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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Ancestralidade

Eu apenas planto sementes.

Coloco num vaso de terra, aguo e espero.
Nenhuma das sementes que plantei nasceram.
Nenhuma.
O vaso parece só conter terra há meses.
E por isso colocam coisas por cima dele.
Jogam bitucas de cigarro.
Eu vou e retiro.
E molho.
Talvez o sal da água ainda faça a terra dali infértil.
Mas eu sei que um dia alguma das sementes naquela terra podem brotar.
E que se nenhuma das sementes que plantei brotarem, ao menos a terra estará fértil
para outras sementes
ou para alguma muda de planta.
A muda contará a todos sobre a herança que cultivei.
Ainda que ninguém escute.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A preguiça nefasta

Hoje tive uma “folguinha” das tarefas “urgentes” de meu trabalho e em uma busca desesperada por leituras úteis aportei no texto de Márcia Tiburi sobre o tema preguiça (publiquei o texto na secção de artigos desse blog).

O texto chamou a minha atenção obviamente por que me veio bem a calhar: padeço de preguiça aguda. Mas, ao contrário dos quadrinhos com o maravilhoso personagem Garfield, tal “sentimento” está longe do ócio necessário, ou ainda inteligente do qual o gato faz apologia em contraposição ao lisonjeio do “amor ao trabalho”, ideologia bem sucedida do capitalismo.

A “minha preguiça”, ao contrário, não interfere deveras no trabalho (um pouco, talvez!). A preguiça de que ando a refletir é de outra ordem. Alastra-se por todos os demais campos de minha vida, fato que me levou a refletir (ou tentar!) sobre a questão, pois prevejo em suas conseqüências a mediocridade e a perversidade.

As raízes do mal que me acomete, parece ter tons mais macunaímicos do que garfieldianos. Alimenta-se de hábitos como a minha maravilhosa mania em delegar responsabilidades e a conseqüente acomodação a esse vício; no medo em frustrar expectativas alheias (querer ser/ parecer a todo instante coerente com as expectativas de outros) e, o pouco caso com as necessidades alheias (parece contraditório, mas ficará claro mais adiante).  Posso dizer que essas são apenas algumas pistas do que eu consegui colher ao longo de minhas reflexões (preguiçosas reflexões!!!). Sei que parece estranho essa associação entre preguiça e perversidade, mas tal relação é algo de que há muito desconfio. Deixarei mais claro com exemplo bem feio que há algum tempo constatei em minhas atitudes.

Eu tenho preguiça de ser mãe.  Não é algo bonito de se declarar, mas é preciso. Todos os finais de semana em que tenho de cuidar de Gabriel as minhas energias parecem se volatilizarem com o ar. Não é de hoje que vejo essa minha “preguiça” em relação ao meu filho. Por isso não baixo a guarda com relação a isso. Quer dizer: baixar, às vezes, eu baixo sim, mas tento estar sempre mais atenta. Porém penso que chegou o momento em que admitir tal horror seja o mais eficaz e produtivo.  Infelizmente, ou felizmente, não fui a única a notar o “defeito de caráter”. Minha melhor amiga (uma das, já que tenho duas melhores amigas) também percebeu e me apontou isso sem meias palavras. Não foi agora não. Faz tempo, ano passado. “Você está sendo negligente!”, disse ela. E doeu. Ainda mais porque tinha razão. Mas muita coisa se resolveu desde então.

Porém, vejo que essa negligencia foi em parte, canalizada a outro meio. Foi o que constatei ao ler o texto da Márcia Tiburi sobre a preguiça e um outro, Sem Limites. A autora aponta uma questão que, talvez, por ser tão cobrada com relação à imposição de limites ao meu filho, liga dois pontos de uma mesma questão: o exagero em frisar a necessidade de delimitação de limites a crianças e a preguiça. No texto, o que a autora aponta é a ligação entre a imposição excessiva de limites e a preguiça em educar crianças:

Para muitos basta dar “limites” para realizar uma boa educação. Como se a experiência do limite sozinha pudesse ser a salvação para alguém que se perdeu. Um não dito em tom solene aqui, ou acolá, e estaria feita a mágica. Sabemos que não funciona assim.     

Meu amor certo dia me disse: “Precisamos de espelhos”.  Nos últimos meses notei que trato Gabriel de maneira mais dura. Intuí de que devesse ser mais atenciosa também, pois achei que só poderia ser mais dura com ele se, proporcionalmente, o desse a recompensa em atenção. Mas em uma análise sincera tal recompensa não teve nada de proporcional. Daí ao me deparar com os textos de Márcia, a imagem no espelho não foi bonita. E isso teve a ver mais com a minha preocupação em impor os tais “limites” que tanto ouço todos buzinarem em minha orelha do que com o comportamento do meu pequeno. Obviamente que tal preocupação veio calhar direitinho com a minha PREGUIÇA. Calhou à preguiça, à covardia em impor LIMITES aos que buzinam “limite!”, à minha fraqueza. Ser forte com quem é fraco não tem nada de enobrecedor. É a inatividade em verniz de profunda atividade. É a PREGUIÇA em carapaça de RESPONSABILIDADE. Por fim, é covarde e perverso.  

Pois é... O jeito é continuar (clichê, eu sei!).  E sem esperanças em encontrar aquela moral da história no final do livro que tanto nos facilita a leitura. Olhar os espelhos que me cercam: sem preguiça! 

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A outra metade de meus textos...continuação

A cada dia que passa, reforça-me mais a idéia de que somos seres delineados por uma imanente contradição. É o melhor e o pior de nós. Alguns passam a vida a investigar suas contradições e a verossimilhanças de suas idéias. Outros a querer impô-las aos demais. Talvez, na realidade, sejamos um misto de ambos.

Como a proposta deste espaço é o desossar de minha hipocrisia, penso em, na medida do possível, expor minhas contradições ao impulso de impô-las.

A primeira e não recente conclusão é a que defendi acima: ser contraditória é o melhor e o pior de mim. O pior, na medida em que expõe a demagogia e a fragilidade de meus argumentos, de minhas idéias e a mesquinhez de meus sentimentos. O melhor, pois graças a essa característica tenho a facilidade em abandonar idéias apaixonadas e mentirosas, idéias e sentimentos preconceituosos e discriminadores, em mover as categorias e os quadros nas paredes que sustentam os meus pensamentozinhos. Mas mover as idéias, mover as ações e mover os sentimentos são três ações distintas, embora entrelaçadas. Pois não temos acesso a fatos, mas apenas a pontos de vista. Ações distintas... Com um mesmo alvo. A demagogia, óbvio, emerge da contradição das direções entre elas. Dificulta ainda a liquidez de minhas certezas e os malditos paradoxos, os quais nem sempre estou atenta.

