quarta-feira, 4 de março de 2009

As meias palavras e as meias verdades

Olá querido e abandonado diário, quanto tempo!

E é sempre assim, não é mesmo?! Todas as vezes que minhas idéias freiam, é a este tom e à cumplicidade do diálogo o que me resta das migalhas de minha criatividade. Em alguns textos atrás, me reportei como causa de minha inatividade, a uma possível preguiça das idéias. Mas passados alguns meses, desconfio de que após o período de “preguiça”, o que me sucede, além do caráter de urgência de meu dia-a-dia, é a perversa e erronia sensação de estanque das idéias. A melancolia da curiosidade.

Não me considero completa. Não é necessário descabelar-se quanto a esse possível erro de minha parte. Não parei os meus questionamentos por considerar-me com conhecimento suficiente para não mais ter o que questionar. O que cresce em mim é um sentimento de outra ordem: o de que não tenho mais nada a dizer. Acabou. Secou a fonte. Sequei.     

Na semana que antecedeu ao carnaval, houve a semana de recepção aos calouros na USP. E ao ver todos aqueles jovens, de rosto pintado e a minha consciência da brancura daqueles futuros, futuros tão livres, não pude conter o enorme sentimento de nostalgia de quando também fui caloura, de quando ainda era “bichete”. Eu tinha o futuro em minhas mãos e ele parecia algo misterioso e maravilhoso. Eu passaria a morar sozinha, em moradia estudantil, na melhor Universidade do país, fazendo o curso que eu escolhi. Eu não iria ter muito dinheiro para as despesas, mas ganharia o suficiente para pagar os gastos com o material da faculdade, com a alimentação e ainda sobrariam uns trocados para passear pelo centro e para pegar uns livros nos sebos da vida. Eu poderia sair a qualquer hora, para onde eu quisesse, e se eu juntasse uma grana, poderia fazer algumas viagens nas férias, à alguma cidade não muito distante. Eu poderia... Às vezes é difícil escapar da frustração em não me enquadrar naquilo que gostaria ter sido e que não fui.

As coisas nestes últimos tempos têm me parecido mais difíceis do que de costume, quase inatingíveis. Por esses dias recebi um e-mail de minha orientadora esclarecendo que avaliará se realmente abrirá uma vaga de mestrado, etc. Eu fiquei meio decepcionada (não, esse não é o único motivo de meu mutismo!), mas ao avaliar bem o comportamento que tive diante dela e o conteúdo de meu projeto, vejo que foi muito educada frente ao caráter do que a ela apresentei: mediano, medíocre. Pois é... Mas o que fazer com as idéias medianas? As minhas ando a deixar todas pela metade. Textos pela metade, projetos pela metade, faculdade pela metade, vontades pela metade.

Esse ano farei 25 anos. A idade que sempre quis ter. Isso por que acreditava que com vinte e cinco anos não haveria ninguém a questionar a “adulteza” de minhas atitudes. Mas vejo que eu estava equivocada. O que eu teimo em ignorar é que quem emprega credibilidade às minhas atitudes sou eu. Porém, acostumada a entregar a finalização de meus projetos a terceiros, realmente ficou difícil a essa altura do campeonato querer voltar ao comando do barco; preguiçoso trabalha dobrado, já diz um certeiro ditado. É óbvio que devo ser sincera e reconhecer o bocado de demagogia que existe na imagem que projeto de mim e dos papéis a que me submeto. Aos silêncios passivos aos quais eu até me felicito em tantas situações onde o direito da palavra era meu.

Por esses dias, me peguei a questionar a minha condição de mãe colocando-a na lista de meus obstáculos. Não que seja inquestionável, mas mais uma vez me vi na frustração em não ser o que os outros gostariam que eu fosse. Não sonhei ser mãe. Preciso ser sincera. Nem sempre tenho paciência. É difícil, é cansativo e às vezes é mesmo muito chato.  Mas daí me envergonhar em ocupar esse papel há uma grande distancia, né? Tive vergonha de ter ingressado à universidade aos 17 anos de idade e ter chegado aos 24 ainda não ter completado o meu curso, não ter adquirido nenhum objeto de valor, não trabalhar no que eu gosto e nem sequer conseguir escrever um maldito projeto de mestrado de 20 páginas. Tive vergonha de ter que mendigar uma vaga no CRUSP à universidade. Mas o que eu liguei sem rodeios a tudo isso, sem o menor pestanejar foi o fato de eu ter me envergonhado de tudo isso e mais a vergonha de já estar com um filho nos braços. Como se todas as atitudes acomodadas que venho mantendo seja conseqüência direta de sua existência! Se tudo é realmente mais difícil com ele, pior ainda comigo.  

E de novo, o retorno ao zero! Às pequenas e nefastas acomodações de cada dia. Agora, sem a criatividade em meu auxilio. Enfim, mais um texto pela metade (só que desta vez, publicado).

 

Imagem: quadro de Salvador Dali, The Persistence of Memory

2 comentários:

  1. Nunca me esqueço de você me dizendo, em um alegre dia de fila de bandejão (quando o maior de nossos problemas era pensar que a sobremesa se "tornaria" laranja e o estrogonofe, salsicha; caso demorasse demais pra chegar nossa vez):

    "A felicidade está na ignorância"

    Pois é, ignoramos o fato de que éramos felizes, mas quero te dizer pra não ignorar as coisas felizes que acontecem no dia a dia, apesar de tantos empecilhos. Você não precisa ser perfeita em tudo, mas continuar dando o melhor de si.

    O problema é que a gente tem tendência a achar que o que fizemos não era o melhor possível e a se preocupar demais com o que os outros pensam. É vício, difícil de largar.

    Mas faça o que te faz feliz. Não só, porque eu sei que a vida não é assim um Monet.
    Também não te digo pra obstinar-se no "carpe diem" e abrir mão de fazer planos futuros, embora creia que colocar todas as fichas neles é demais.

    Quando algum plano/sonho/desejo dá errado, pense que pode haver um plano B ou uma surpresa qualquer em sua vida. Queremos sempre a vida planejada, hierarquizada e organizada como num fluxograma, mas é a surpresa - a "ignorância" do futuro - que traz um pouco mais de colorido ao viver.

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  2. Nunca me esqueço de você me dizendo, em um alegre dia de fila do bandejão (quando o maior de nossos problemas era pensar que a sobremesa se "tornaria" laranja e o estrogonofe, salsicha; caso demorasse demais pra chegar nossa vez):

    "A felicidade está na ignorância"

    Pois é, ignoramos o fato de que éramos felizes, mas quero te dizer pra não ignorar as coisas felizes que acontecem no dia a dia, apesar de tantos empecilhos. Você não precisa ser perfeita em tudo, mas continuar dando o melhor de si.

    O problema é que a gente tem tendência a achar que o que fizemos não era o melhor possível e a se preocupar demais com o que os outros pensam. É vício, difícil de largar.

    Mas faça o que te faz feliz. Não só, porque eu sei que a vida não é assim um Monet.
    Também não te digo pra obstinar-se no "carpe diem" e abrir mão de fazer planos futuros, embora creia que colocar todas as fichas neles é demais.

    Quando algum plano/sonho/desejo dá errado, pense que pode haver um plano B ou uma surpresa qualquer em sua vida. Queremos sempre a vida planejada, hierarquizada e organizada como num fluxograma, mas é a surpresa - a "ignorância" do futuro - que traz um pouco mais de colorido ao viver.

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