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terça-feira, 19 de junho de 2012

Corpo líquido

Olá querida linguagem diarística, como vai? Olá eu mesma, única leitora de meus textos! E após um longo silêncio do diálogo comigo mesma, eis que volto a essa esquizofrenia de cada dia. O motivo? Sobre ser “des”, sobre ser “a”, sobre as aventuras de meu desnascer de cada dia.

Faz algum tempo que me faço “políticas” promessas a respeito de alguns projetos. Entre tantos sonhares, citarei os relacionados à escrita. Prometi-me escrever um ensaio sobre corpo na contemporaneidade, um texto sobre infância e espaço, o término de um relato sobre um sonho maluco que tive e a escrita de  uma história infantil. Até o momento, só realizei a conclusão da última. E nesse meio tempo, dores, frustrações, doçuras e a vida que de um momento a outro me colocou em suspenso. Um futuro em neblina. E eis que perdida nas charadas de meu destino o qual resolveu que levará para longe dois de meus melhores amigos, deixar-me sem endereço e atrasar mais uma vez a entrada ao mestrado, vejo uma ponta de beleza. Quem sabe para salvar um ego que desesperadamente segura-se pelas bordas. Ou seja pela beleza mesma  que há em noites de neblina. A vida em suspenso. A vida a contemplar seu próprio processo. O texto hoje é sobre a beleza da neblina... 

Amaldiçoamos em nossa cultura a neblina noturna de nossas vidas. Tentarei explicar.  E a palavra “tentarei” é uma escolha ética. Bauman  em seus textos sobre o Amor, o Tempo e Identidades Liquidas, entre outros temas, aponta-nos o caráter imediatista, acelerado, individualista e frágil de nosso tempo, de nossas identidades e de nossos amores. Amores líquidos e medrosos que presam pela superficialidade das relações, pela assepsia dos contatos humanos e pela angustia do desejo por novidades que nunca é sanado na profundidade das relações amorosas, mas antes, no consumo de identidades líquidas, claro.   Identidades essas fruto de um egocentrismo alucinado e tristemente carente que nos aleija de afetividades duradouras, ou mesmo, de projetos coletivos a longo prazo. 

Sob o falso rótulo de diversidade, diversidade essa nada diversa - que exclui mulheres, mendigos, ex-presos, negros, favelados, velhos e crianças do que não se enquadre em um tempo líquido, de relações liquidas - somos nós todos liquefeitos por discursos de naturalidades nada naturais que passam por cima de tudo que atravesse o que não serve ao consumo. E, nesse momento, poderíamos perguntar ”o que é o consumo?”, ao mesmo tempo que relembramos os dizeres de Schopenhauer sobre o desejo de felicidade. Talvez o filosofo escrevesse com muito mais firmeza sobre a angustia do desejo, se vivesse em nossa época. Afinal, nada mais assertivo na vivencia do tempo líquido do que afirmar que felicidade é um objetivo inútil, posto que é fugaz. Em uma sociedade cujo alicerce é o consumo, a felicidade é sempre uma angustia. Isso porque consumo é resultado. Nossa felicidade é produzida para ser consumida em alguns minutos, ou mesmo, horas e logo depois, descartada. Vou além: consumimos, entre outras coisas, verdades. Ainda. 

Foucault em um de seus livros sobre a História da Sexualidade levanta a hipótese de sermos uma cultura da vontade de saber, ou ainda a vontade de verdade. Desde Platão herdamos a herança de desejar encontrar a grande verdade das coisas. E com isso, embutimos a vontade em apagar qualquer tentativa de diversidade. Foucault nos aponta como desde a inquisição, na religião, à psicologia, na medicina, estamos ideologicamente em busca da Verdade. Para tanto, nos lembra da inquisição com seus confessionários cheios de pecadores e seus fieis a confessarem os pecados que ela mesma criou, em nome de uma pura e essencial verdade divina. Nos lembra também das ciências médicas, como a psicologia, a qual tem como objetivo a busca de nossos misteriosos segredos psíquicos. Segredos de nossas almas e os quais nem mesmo nós saberíamos. Basta lembrarmos como, sob o discurso da verdade e da higiene mental, rotulamos por tanto tempo homossexuais como doente psíquicos e com que frieza lobotomizamos milhares de pessoas sob o diagnóstico de loucura. Assim, em nome da Verdade, pudemos criar o bem e o mal e eleger quem e o que deve se enquadrar nessas categorias. Pudemos eleger as culturas portadoras da verdade, a moral da verdade, a sexualidade da verdade. E o que é a Verdade? Eu arrisco aqui em dizer: a verdade em nossa cultura é resultado. Resultado esse produzido somente por quem pode deter a verdade. 