Estes dias, a navegar entre meus blogs prediletos, me vi diante de uma das frases de Clarice Lispector a qual não tenho mais acesso na integra, mas da qual me ficou “a moral da história”. Clarice coloca que escrever não é apenas um ato de reflexão sobre o mundo, mas condição mesma para se pensar. A autora diz só conseguir se pensar no ato da escrita. Nisto, talvez eu seja como ela. Daí eu temer o silêncio. O silencio das idéias... Obviamente, não há grandeza proporcional entre o resultado do ato de escrita de Clarice e o meu. Mas creio ser preciso amar a vida, mesmo que seja a minha. Ando alienando-me de mim. O problema disso, antes que se levante a bandeira de humildade, é que nisso me desapego do mundo. O resultado parece ser um enorme sentimento de tédio. Como se na luta diária entre a passividade de meu temperamento e a rebeldia de minhas idéias, a contradição ficasse um fardo cada vez maior a carregar. Aliás, eis uma contradição que não consigo resolver: a demagogia de meus atos e o medo das minhas palavras. Como amar a vida se já não me satisfaço com a que tenho? “Mesmo que seja a minha”... Amar a vida porque ela é minha. É a responsabilidade da vida o que parece  que me escapar às mãos.

Por estes dias decidi que para continuar a pensar-me com mais sinceridade  fechar alguns de meus (futuros) posts. Medo. Sim, um medo que não consigo vencer. Não tenho acesso a quem lê este espaço. Não há medidores de audiência no blog. Assim,  mantenho o compromisso de sinceridade e aviso que coloco  alguns conteúdos para balanço. Contraditório? Lógico!...rsrsrs!

 

Fonte da imagem: http://lordevelho.blogspot.com/2008/07/partes.html 

quarta-feira, 4 de março de 2009

As meias palavras e as meias verdades

Olá querido e abandonado diário, quanto tempo!

E é sempre assim, não é mesmo?! Todas as vezes que minhas idéias freiam, é a este tom e à cumplicidade do diálogo o que me resta das migalhas de minha criatividade. Em alguns textos atrás, me reportei como causa de minha inatividade, a uma possível preguiça das idéias. Mas passados alguns meses, desconfio de que após o período de “preguiça”, o que me sucede, além do caráter de urgência de meu dia-a-dia, é a perversa e erronia sensação de estanque das idéias. A melancolia da curiosidade.

Não me considero completa. Não é necessário descabelar-se quanto a esse possível erro de minha parte. Não parei os meus questionamentos por considerar-me com conhecimento suficiente para não mais ter o que questionar. O que cresce em mim é um sentimento de outra ordem: o de que não tenho mais nada a dizer. Acabou. Secou a fonte. Sequei.     

Na semana que antecedeu ao carnaval, houve a semana de recepção aos calouros na USP. E ao ver todos aqueles jovens, de rosto pintado e a minha consciência da brancura daqueles futuros, futuros tão livres, não pude conter o enorme sentimento de nostalgia de quando também fui caloura, de quando ainda era “bichete”. Eu tinha o futuro em minhas mãos e ele parecia algo misterioso e maravilhoso. Eu passaria a morar sozinha, em moradia estudantil, na melhor Universidade do país, fazendo o curso que eu escolhi. Eu não iria ter muito dinheiro para as despesas, mas ganharia o suficiente para pagar os gastos com o material da faculdade, com a alimentação e ainda sobrariam uns trocados para passear pelo centro e para pegar uns livros nos sebos da vida. Eu poderia sair a qualquer hora, para onde eu quisesse, e se eu juntasse uma grana, poderia fazer algumas viagens nas férias, à alguma cidade não muito distante. Eu poderia... Às vezes é difícil escapar da frustração em não me enquadrar naquilo que gostaria ter sido e que não fui.

As coisas nestes últimos tempos têm me parecido mais difíceis do que de costume, quase inatingíveis. Por esses dias recebi um e-mail de minha orientadora esclarecendo que avaliará se realmente abrirá uma vaga de mestrado, etc. Eu fiquei meio decepcionada (não, esse não é o único motivo de meu mutismo!), mas ao avaliar bem o comportamento que tive diante dela e o conteúdo de meu projeto, vejo que foi muito educada frente ao caráter do que a ela apresentei: mediano, medíocre. Pois é... Mas o que fazer com as idéias medianas? As minhas ando a deixar todas pela metade. Textos pela metade, projetos pela metade, faculdade pela metade, vontades pela metade.

Esse ano farei 25 anos. A idade que sempre quis ter. Isso por que acreditava que com vinte e cinco anos não haveria ninguém a questionar a “adulteza” de minhas atitudes. Mas vejo que eu estava equivocada. O que eu teimo em ignorar é que quem emprega credibilidade às minhas atitudes sou eu. Porém, acostumada a entregar a finalização de meus projetos a terceiros, realmente ficou difícil a essa altura do campeonato querer voltar ao comando do barco; preguiçoso trabalha dobrado, já diz um certeiro ditado. É óbvio que devo ser sincera e reconhecer o bocado de demagogia que existe na imagem que projeto de mim e dos papéis a que me submeto. Aos silêncios passivos aos quais eu até me felicito em tantas situações onde o direito da palavra era meu.

Por esses dias, me peguei a questionar a minha condição de mãe colocando-a na lista de meus obstáculos. Não que seja inquestionável, mas mais uma vez me vi na frustração em não ser o que os outros gostariam que eu fosse. Não sonhei ser mãe. Preciso ser sincera. Nem sempre tenho paciência. É difícil, é cansativo e às vezes é mesmo muito chato.  Mas daí me envergonhar em ocupar esse papel há uma grande distancia, né? Tive vergonha de ter ingressado à universidade aos 17 anos de idade e ter chegado aos 24 ainda não ter completado o meu curso, não ter adquirido nenhum objeto de valor, não trabalhar no que eu gosto e nem sequer conseguir escrever um maldito projeto de mestrado de 20 páginas. Tive vergonha de ter que mendigar uma vaga no CRUSP à universidade. Mas o que eu liguei sem rodeios a tudo isso, sem o menor pestanejar foi o fato de eu ter me envergonhado de tudo isso e mais a vergonha de já estar com um filho nos braços. Como se todas as atitudes acomodadas que venho mantendo seja conseqüência direta de sua existência! Se tudo é realmente mais difícil com ele, pior ainda comigo.  

E de novo, o retorno ao zero! Às pequenas e nefastas acomodações de cada dia. Agora, sem a criatividade em meu auxilio. Enfim, mais um texto pela metade (só que desta vez, publicado).

 

