor
no mel despetalada
sugar o espinho 
Ao encontro 
do que 
finalmente 
a espetará.

em mim, espumas e espinhos,
pelos e atalhos
a pele 
em gentil ladrilhado
o arrepio tatuado 
o verso mordiscado!
em mim,
seus dentes...

Tu mastigas
minhas sanhas
e em troca ajoelho meus segredos,
oferendas cínicas,
clichês íntimos, 
em oração 
entretanto 
sincera:
de suas farpas,
quero sempre o arranhar.


A nata, o néctar,
o mel do dia
a melodia 
a doce aresta
a rosa rósea 
em minhas pernas
o milagre em vinho branco
despelada aos pingos
o infinito em rito
o caralho em mim,
lambuzar a prece,
o vermelho e o branco
pequena morte
dia e noite 
em mim,
a nos provar. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Conectivos

Eu,

frases desmembradas de seu fim,

insustentável,

(desperdício de vocábulos)

mastigando 

vazios e sonhos,


e,


entre

 

as últimas-mais-novas-das-novas-notícias

(salgados de padaria suja requentados) 

:


eleições-dos-EUA-bombardeio-na-faixa-de-Gaza-tendência-batom-matte-para-o verão-2013-mulher-esfaquiada-nos-Jardins-policia-prende-seis-elementos- medo-medo-medo-medo-!

terra-água-fogo-ar 

vida...

flor...esmagada...na...calçada...ladreada...de...pedrinhas...no...meio...do...caminho...


Você.

Eu te amo.


Desconecto-me

(Eu)

Para ti  

tu


desprovida de armaduras

em vidro e plumas

descalça 

desnuda 

TU 

em mim


POR FIM 


dançar 

no inverso 

do abismo do abismo 

o sonhar

nas salivas 

das línguas 

conectivos do amar.


Sós e sóis 

amor

infinito úmido por narrar.  

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Utilidades

 Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.”
C.D.A



Fútil,
vulgar,
no meio do caminho havia o afeto
atrapalhando o tráfego 
o meu Amor não tem mesmo de ser útil
E eu, aqui, de braços e mãos atordoadas,
nem por isso deixei de esperar o seu abraço.

Se morro um fígado a cada grito,
ele renasce, teimoso,
em silêncio, 
nos intervalos desta grande-repetição-barulho-mundo-surdo. 

Eu tenho mãos sem dedos que escrevem 
asas delirantes que tombam
e um reflexo no espelho 
que não vejo e existe.
E isso nunca é dito desta maneira

Mas eu e minhas mãos
não deixam de sentir os voos.

Tudo já foi escrito, 
e daí?
A Fênix nada quer dizer

Apenas 
morrer palavras
para depois
Renascer

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Perfurações íntimas II

Escorre,

entre paredes

molhadas de vergonha,

vingança de mulher


Na brancura alheia do papel,

Menstruação!

O vermelho enjeitado

que te enojas,

mas que não consegues calar. 


_______________


Republico o poema, pois houve modificações.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

INICIAÇÃO

Primeiro,

o abandono dos sapatos.

Os pés nus, 

e a descoberta íntima do chão.

Entender o mundo pelo tato,

e experimentar a firmeza da vida 

pelos pés desprotegidos de seus medos.

Depois, no solo desnudo de cimento,

acariciar a terra

e nela reencontrar,

íntima de mim,

os meus pés e o meu firmamento.

Já arraigada,  por fim,

redescobrir o corpo

de suas inúteis cobertas.

Olhar por entre as vendas desses panos,

o que do olhar acoberta.

Devolver ao mundo,

os sapatos apertados,

os passos rasgados, 

e as cicatrizes 

que suas roupas escondiam

enquanto não tinha coragem de me despir.   

segunda-feira, 16 de julho de 2012

MULHER 2

No farelo do espelho,

um corpo em retalhos,

no retrato esmigalhado,

entre cacos de reflexo, 

avisto, 

às avessas e embaçada,

nas frestas de meus olhos,

uma mulher.


À espreita,

inesperada mesmo de mim,

bicos de seios,

uns lábios lambuzados,

um dorso em segredo 

(desejo silenciado),


Eu. Mulher. 


Entre migalhas e reflexos,

cacos de desejos, 

e retalhos espelhados,

o olho vê

nas frestas de meu sexo,

pelos segredos de seus lábios,

no toque de meu dorso,

em seus olhos nos meus seios,

Eu, mulher.


Pela fresta de meu corpo,

no segredo de seu dorso,

Pelo bico de seu sexo,

e os olhos em desejo,

inesperada mesmo de mim,


nítida e alinhavada,

no avesso do avesso da vista,

uma menina morre. 