O ato de dizer, dessa maneira, está restrito ao que detiver os requisitos necessários de determinada identidade. No caso da Grécia, o cidadão – excluídos os escravos, as crianças e as mulheres. Em nosso caso, as diversificadas e legitimas identidades líquidas. O conceito de identidade pressupõe alguns requisitos. Mas, conforme os parâmetros de nossa época e ainda, restringirei, em nossa cultura contemporânea ocidental, pressupõe basicamente a capacidade em ser X e não ser Y.  Dessa forma, nossa sexualidade é engessada pelas identidades masculino e feminino e de sua negação: não-masculino, não-feminino. Nossa existência é engessada por identidades baseadas em resultados, embora com abertura ao efêmero. Mas mesmo essa abertura é pressuposta por identidades pré-determinadas. E sempre sob a égide de um resultado. O processo em si é apartado de nosso projeto de felicidade. E é esse exatamente esse o ponto que gostaria de questionar. 

Se nossa natureza humana é intrinsicamente processual, afinal, cada fase de nossa vida visa sua experiência em si – gravidez, nascimento, infância, fase adulta, velhice, morte,  por que o aprendizado e os prazeres idealizados por nossa cultura presam por vivências que desconsideram o caráter processual dessas mesmas experiências? Por que nos preocupamos tanto com o tempo do que nos dispomos a realizar e tão pouco com o modo e para quem o realizamos? Quais as consequências em se optar por um modo de vida de busca por resultados?

Deixo claro aqui que isso é um ensaio. Não tem nenhum compromisso com verdades e encerramento de discussões. Exatamente porque acredito que a autoridade para questionar pressupõe a responsabilidade do conteúdo, mas isso não implica, como sugerem-nos na academia, uma infinidade de leituras nunca alcançada para esse resultado. E em decorrência disso, uma lógica do silêncio e do poder: os dignos de dizer e os resignados a calar. Se só questiono o que acredito ser digna de o fazer, então, se não o for, o resultado deve ser o calar? Se seguisse a lógica da verdade, realmente, não seria possível arriscar um ensaio que veiculasse o erro, posto que deveria zelar por minha identidade de pesquisadora. Mas varro de meu texto essa lógica, assim como varro o uso da terceira pessoa, com todo respeito à tradição. A verdade é resultado. Eu busco o processo. O professor questiona ao aluno seu conhecimento sobre a verdade. Se ele acerta, ganha pontos, prêmios, passa de ano. Se erra, perde pontos, têm sua palavra deslegitimada, não passa de ano. E se os alunos pudessem questionar sobre conceitos a serem  construídos sob a lógica do processo e não de uma verdade a priori? E se a discussão fosse o objetivo do aprendizado  e se os resultados não pudessem ser dissociados da reflexão?  E se o tempo da reflexão levasse em consideração um sentido comum de bem estar? Sem os de dentro e os de fora. Não advogo pela eliminação da tradição, longe disso. Mas antes de vivências que pudessem ser compartilhadas ante a legitimidade do bem coletivo e comum e que levasse a vida dos que delas compartilham como matéria de interesse  e ponto de partida e não como conteúdo indiferente e sem contribuição nenhuma a nossa vida. Acredito que teríamos aí uma crise de autoridade. Eis a beleza e, segundo muitos, o perigo da inversão do olhar ao processo. 

Vou exemplificar. Se o caminho fosse parte do destino, talvez não aceitássemos o trânsito e os carros. Se o sentido do conhecimento importasse em seu processo e não somente em seu resultado, o tempo e a reflexão sobre o sentido destinado a ele teria toda a importância. Se optássemos por aprendizados, tratamentos de saúde e escolhas alimentares mais amorosos e com mais rituais de passagem coletivos. Se levássemos em conta, dessa maneira, um olhar processual sobre nosso modo de vida, seria possível manter uma lógica do tempo liquido como hoje a temos? Seria possível manter uma lógica da verdade, tendo em vista que nossas crenças levariam em conta o sua construção? Se sem tantas autoridades, mas com conhecimentos que respeitassem cada fase de nossa condição humana retomássemos o sentido de nosso tempo? O sentido de nós dentro do tempo. O sentido de um novo paradigma em que o tempo e o espaço são um continuo de nós mesmos. 