Imagem: quadro de Salvador Dali, The Persistence of Memory

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A breguiçe de cada dia


Há dias em que acordamos brega (ou seria: “há dias em que acordo brega”?!). Não sei exatamente a qual transformação química, causa psicológica ou efeito cosmológico é possível atribuir responsabilidade a esse estado, muito menos o agente neutralizador que colocaria fim a ele, mas o que acontece é que há dias em que tudo parece se desejar em traços de epopéia.
Acordo atrasada (como sempre!) e adquiro instantaneamente a crença de que todos me odiarão por causa disso. Olho no espelho e estou feia. Aliás, estou não: sempre fui só que antes não percebia. Isso porque, veio uma fadinha no meio da noite, tocou uma varinha em meus olhos e, de hora para outra, passe a enxergar a minha feiúra! Mas isso pouco importa, pois tenho pouco tempo de vida. Pois é, isso mesmo! Por qualquer motivo absurdo, em uma rua qualquer, estarei lá, no momento errado e na hora errada e... PUM! Irei dessa para melhor! Deixarei meu amor, viúvo, meu filho, órfão, meus amigos, em desamparo... Dramático? Imagine!!! Rsrs!
Mas, calma: há os dias de breguice otimista. Acordamos e a mesma fadinha da feiúra, agora, se transformou na fadinha do amor. Então, acordo e sinto um enorme sentimento de amor: um amor pungente!(Arpas tocando!) Olho no relógio e ainda está cedo demais para levantar-me. Mesmo assim, vou tomar banho. Lavo os cabelos para que fiquem mais bonitos. Olho-me no espelho e minha pele está perfeita. Resolvo que vou menos desarrumada para o trabalho neste dia. Atravesso a ponte da Cidade Universitária cantando (quer dizer: isso eu faço tantos nos dias de pessimismo quanto nos de otimismo!)... uma música piegas! Just in time youve found me just in time…Before you came my time was running low! (repito o mesmo trecho diversas vezes, visto que nunca sei uma música por completo!). E tudo dará certo, mesmo em virtude de minha enorme preguiça em mudar meus erros.
Meus amigos são os melhores, meu amor é eterno e perfeito, meu filho é o mais belo, valoroso e feliz das crianças e tudo em minha vida sempre foi e sempre será motivo de nostalgia. Lembro-me de coisas boas e tenho vontade de paralisar o tempo em sua magnitude! Mas, aí por um místério semelhante que desencadeou o estado de breguice, acontece de aparecer a fadinha do senso crítico, e também, de hora para outra,torna tudo ridículo. Quer dizer, torna tudo muito mais ridículo! Até mesmo o que não deveria ser; o que não é.

Mas antes que o meu venha a meu socorro (ou para me infernizar!arrrgut!), deixo, a quem por essas bandas venha a xeretar, uma doce lembrança de um surto de pieguice...rsrs!

Caminhando e cantando
Seguindo a canção...


Brincadeira! Hihihi!

 

Aí vai!

 




 

Nina Simone

My Baby Just Cares for Me

My baby don't care for shows

My baby don't care for clothes

My baby just cares for me

My baby don't care for cars and races

My baby don't care for high-tone places

Liz Taylor is not his style

And even Lana Turner's smile

Is somethin' he can't see

My baby don't care who knows

My baby just cares for me

Baby, my baby don't care for shows

And he don't even care for clothes

He cares for me

My baby don't care

For cars and races

My baby don't care for

He don't care for high-tone places

Liz Taylor is not his style

And even Liberace's smile

Is something he can't see

Is something he can't see

I wonder what's wrong with baby

My baby just cares for

My baby just cares for

My baby just cares for me

Para ver a tradução dessa música, clique aqui.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Bora prosear?

Quando entrei no curso de Letras e iniciei os meus estudos em teoria literária, uma das primeiras coisas que aprendi é que o “como” eu digo um conteúdo já carrega em si o significado deste. A estrutura de uma idéia já é ela mesma uma idéia. Se isso fosse um texto acadêmico quem sabe eu tivesse de definir a partir desse ponto os pressupostos que abrem essa reflexão, como, qual é a minha concepção de idéia, de estrutura textual etc.

Mas para tanto, eu teria de fazer deste texto, um artigo acadêmico o que não é o meu propósito. O que aqui tentarei defender através do relato do que considero um grande defeito meu, e na cola do texto da Tiburi, “Conversar é uma forma de amar”, é o completo desleixo como estabeleço contato com as pessoas.   

Apesar de o conceito de “entrar na bolha” ter sido cunhado há pouco tempo por meus amigos da Lingüística, já não é de agora que moro em minha redoma de vidro. Há um tempo atrás, coloquei em um de meus relatos a minha terrível mania em esconder o que sinto e o que sei, me desqualificando em um “achismo” que enclausurava (ou ainda enclausura?) os meus quereres e, principalmente, os meus saberes, dentro do rótulo da mediocridade. Pois bem, desta vez partirei de uma outra perspectiva: quando eu esqueço de meu aprendizado de início de curso e irresponsavelmente faço uso de minhas palavras e de meu silêncio. O aborto do saber alheio por meio de minha intolerância.

O que dá a coerência e que conduzirá os argumentos nesse rascunho de reflexão é o destaque que faço ao modus operante de minha intolerância: o “como” materializo o incômodo das idéias alheias. Ora, ora! Colocado assim, parece uma contradição. Poderia pensar inclusive em um agravamento da idéia que já havia colocado em meu texto anterior: não digo o que sei, por pensar que nada sei e não ouço o que me dizem por também pensar que ninguém mais saiba! Mas veja: se eu subir só mais um grau na barra da discussão, quem sabe, não o seja. O que gostaria de apontar é a falta de reflexão e a intolerância como legitimo o conteúdo e o modo dos discursos “aceitáveis” e, consequentemente, as pessoas que produzem esses discursos. 

Houve dois fatos que me fizeram parar para pensar em minha “deslexia” em construir diálogos. O primeiro: observar pessoas que sabem conversar. Quais seriam? Irei apontar duas: minha tia Railda e meu amigo Renilson. Sabe por que os escolhi? Porque quando dialogam, prestam atenção no que o outro diz e mesmo que o seu interlocutor esteja a falar a maior das bobozeiras, sabem aproveitar o assunto para algo interessante. Por que sabem contar histórias e não precisam estar a todo o momento fazendo análises sociológicas, psicológicas e outros “ógicas” que existam por aí. Não defendo aqui a passividade como o caminho para a construção de boas relações e de bons diálogos. Não é isso. Mas partirei do seguinte principio: não temos mais paciência de conversar. Creio que aprendemos novas formas de conversa, mas, ou a restringimos ao exercício solitário e impessoal da leitura e da escrita, seja em blogs ou salas de bate-papo, ou a um exercício analítico em que exclusivamente postulamos valores ou exercitamos nossa vaidade retórica. O segundo fato e que foi decisivo: o teor combativo como TRAVO conversa (sim, porque minhas falas parecem as realizadas em uma guerra, ou uma arena) com algumas das pessoas que dialogo. É a impressão cada vez nítida da nossa (sim, pois percebo que não é uma característica que se restringe a mim!) falta de interesse com em ouvir e contribuir com o que as pessoas têm a nos contar o que me trouxe de volta a esse espaço.

E se eu começasse uma fala assim: quando eu era pequena, morava em um bairro da zona Leste de São Paulo, chamado São Miguel Paulista. Lá, estudei em uma escola pertinho de casa, o Carlos Gomes, há duas quadras de casa de mamãe. Àquela época, não havia tele transporte e tinha de ir a pé para a escola, com meu tênis all star azul e meu uniforme preto, com uma listra em vinho...? Como meu ouvinte reagiria? Provavelmente, com um “hum hum” bem educado e um enfastio enorme em seu interior. Mas é esse mesmo interlocutor quem vai a um blog ler por horas a rotina do primeiro estranho aparentemente interessante que o google o indique na internet. Isso porque nos relacionamos não com outras pessoas, volúveis, mutantes, defeituosas e cujas qualidades estão dissolvidas na rotina. Relacionamos-nos com pressupostos. Pressupostos fixos, o que é ainda pior. O outro é. E se gosta de mim, é como eu, ou o que eu gostaria que fosse. Se não, é o que é e sempre será: alguém que essencialmente por já ser o que eu não gosto que seja, obviamente, não poderá ter nada a dizer que não seja merda.  Ora! E ainda complemento o raciocínio: mas nem era preciso falar, era óbvio!!! Além disso, carrego na manga a desculpa para aqueles momentos em que a consciência resolve doer: eu gostaria de ter dado mais atenção, mas será que não entendem que EU não tinha tempo?! 