E uma mulher se olha ao espelho. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sem título

O tempo masca o corpo enquanto assiste um noticiário da privada. Ouço um relato de crime hediondo e distraio-me para que não me importe. Durmo. Acordo. Pego o ônibus. E sonho o rebentar de estradas e seus crânios estúpidos pelo chão. O vidro está embaçado.  Chovem-me gritos infantis e uma enxurrada de menstruação e placentas atam-me as vísceras. A vida fez-me água. Fez-me também covarde. E  agora meu reflexo só alcança a fugir de meus espelhos. As estradas seguem intactas. Os noticiários seguem ilesos. Já os meus cacos caem. Inconveniência de minhas aguâncias.  

Eu obedeço pau-mandada a uma pontuação fingida. Aos meus estupradores abro as pernas e ensaio um gozo. Lâminas que me represam.  Todos creem no gemido. Embora desconfiem. 

Sentamo-nos. Há dias. Há anos. Há séculos. Somos insensíveis às feridas de nossas bundas. Epidemia coletiva. Anestesiados à dor. O que ninguém consegue me explicar é ter um cartão de crédito e ainda sim continuar sem um único gozo. Sem querer ignorar. Eu não sei. Mas gostaria. Eu não vejo. Mas pressinto. E ainda sinto essa aflição. Galáxias inteiras gritam-me pelas fibras cataclismos estuporados de pavor.   Eu leio os muros e sei que não estou só. Eu sei. Não exatamente. Sinto. Mais do que certezas.  E como dizer? Não sei dizer. Fizeram represa de mim. Conheço algumas pessoas admiráveis que poderiam fazê-lo. A tarefa, todavia, não é passível de substituição. Sou minha única porca de mim. E ninguém poderá dizê-lo de minha boca. O meu mau hálito é peculiar e doce. Muitos gostariam de assepsiá-lo. E fazer-me acreditar que é causa mortis mau hálito. Silenciosidades, surdo canibalismo. Chupação da voz. Somos peritos em transitivar o verbo calar. Porém, entretanto, em toda via, embora prisioneira dessas margens, não fui amnesiada. Ali além, sei-sinto de que, se eu abrir meus dentes, também haverá licorosos segredos. Fétidos, mas acima de tudo, doces e singulares. Que não estouram crânios. Nem estradas. Nem as margens.  Nem os pontos e vírgulas. Mas lambem esgotos e fedem de cacos o seu reflexo. E nisso, somos. Em comum. 

Podem conter o liquido. Todavia, ainda ouvem na garganta o odor que a atravessa.    

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quase Debussy

Para cá. 

Para lá.

Para.

O novelozinho cai.

A minha criança dorme

(eu acho)

Não vi.

Estava no trabalho.


Em diálogo com o poema Debussy, de Manuel Bandeira

Debussy

Para cá, para lá... 
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.

terça-feira, 15 de maio de 2012

O tear

Os fios caem,

os fios caem...

 

de minha cabeça

fiar 

em in-verso

tecidos 

centeias

em dourado linho,

os sonhos

 

cabeça oca

e, todavia,

ainda

não está careca.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Óca

Oca -vida

Di vi di da

p  e q u e    n i na  

di      a      gra ma da  

        (s)

h     o    r     a     s

n      u    l     a    s

m      u   l     a    s

Poesiajuntatudo

DesorganizaTodos

tudonecessariamente

LetraCheia

Contramão

Freio ooooooooooooooooooooo

Ooo

TEMPO

O

Sil(^)encio

Lento

o

o

o

o

!

a

(o)

 lento

de                 lírio

Deva -neio    

     (gar)

apesar de

vitais,

Fatais

Pobres

de                lineios!

Com o perdão

das rimas

e dos

ai! ai! ais! 

Soluço

 sonhado

no vácuo

da

letra

Cinza

da memória

Poesia:

ÓcaVida.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Descontornos

Nas veias

lãs e linhos

enchentes

emaranhadas

Poesia

desalinhada

O coração

maciês rebelde

contamina

a fibra

do papel

com as linhas

do sangue

e eis

que

aqui

letramentos

em

desde

linhos

Ninhos

cem

contornos

terça-feira, 28 de junho de 2011

Perfurações íntimas

Quando eu nasci, um anjo torto

me disse: Vai, Yara! E seja imagem e semelhança.

 

Corpo incorreto

Contorno choco...

O torto da ideia do olho

o osso do fundo do oco

sangue

entranhas...

Estranha.

Um soco em ponta de vida

 

Carne sem rima

escultura de Sal

As mãos quebradas

Carne-Cal

Carne-caustica

Em praias lisas

de marés retilíneas

galhos uniformes

folhas geométricas

O coração correto

a carne in-core-recta

Só poderia mesmo dar nisto(!):

sentimentos torpes

poesia manca

 

No liso dorso do papel

um tropeço na artéria dos sonhos.