Separamo-nos do tempo e do espaço e, consequentemente de nosso próprio corpo. Por medo da morte, ou por medo de não sermos amados, talvez. Mas nós somos o tempo. Tanto é que a relação com o tempo muda de cultura para cultura e de época para época. Somos também o espaço. As distâncias percorridas e a orientação que conduzem, ou espaços que repele, as repartições de nossa casa e número de moradores, a necessidade dos muros são alguns exemplos de como também somos o espaço. E, por fim, somos nosso corpo. Somos nossas dobras, nossas excrecências, nossa maternidade, nosso modo próprio de tocar, cheirar e olhar o mundo. E nisso, somos também em coletivo. Aniquilamos de tal modo nosso corpo, separamo-nos de tal modo de nossa realidade, tempo e espaço que perdemos o Outro, e consequentemente, a nós mesmos. E, quem sabe, não seja por isso que tenhamos ido morar na linguagem? Segundo Viviane Moises em sua tese de doutorado, essa virtualização de tudo ao excesso é consequência de termos ido morar na linguagem. A linguagem dos livros e das máquinas.  Linguagem essa, em tempos de liquefação, linguagem de desumanização e histeria, linguagem de tempos e memórias cada vez mais fragmentadas, efêmeras e superficiais. Tempos de valorização da linguagem pedante e esterilizada e de hermetismo tecnicista  – vide os textos científicos e jurídicos. Linguagem alienada de corpo, de seu enunciador, de sua história, de seu sentido. Corpo amputado de seu espaço – muros e distâncias ilógicas. De seu sentido – o amor. Corpo destituído de alteridade – e por isso, a passividade, a violência e a busca insana de poder.  Corpo esterilizado de seu próprio processo de maturação – a esterilização da velhice, a impessoalidade dos cuidadores de nossos filhos, a negligência com os velhos. Corpo destituído de dobras – sem rugas, sem cheiro, sem dor, sem excrecências, sem rituais, sem amor. Corpo sem contradições. 

Se o aprendizado nasce da contradição, e a concepção que nos norteia é a de resultado, que só aceita à verdade, como lidar com uma cultura em que o erro deve ser eliminado? Eu tenho um palpite: o de que talvez, a resposta seja o começo de nossas angustias. Eliminando-nos.                                                                           

    



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tempo Líquido

http://tempoliquido.blogspot.com/
"Este blog se pergunta sobre os tempos contemporâneos. Sobre a fluidez da "modernidade líquida". E também, sobre as singularidades do Brasil contemporâneo: tão high-tech, tão arcaico"

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Você é um homem, ou um rato?!!!!

Trabalho, trabalho, trabalho. Trabalho, silêncio, trabalho. Trabalho, cansaço, trabalho. Trabalho, silêncio, trabalho. Trabalho, cansaço, trabalho. Trabalho, tempo, trabalho. Trabalho, tempo, cansaço, silêncio, trabalho. Tempo, tempo, tempo. Trabalho, trabalho, trabalho. Cansaço, cansaço, cansaço. Silêncio, silêncio, silêncio...

Não, isso não é uma tentativa tosca de poesia.

O rato sou eu...

quarta-feira, 25 de março de 2009

Respostas copiadas

Na ausencia completa de criatividade, o mundo me pensa com minhas palavras mesmo sendo de outros...O grifo é meu. A não minha resposta , mas ainda sim minha.

situacional

- onde estás?
- aí.
- como estás?
- bem, aqui;
- como te sentes?
- preso entre o que não sei, o que sei que não tenho e o que não sou.
- o que posso dizer? ou fazer?
- emenda-te, que eu, já não tenho espaço nem tempo, se não para ser o que sou.

Texto chupinado do blog: http://tempusatempus.blogs.sapo.pt/

quarta-feira, 4 de março de 2009

As meias palavras e as meias verdades

Olá querido e abandonado diário, quanto tempo!

E é sempre assim, não é mesmo?! Todas as vezes que minhas idéias freiam, é a este tom e à cumplicidade do diálogo o que me resta das migalhas de minha criatividade. Em alguns textos atrás, me reportei como causa de minha inatividade, a uma possível preguiça das idéias. Mas passados alguns meses, desconfio de que após o período de “preguiça”, o que me sucede, além do caráter de urgência de meu dia-a-dia, é a perversa e erronia sensação de estanque das idéias. A melancolia da curiosidade.