Ok, ok! Uma fala descontextualizada pode ser tão inútil quanto um noticiário de páginas da secção policial. E, além do que, poder-se-ia argumentar que vivemos na sociedade da fofoca. Mas não é a esse tipo de preenchimento de palavras a que me refiro. A minha reflexão visa criticar as obviedades não óbvias que pressupomos em nossa bolha de egoísmo, a preguiça em explicar, a impaciência em ouvir, o silêncio de corpos que foram feitos para se comunicarem, para DIALOGAREM, ou mesmo, aquelas conversas vazias, preenchimento inútil dos silêncios necessários, características que permeiam e emolduram diversas das relações afetivas que conheço, inclusive, as minhas relações.

Por apostar demais em uma certeza, ou pelo medo em invadir um espaço que, por infantilidade, atribuímos restritamente ao nosso interlocutor, abafamos de nossas idéias com uma agressividade que consideramos legitima a voz de muitas das pessoas que mantemos (ou deveríamos manter) DIálogo. Silencio o outro dentro de meu próprio silêncio, em minha desatenção e em meu esquecimento. Desqualifico opiniões que me desagradam e, nem ao menos, me dou ao trabalho de separar o joio do trigo.

A conseqüência (ou seria a causa?), creio, esteja no desrespeito à história de vida que cada um carrega no bojo de sua existência, da história de seus pressupostos, o desrespeito às pessoas que o influenciaram, muitas vezes por amor, a completa desqualificação do processo de formação de sua moral.

O que eu penso ser um grande defeito meu, mas não somente meu é a desatenção com que digerimos as experiências alheias e as nossas experiências. Quem sabe ainda precisemos aprender com os mais velhos, os da época de minha avó, que agachavam em frente à porta para trocar um dedinho de prosa. Simplesmente. Sem sublimação e teatralização teórica. Simplesmente uma boa prosa...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Relatos tardios

Era uma vez uma vontade de história...
Como aquelas com o cheiro de terra molhada
Cheiro do quintal de minha avó...
Onde tatus-bola constroem castelos invisíveis em algum tijolo misterioso
E o tempo passa devagar...
E eu não alcanço a fechadura da porta e tenho medo de subir no muro
Um muro muito gigante!
Infinito...
Mas que tenho certeza
Que, lá de cima, finalmente, eu teria a revelação de uma casa,
Casa caverna cuja porta é um buraco por onde somente crianças passam
E tudo nela é de luz e de botões
e de refrigerante e de chocolate e de coxinhas!
Era uma vez a língua das árvores e das flores
Era uma vez borboletas que não mais fogem de minhas mãos
(Sussurro)
“os vaga-lumes as convenceram de que também sou borboleta
com azas invisíveis e que moro em um jardim de amoreiras”.
Era uma vez uma história que trouxesse as coisas para o seu tamanho real
Em que tudo é tão longe e tão maior do que eu...
E, novamente, a sorveteria da minha casa é o melhor lugar do mundo!
Era uma vez um lugar em eu que só usaria rosa-cor-de-mamão
Mesmo o mamão sendo de outra cor
E os ladrões usam pedaços de pau como armas
E é só dizer “vivi” para desmorrer no mesmo instante
Nela, eu comerei ovo cozido com a gema mole,
Ouvindo minha avó cantar suas músicas estranhas
enquanto lava a louça do café
Teria uns dez filhinhos
Porque todos eram gatinhos
E não mais teria preguiça
Nem de trabalhar!
Porque seria cada dia uma coisa:
Um dia professora,
Outro dia bailarina,
Outro, policial,
E outro, uma mãezinha,
Era uma vez...
Então, minha avó viria me cobrir
E segurar as minhas mãos com suas mãos quentinhas
E os vaga-lumes que escondi no bolso
Viriam outra vez me levar
E eu, borboleta,
voltaria voando ao misterioso Castelo dos Tatus-Bola
em algum tijolo misterioso
de uma memória muito estranha,
(lembrança que se esquece)
mas que acorda no escuro do quarto
enquanto rezo,
com as mãos geladas
e o mesmo medo do escuro.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Por uma história da preguiça

A história do sonho ainda está por escrever-se.

Walter Benjamin

"Ai, que preguiça!".

Em Macunaíma, do Mario de Andrade.

Traria a felicidade, a esterilidade das palavras? E por essa dúvida finalmente as minhocas de minha cabeça se agitaram para a produção deste amontoado de idéias organizadas, ou ainda, texto. Racionalmente, eu responderia: não. Um ‘Não’ cujo respaldo é o ceticismo que carrego em relação ao conceito romântico de amor=dor, ou ainda, beleza=dor (dor que vem da vida e não a dor da incompreensão defendida por Kant, ao descrever o conceito de Sublime). Talvez por que realmente a vida possa ser tão melhor à ficção, eu não esteja conseguindo desamarrar as lembranças de quando a linguagem era a mim mais do que um intermédio. Vamos lá! Uma paráfrase do que ouvi por esses dias: eu havia ido morar nas palavras (filósofa Viviane Mosé). As feridas cicatrizaram devo dizer. Certos coágulos, porém, são irreversíveis. Agora que voltei, não consigo separar as idéias fruto dessa morada temporária, da outra: as idéias que carrego nas palavras que vivem em mim. Fora da linguagem, distraída com a vida (que é e deve ser o nosso fim último), me entreguei a uma preguiça, preguiça das idéias. Idéias que agora festejam; em silêncio... Mudas. Espere!  Espere um pouco. Antes de continuar, um aviso: eu comprei tudo isso. Sim, essa teoria de que o homem contemporâneo foi morar na linguagem e se esqueceu da vida, não é mais um deslumbramento das minhocas que por esta cabecinha se agitam. Até porque, não é pelo fato de eu ter aderido a essas idéias que elas sejam ruins. Apenas é que tenho necessidade de explicações. E por que o silêncio seja algo tão difícil de explicar e, paradoxalmente, grite tão alto, eu precisei de uma ajudinha... hum... extra. Mas vejamos...

Se eu fosse boa usuária da retórica, é bem provável que eu tivesse de ter começado este texto por seus contra-argumentos. Todavia, enquanto sofista e, das mais vagabundas, farei tudo a meu bel prazer. Prazer esse que, inclusive, me paralisa. O mundo continua uma droga, sinto dizer. Não é isso. Puritanos na Itália, corruptos no Brasil, xenófobos na Europa, machistas nos vizinhos, xeretas na portaria, vermelho na conta bancária. Mas é que, de repente, tudo isso passou e me desinteressar com grande força. Poderíamos levantar aqui também a questão do individual versus o coletivo. Ou que cansada de gritar a gente surda, desisti do mundo. Não de TODO o mundo. Porém, mantenho minha atenção apenas ao que me interessa. Um leitor mais atento, no entanto, perceberá que estou sendo contraditória. Saio da ficção para finalmente aportar na vida e ao mesmo tempo estou fora do mundo no qual essa mesma vida se faz vivência?! Eu sou um serzinho que seleciona. Aí, quem sabe, a contradição aí poderia ser resolvida: talvez seja mais fácil sermos críticos com aquilo que nos incomoda. Qual a necessidade em sermos críticos com aquilo que nos apraz? Eu sei que há, espere aí! Mas, em que medida, não reside exatamente aí, um de nossos pontos cegos? Seria a preguiça a dor de cabeça da felicidade? Ou apenas o medo de que ela acabe a qualquer momento?  Um efeito colateral de nosso desejo impossível em querer parar o tempo e congelar a vida, de modo a somente vivenciarmos os momentos de prazer! Morar em um pedaço de realidade e silenciar qualquer palavra que possa modificá-la. O silêncio da palavra que se confundiu com a morte da idéia. As idéias que, por saberem de sua força, têm medo de, em se corporificarem, modificarem a realidade. Como se o que fosse bom, necessariamente tivesse de ser estável. Uma vontade irresistível de suspensão do tempo. Oras! Mas o prazer também se manifesta (e talvez SÓ se manifeste) naquilo que é diverso! Até porque, como seria possível estar na vida e ao mesmo tempo querer pará-la? Seria a preguiça um erro conceitual?

Quem sabe, eu só precise argumentar isso com as minhas idéias. Bem... Bem... E como descrever com palavras à palavras as coisas que moram dentro de nosso silêncio? Ai... ai... Que preguiiiiiiiiiça... Parei!

 

Texto publicado também em www.locusdelokos.blogspot.com

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sexo, poder e a política da identidade (Michael Foulcault)

Rating:★★★★★
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Você sugere em seus livros que a liberação sexual não está tanto em colocar em jogo as verdades secretas sobre si mesmo ou sobre seu desejo do que em um elemento do processo de definição e construção do desejo. Quais são as implicações práticas desta distinção?
O que eu gostaria de dizer é que, em minha opinião, o movimento homossexual tem mais necessidade hoje de uma arte de viver do que de uma ciência ou um conhecimento científico (ou pseudocientífico) do que é a sexualidade. A sexualidade faz parte de nossa conduta. Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundo. A sexualidade é algo que nós mesmos criamos - ela é nossa própria criação, ou melhor, ela não é a descoberta de um aspecto secreto de nosso desejo. Nós devemos compreender que, com nossos desejos, através deles, se instauram novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo não é uma fatalidade; ele é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa.

É, no fundo, a conclusão à qual você chega quando diz que devemos tentar tornar-nos gays e não nos contentar em reafirmar nossa identidade de gays.
Sim, é isto. Nós não devemos descobrir que somos homossexuais.

Nem descobrir o que isto queira dizer?
Exatamente, nós devemos, antes, criar um modo de vida gay. Um tornar-se gay.

E é algo sem limites?
Sim, claramente. Quando examinamos as diferentes maneiras pelas quais as pessoas têm vivenciado sua liberdade sexual - a maneira que elas têm criado suas obras de arte -, forçosamente constatamos que a sexualidade tal qual a conhecemos hoje torna-se uma das fontes mais produtivas de nossa sociedade e de nosso ser. Eu penso que deveríamos compreender a sexualidade em um outro sentido: o mundo considera que a sexualidade constitui o segredo da vida cultural criadora; ela é mais um processo que se inscreve, para nós hoje, na necessidade de criar uma nova vida cultural, sob a condução de nossas escolhas sexuais.

Na prática, uma das conseqüências dessa tentativa de colocar em jogo o segredo é que o movimento homossexual não foi mais longe do que a reivindicação de direitos civis ou humanos relativos à sexualidade. Isso quer dizer que a liberação sexual tem se limitado ao nível de uma exigência de tolerância sexual.
Sim, mas é um aspecto que é preciso afirmar. É importante, de início, para um indivíduo ter a possibilidade - e o direito - de escolher a sua sexualidade. Os direitos do indivíduo no que diz respeito à sexualidade são importantes, e mais ainda os lugares onde não são respeitados. É preciso, neste momento, não considerar como resolvidos estes problemas. Desde o início dos anos sessenta, se produziu um verdadeiro processo de liberação. Este processo foi muito benéfico no que diz respeito situações relativas às mentalidades, mas a situação não está definitivamente estabilizada. Nós devemos ainda dar um passo adiante, penso eu. Eu acredito que um dos fatores de estabilização será a criação de novas formas de vida, de relações, de amizades nas sociedades, a arte, a cultura de novas formas que se instaurassem por meio de nossas escolhas sexuais, éticas e políticas. Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa.

Muitas coisas no que você diz lembram, por exemplo, as tentativas do movimento feminista, que deseja criar sua própria linguagem e sua própria cultura.
Sim, mas eu não estou seguro de que nós devamos criar nossa própria cultura. Nós devemos criar uma cultura. Devemos realizar criações culturais. Mas aí, devemos nos embater com o problema da identidade. Desconheço o que faríamos para produzir essas criações e desconheço quais formas essas criações tomariam. Por exemplo, eu não estou de todo certo de que a melhor forma de criação literária que possa atingir aos homossexuais sejam os romances homossexuais.

De fato, nós mesmos não concordaríamos em dizer isso. Seria partir de um essencialismo que nos devemos precisamente evitar.
É verdade. O que se entende, por exemplo, por "pintura gay"? E, entretanto, eu estou certo que a partir de nossas escolhas sexuais, a partir de nossas escolhas éticas podemos criar algo que tenha uma certa relação com a homossexualidade. Mas esta coisa não deve ser uma tradução da homossexualidade no domínio da música, da pintura - o que sei eu, novamente? - que penso não ser possível.

Como você vê a extraordinária proliferação, depois dos últimos dez ou quinze anos, das práticas homossexuais masculinas, a sensualização, se você prefere, de certas partes até então negligenciadas do corpo e a expressão de novos desejos? Eu penso, é claro, nas características mais surpreendentes daquilo que chamamos filmes gueto-pornôs, os clubes de S/M [sadomasoquismo] ou de fistfucking. É isto uma simples extensão, em uma outra esfera, da proliferação geral dos discursos sexuais depois do séc. XIX, ou antes se tratam de desenvolvimentos de outro tipo, próprios do contexto histórico atual?
De fato, o que gostaríamos de falar aqui é precisamente, penso, das inovações que implicam essas práticas. Consideramos, por exemplo, a "sub-cultura S/M", para retomar uma expressão cara a nossa amiga Gayle Rubin1. Eu não penso que o movimento das práticas sexuais tenha a ver com colocar em jogo a descoberta de tendências sado-masoquistas profundamente escondidas em nosso inconsciente. Eu penso que o S/M é muito mais que isso, é a criação real de novas possibilidades de prazer, que não se tinha imaginado anteriormente. A idéia de que o S/M é ligado com uma violência profunda e que essa prática é um meio de liberar essa violência, de dar vazão à agressão é uma idéia estúpida. Sabemos muito bem que essas pessoas não são agressivas; que elas inventam novas possibilidades de prazer utilizando certas partes estranhas do corpo - erotizando o corpo. Eu penso que temos uma forma de criação, de empreendimento de criatividade, dos quais a principal característica é o que chamo de dessexualização do prazer. A idéia de que o prazer físico provém sempre do prazer sexual e a idéia de que o prazer sexual é a base de todos os prazeres possíveis, penso, é verdadeiramente algo de falso. O que essas práticas de S/M nos mostram é que nós podemos produzir prazer a partir dos objetos mais estranhos, utilizando certas partes estanhas do corpo, nas situações mais inabituais, etc.

A assimilação do prazer ao sexo é, então, ultrapassada.
É exatamente isso. A possibilidade de utilizar nossos corpos como uma fonte possível de uma multiplicidade de prazeres é muito importante. Se consideramos, por exemplo, a construção tradicional do prazer, constata-se que os prazeres físicos, ou os prazeres da carne, são sempre a bebida, a comida e o sexo. É ai que se limita, me parece, nossa compreensão dos corpos, dos prazeres. O que me frustra, por exemplo, que se considere sempre o problema das drogas exclusivamente em termos de liberdade ou de proibição. Penso que as drogas deveriam tornar-se elemento de nossa cultura.

Enquanto fonte de prazer?
Enquanto fonte de prazer. Devemos estudar as drogas. Devemos experimentar as drogas. Devemos fabricas boas drogas - capazes de produzir um prazer muito intenso. O puritanismo, que coloca o problema das drogas - um puritanismo que implica o que se deve estar contra ou a favor - é uma atitude errônea. As drogas já fazem parte de nossa cultura. Da mesma forma que há boa música e má música, há boas e más drogas. E então, da mesma forma que não podemos dizer somos "contra" a música, não podemos dizer que somos "contra" as drogas.

O objetivo é testar o prazer e suas possibilidades.
Sim. O prazer também deve fazer parte de nossa cultura. É muito interessante notar, por exemplo, que depois de séculos as pessoas em geral - mas também os médicos, os psiquiatras e mesmo os movimentos de liberação - têm sempre falado do desejo e nunca do prazer. "Nós devemos liberar o nosso desejo", dizem eles. Não! Devemos criar prazeres novos. Então, pode ser que o desejo surja.

É significativo que certas identidades se constituam em torno de novas práticas sexuais tais quais o S/M? Essas identidades favorecem a exploração dessas práticas; elas contribuem também para o direito do indivíduo de entregar-se. Mas elas também não restringem as possibilidades do indivíduo?
Veja bem, se a identidade é apenas um jogo, apenas um procedimento para favorecer relações, relações sociais e as relações de prazer sexual que criem novas amizades, então ela é útil. Mas se a identidade se torna o problema mais importante da existência sexual, se as pessoas pensam que elas devem "desvendar" sua "identidade própria" e que esta identidade deva tornar-se a lei, o princípio, o código de sua existência, se a questão que se coloca continuamente é: "Isso está de acordo com minha identidade?", então eu penso que fizeram um retorno a uma forma de ética muito próxima à da heterossexualidade tradicional. Se devemos nos posicionar em relação à questão da identidade, temos que partir do fato de que somos seres únicos. Mas as relações que devemos estabelecer conosco mesmos não são relações de identidade, elas devem ser antes relações de diferenciação, de criação, de inovação. É muito chato ser sempre o mesmo. Nós não devemos excluir a identidade se é pelo viés desta identidade que as pessoas encontram seu prazer, mas não devemos considerar essa identidade como uma regra ética universal.

Mas até agora a identidade sexual tem sido muito útil politicamente.
Sim, ela tem sido muito útil, mas é uma identidade que nos limita e, penso eu que temos (e podemos ter) o direito de ser livres.

Queremos que algumas de nossas práticas sexuais sejam práticas de resistência no sentido político ou social. Como isso é possível, sendo que a estimulação do prazer pode servir para exercer um controle? Podemos estar seguros de que não haverá exploração desses novos prazeres? Estou pensando na maneira pela qual a publicidade utiliza a estimulação do prazer como um instrumento de controle social.
Não se pode nunca estar seguro de que não haverá exploração. De fato podemos estar seguros de que haverá uma, e que tudo o que se tem criado ou adquirido, todo o terreno que se tem ganhado será, em um momento ou outro, utilizado desta maneira. Parece ser assim na vida, na luta e na história dos homens. E eu não penso que isso seja uma objeção a todos esses movimentos ou a todas essas situações. Porém, você tem razão em assinalar que devemos ser prudentes e conscientes do fato de que devemos seguir a diante, ter também outras necessidades. O gueto S/M de São Francisco é um bom exemplo de uma comunidade que fez a experiência do prazer e que constituiu uma identidade em torno deste prazer. Esta guetização, esta identificação, este processo de exclusão produz efeitos de retorno. Eu não ousaria usar a palavra "dialética", mas não está muito longe disso.

Você escreve que o poder não é somente uma força negativa, mas também uma força produtiva; que o poder está sempre presente; e que onde há poder, há resistência, e que a resistência não é nunca uma posição de exterioridade em relação ao poder. Mas se é assim, como não chegarmos à conclusão de que estamos presos no interior dessa relação e de que não podemos, de uma certa maneira, escapar?
Na realidade, eu não penso que a palavra "presos" seja a palavra justa. Trata-se de uma luta, mas o que quero dizer quando falo de relações de poder é que estamos, uns em relação aos outros, em uma situação estratégica. Por sermos homossexuais, por exemplo, estamos em luta com o governo e o governo em luta conosco. Quando temos negócios com o governo a luta, é claro, não é simétrica, a situação de poder não é a mesma, mas participamos ao mesmo tempo dessa luta. Basta que qualquer um de nós se eleve sobre o outro, e o prolongamento dessa situação pode determinar a conduta a seguir, influenciar a conduta ou a não-conduta de outro. Não somos presos, então. Acontece que estamos sempre de acordo com a situação. O que quero dizer é que temos a possibilidade de mudar a situação, que esta possibilidade existe sempre. Não podemos nos colocar fora da situação, em nenhum lugar estamos livres de toda relação de poder. Eu não quis dizer que somos sempre presos, pelo contrário, que somos sempre livres. Enfim, em poucas palavras, há sempre a possibilidade de mudar as coisas.

A resistência está, então, no interior dessa dinâmica da qual se pode retirá-la?
Sim. Veja que se não há resistência, não há relações de poder. Porque tudo seria simplesmente uma questão de obediência. A partir do momento que o indivíduo está em uma situação de não fazer o que quer, ele deve utilizar as relações de poder. A resistência vem em primeiro lugar, e ela permanece superior a todas as forças do processo, seu efeito obriga a mudarem as relações de poder. Eu penso que o termo "resistência" é a palavra mais importante, a palavra-chave dessa dinâmica.

Politicamente falando, o elemento mais importante pode ser, quando se examina o poder, o fato de que, segundo certas concepções anteriores, "resistir" significa simplesmente dizer não. É somente em termo de negação que se tem conceitualizado a resistência. Tal como você a compreende, entretanto, a resistência não é unicamente uma negação. Ela é um processo de criação. Criar e recriar, transformar a situação, participar ativamente do processo, isso é resistir.
Sim, assim eu definiria as coisas. Dizer não constitui a forma mínima de resistência. Mas, naturalmente, em alguns momentos é muito importante. É preciso dizer não e fazer deste não uma forma decisiva de resistência.

Isso suscita a questão de saber de qual maneira, e em qual medida, um sujeito - ou uma subjetividade - dominado pode criar seu próprio discurso. Na análise tradicional do poder, o elemento onipresente sobre o qual se funda a análise é o discurso dominante, as reações a este discurso ou, no interior desse discurso, apenas os elementos subsidiários. Entretanto, se por "resistência" no seio das relações de poder entendemos mais que uma simples negação, não se pode dizer que certas praticas - o S/M lesbiano, por exemplo - são de fato a maneira na qual sujeitos dominados formulam sua própria linguagem?
De fato. Eu penso que a resistência é um elemento das relações estratégicas nas quais se constitui o poder. A resistência se apóia, na realidade, sobre a situação à qual combate. No movimento homossexual, por exemplo, a definição médica de homossexualidade constituiu-se em um instrumento muito importante para combater a opressão da qual era vítima a homossexualidade no fim do século XIX e início do XX. Esta medicalização, que foi um meio de opressão, tem sido também um instrumento de resistência, já que as pessoas podem dizer: "se somos doentes, então por que nos condenam, nos menosprezam?", etc. É claro que este discurso nos parece hoje bastante ingênuo, mas para a época ele foi muito importante.
Eu diria também, no que diz respeito ao movimento lesbiano, em minha perspectiva, que o fato de que as mulheres tenham sido por séculos e séculos isoladas na sociedade, frustradas, desprezadas de várias maneiras lhes proporcionou uma possibilidade real de constituir uma sociedade, de criar um certo tipo de relação social entre elas, fora de um mundo dominado pelos homens. O livro de Lillian Faderman, Surpassing the Love of Men2, é, a este respeito, muito interessante. Ele levanta uma questão: Que tipo de experiência emocional, que tipo de relações podem ser estabelecidas num mundo onde as mulheres não têm poder social, legal ou político? E Faderman afirma que as mulheres utilizaram esse isolamento e essa ausência de poder.

Se a resistência é o processo que consiste em liberar-se das práticas discursivas, parece que o S/M lesbiano seja uma das práticas que, a uma primeira vista, pode-se declarar mais legitimamente praticas de resistência. Em que medida essas práticas e essas identidades podem ser percebidas como uma contestação ao discurso dominante?
O que me parece interessante, no que diz respeito ao S/M lesbiano é que ele permite se liberar de um certo número de estereótipos da feminilidade que são utilizados no movimento lesbiano - uma estratégia que o movimento lesbiano elaborou no passado. Essa estratégia se funda sobre a opressão de que foram vítimas as lésbicas, e o movimento a utilizou para lutar contra essa opressão. Mas é possível que hoje essas ferramentas, essas armas estejas ultrapassadas. É claro que o S/M lesbiano tenta se liberar de todos os velhos estereótipos da feminilidade, das atitudes de rejeição dos homens, etc.

Em sua opinião, o que se pode aprender a respeito do poder - e além do mais também, o prazer - com a prática do S/M que é no fundo uma erotização explicita do poder?
Pode-se dizer que o S/M é a erotização do poder, a erotização das relações estratégicas. O que me choca no S/M é a maneira como ele se difere do poder social. O poder se caracteriza pelo fato de que ele constitui uma relação estratégica que se estabeleceu nas instituições. No seio das relações de poder, a mobilidade é então limitada, e certas fortalezas são muito difíceis de derrubar por terem sido institucionalizadas, porque sua influência é sensível no curso da justiça, nos códigos. Isso significa que as relações estratégicas entre os indivíduos se caracterizam pela rigidez.
Dessa maneira, o jogo do S/M é muito interessante porque, enquanto relação estratégica, é sempre fluida. Há papeis, é claro, mas qualquer um sabe bem que esses papéis podem ser invertidos. Às vezes, quando o jogo começa, um é o mestre e, no fim, este que é escravo pode tornar-se mestre. Ou mesmo quando os papéis são estáveis, os protagonistas sabem muito bem que isso se trata de um jogo: ou as regras são transgredidas ou há um acordo, explícito ou tácito, que define certas fronteiras. Este jogo é muito interessante enquanto fonte de prazer físico. Mas eu não diria que ele reproduz, no interior da relação erótica, a estrutura do poder. É uma encenação de estruturas do poder em um jogo estratégico, capaz de procurar um prazer sexual ou físico.

Em que esse jogo estratégico é diferente na sexualidade e nas relações de poder?
A prática do S/M se abre a criação do prazer e existe uma identidade entre o que acontece e essa criação. É a razão pela qual o S/M é verdadeiramente uma sub-cultura. É um processo de invenção. O S/M é a utilização de uma relação estratégica como fonte de prazer (de prazer físico). Esta não é a primeira vez que as pessoas utilizam as relações estratégicas como fonte de prazer. Havia, na Idade Média, por exemplo, a tradição do amor cortesão, com o trovador, a maneira que se instaura as relações amorosas entre uma dama e seu amante, etc. Tratava-se, também, de um jogo estratégico. Este jogo é retomado, hoje, entre os garotos e garotas que vão dançar sábado à noite. Eles colocam em cena relações estratégicas. O interessante é que, na vida heterossexual, essas relações estratégicas precedem o sexo. Elas existem seguindo a finalidade de obter o sexo. No S/M, por outro lado, essas relações estratégicas fazem parte do sexo, como uma convenção de prazer no interior de uma relação particular.
Em um dos casos, as relações estratégicas são puramente sociais e é o ser social que é objetivado; enquanto que no outro caso, o corpo é implicado. E é essa transferência de relações estratégicas que passam do ritual da corte ao plano sexual, o que é particularmente interessante.

Em uma entrevista concedida há um ou dois anos à revista Gay Pied3, você dizia que o que mais perturbava às pessoas nas relações homossexuais não é tanto o ato sexual em si, mas a perspectiva de ver as relações afetivas se desenvolverem fora dos quadros normativos. Os lugares e as amizades que se atam são imprevisíveis. Você acha que é esse potencial desconhecido que as relações homossexuais portam, ou você diria que essas relações são percebidas como uma ameaça direta em oposição às instituições sociais?
Se há uma coisa que me interessa hoje é o problema da amizade. No decorrer dos séculos que se seguiram à Antiguidade, a amizade se constituiu em uma relação social muito importante: uma relação social no interior da qual os indivíduos dispõem de uma certa liberdade, de uma certa forma de escolha (limitada, claramente), que lhes permitia também viver relações afetivas muito intensas. A amizade tinha também implicações econômicas e sociais - o indivíduo devia auxiliar seus amigos, etc. Eu penso que, no séc. XVI e no séc. XVII, viu-se desaparecer esse tipo de amizade, no meio da sociedade masculina. E a amizade começa a tornar-se outra coisa. A partir do séc. XVI, encontram-se textos que criticam explicitamente a amizade, que é considerada como algo perigoso.
O exército, a burocracia, a administração, as universidades, as escolas, etc. - no sentido que se tem essas palavras nos dias de hoje - não podiam funcionar diante de amizades tão intensas. Podemos ver em instituições um esforço considerável por diminuir ou minimizar as relações afetivas. Neste caso, em particular, nas escolas. Quando se inauguraram as escolas secundárias que acolheram alguns jovens rapazes, um dos problemas foi o de saber como se podia não somente impedir as relações sexuais, claramente, mas também em impedir as amizades. Sobre o tema da amizade, pode-se estudar, por exemplo, a estratégias das instituições jesuítas - eles estavam cientes da impossibilidade de supressão da amizade, eles tentaram então utilizar o papel que tinha o sexo, o amor, a amizade e de limitá-los. Deveríamos agora, depois de estudar a história da sexualidade, tentar compreender a história da amizade, ou das amizades. É uma história extremamente interessante.
E uma de minhas hipóteses - estou certo de que ela se verificaria se nos colocássemos esta tarefa - é que a homossexualidade (pelo que eu entendo a existência de relações sexuais entre os homens), torna-se um problema a partir do séc. XVIII. A vemos tornar-se um problema com a polícia, com o sistema jurídico. Penso que se ela tornou-se um problema, um problema social, nessa época, é porque a amizade desapareceu. Enquanto a amizade representou algo importante, enquanto ela era socialmente aceita, não era observado que os homens mantivessem entre eles relações sexuais. Não se poderia simplesmente dizer que eles não as tinham, mas que elas não tinham importância. Isso não tinha nenhuma implicação social, as coisas eram culturalmente aceitas. Que eles fizessem amor ou que eles se abraçassem não tinha a menor importância. Absolutamente nenhuma. Uma vez desaparecida a amizade enquanto relação culturalmente aceita, a questão é colocada: "o que fazem, então, dois homens juntos?" E neste momento o problema apareceu. Em nossos dias, quando os homens fazem amor ou têm relações sexuais, isso é percebido como um problema. Estou seguro de ter razão: a desaparição da amizade enquanto relação social e o fato da homossexualidade ser declarada como problema social, político e médico fazem parte do mesmo processo.

Se o que importa hoje é explorar as novas possibilidades da amizade, é preciso frisar que em um sentido largo, todas as instituições sociais são feitas para favorecer as amizades e as estruturas heterossexuais, com o menosprezo às amizades e estruturas homossexuais. O verdadeiro trabalho não é instaurar novas relações sociais, novos modelos de valores, novas estruturas familiares etc.? Todas as estruturas e as instituições que caminham juntas com a monogamia e com a família tradicional são uma das coisas que os homossexuais não tem facilmente acesso. Que tipo de instituições devemos começar a instaurar com a finalidade não somente de defender-nos, mas também de criar novas formas sociais que constituirão uma solução efetiva?
Quais instituições? Não tenho uma idéia precisa. Claramente, penso que seja totalmente contraditório aplicar para esse fim e esse tipo de amizade o modelo da vida familiar ou as instituições que caminham junto com a família. Mas é verdade que, em função de algumas relações que existem na sociedade são formas protegidas de vida familiar, se constata que algumas variantes não são protegidas, são ao mesmo tempo, mais ricas, mais interessantes e mais criativas do que essas relações. Mas, naturalmente, elas são também bem mais frágeis e vulneráveis. A questão de saber quais tipos de instituições devemos criar é uma questão capital, mas eu não posso trazer a resposta. Nosso trabalho, penso eu, é tentar elaborar uma solução.

Em que medida queremos ou temos necessidade de que o projeto de liberação dos homossexuais seja um projeto que, longe de se contentar em propor um percurso, pretenda abrir novos caminhos? Dito de outra forma, sua concepção de política sexual recusa a necessidade de um programa a ser seguido, em função preconizar a experimentação de novos tipos de relação?
Penso que uma das grandes constatações que temos feito desde a Primeira Guerra é essa do fracasso de todos os programas sociais e políticos. Percebemos que as coisas não se produzem nunca como os programas políticos querem descrever; e que os programas tem sempre, ou quase sempre, conduzido seja a abusos, seja a uma dominação política por parte de um grupo, quer sejam técnicos, burocratas ou outros. Mas uma das realizações dos anos sessenta e setenta - que considero como realizações benéficas - é que certos modelos institucionais têm sido experimentados sem programas. Sem programa não quer dizer cegamente - enquanto cegueira de pensamento. Na França, por exemplo, nos últimos tempos, se tem criticado bastante o fato de que os diferentes movimentos políticos em favor da liberdade sexual, das prisões, da ecologia, etc., não tenham programa. Mas, penso, não ter programa pode ser ao mesmo tempo, muito útil, muito original e muito criativo, se isso não quer dizer não ter reflexão real sobre o que acontece ou não se preocupar com o que é impossível.
Desde o século XIX, as grandes instituições políticas e os grandes partidos políticos confiscaram o processo de criação política, quero dizer com isso que eles têm tentado dar à criação política a forma de um programa político, com a finalidade de se apoderar do poder. Penso que é necessário preservar o que se produziu nos anos sessenta e no início dos anos setenta. Uma das coisas que é preciso preservar, creio, é a existência, fora dos grandes partidos políticos, e fora do programa normal ou comum, uma certa forma de inovação política, de criação política e de experimentação política. É um fato que a vida cotidiana das pessoas tem mudado entre o início dos anos sessenta e agora; minha própria vida é testemunho disso. Evidentemente, não devemos essas mudanças aos partidos políticos, mas aos numerosos movimentos. Esses movimentos têm verdadeiramente transformado nossas vidas, nossa mentalidade e nossas atitudes, assim como as atitudes e a mentalidade de outras pessoas - as pessoas que não pertencem a esses movimentos. E isso é algo de muito importante e muito positivo. Eu repito, não são essas velhas organizações políticas tradicionais e normais que permitem esse exame.


Michel Foucault, an Interview: Sex, Power and the Politics of Identity; entrevista com B. Gallagher e A. Wilson, Toronto, junho de 1982; The Advocate, n. 400, 7 de agosto de 1984, pp. 26-30 e 58. Esta entrevista estava destinada à revista canadense Body Politic. Tradução de wanderson flor do nascimento.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Comercializando fantasias: a representação social da prostituição, dilemas da profissão e a construção da cidadania

http://www.scielo.br/pdf/ref/v13n3/a04v13n3.pdf
O presente artigo discute fatos, percepções e representações sociais do cotidiano das mulheres profissionais do sexo (MPS). Foram avaliados oito projetos de intervenção educativa sobre DST/Aids dirigidos a MPS, em cidades das regiões Sul, Nordeste e Sudeste. Foram realizadas entrevistas em profundidade e grupos focais. Os resultados revelaram que a representação da
mulher que vende o corpo vem sendo re-significada para a realização de fantasias eróticas. As perspectivas de maior autonomia da profissão contrastam com a discriminação e a pressão psicológica. Foi mencionada a violência, praticada por clientes e policiais. Foram evidentes a importância do preservativo na negociação dos programas e o não-uso do mesmo em relações
com envolvimento afetivo ou devido à concorrência. Conclui-se, sob a ótica da autonomia, que classe social, escolaridade, situação de crise econômica e estigma ocasionam discriminação, violência e risco de contágio de DST e HIV.