Não me considero completa. Não é necessário descabelar-se quanto a esse possível erro de minha parte. Não parei os meus questionamentos por considerar-me com conhecimento suficiente para não mais ter o que questionar. O que cresce em mim é um sentimento de outra ordem: o de que não tenho mais nada a dizer. Acabou. Secou a fonte. Sequei.     

Na semana que antecedeu ao carnaval, houve a semana de recepção aos calouros na USP. E ao ver todos aqueles jovens, de rosto pintado e a minha consciência da brancura daqueles futuros, futuros tão livres, não pude conter o enorme sentimento de nostalgia de quando também fui caloura, de quando ainda era “bichete”. Eu tinha o futuro em minhas mãos e ele parecia algo misterioso e maravilhoso. Eu passaria a morar sozinha, em moradia estudantil, na melhor Universidade do país, fazendo o curso que eu escolhi. Eu não iria ter muito dinheiro para as despesas, mas ganharia o suficiente para pagar os gastos com o material da faculdade, com a alimentação e ainda sobrariam uns trocados para passear pelo centro e para pegar uns livros nos sebos da vida. Eu poderia sair a qualquer hora, para onde eu quisesse, e se eu juntasse uma grana, poderia fazer algumas viagens nas férias, à alguma cidade não muito distante. Eu poderia... Às vezes é difícil escapar da frustração em não me enquadrar naquilo que gostaria ter sido e que não fui.

As coisas nestes últimos tempos têm me parecido mais difíceis do que de costume, quase inatingíveis. Por esses dias recebi um e-mail de minha orientadora esclarecendo que avaliará se realmente abrirá uma vaga de mestrado, etc. Eu fiquei meio decepcionada (não, esse não é o único motivo de meu mutismo!), mas ao avaliar bem o comportamento que tive diante dela e o conteúdo de meu projeto, vejo que foi muito educada frente ao caráter do que a ela apresentei: mediano, medíocre. Pois é... Mas o que fazer com as idéias medianas? As minhas ando a deixar todas pela metade. Textos pela metade, projetos pela metade, faculdade pela metade, vontades pela metade.

Esse ano farei 25 anos. A idade que sempre quis ter. Isso por que acreditava que com vinte e cinco anos não haveria ninguém a questionar a “adulteza” de minhas atitudes. Mas vejo que eu estava equivocada. O que eu teimo em ignorar é que quem emprega credibilidade às minhas atitudes sou eu. Porém, acostumada a entregar a finalização de meus projetos a terceiros, realmente ficou difícil a essa altura do campeonato querer voltar ao comando do barco; preguiçoso trabalha dobrado, já diz um certeiro ditado. É óbvio que devo ser sincera e reconhecer o bocado de demagogia que existe na imagem que projeto de mim e dos papéis a que me submeto. Aos silêncios passivos aos quais eu até me felicito em tantas situações onde o direito da palavra era meu.

Por esses dias, me peguei a questionar a minha condição de mãe colocando-a na lista de meus obstáculos. Não que seja inquestionável, mas mais uma vez me vi na frustração em não ser o que os outros gostariam que eu fosse. Não sonhei ser mãe. Preciso ser sincera. Nem sempre tenho paciência. É difícil, é cansativo e às vezes é mesmo muito chato.  Mas daí me envergonhar em ocupar esse papel há uma grande distancia, né? Tive vergonha de ter ingressado à universidade aos 17 anos de idade e ter chegado aos 24 ainda não ter completado o meu curso, não ter adquirido nenhum objeto de valor, não trabalhar no que eu gosto e nem sequer conseguir escrever um maldito projeto de mestrado de 20 páginas. Tive vergonha de ter que mendigar uma vaga no CRUSP à universidade. Mas o que eu liguei sem rodeios a tudo isso, sem o menor pestanejar foi o fato de eu ter me envergonhado de tudo isso e mais a vergonha de já estar com um filho nos braços. Como se todas as atitudes acomodadas que venho mantendo seja conseqüência direta de sua existência! Se tudo é realmente mais difícil com ele, pior ainda comigo.  

E de novo, o retorno ao zero! Às pequenas e nefastas acomodações de cada dia. Agora, sem a criatividade em meu auxilio. Enfim, mais um texto pela metade (só que desta vez, publicado).

 

Imagem: quadro de Salvador Dali, The Persistence of Memory

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Das frustrações...


Algumas imagens realmente mereceriam um registro fotográfico. Mas, privada da capacidade de segurar uma máquina fotográfica, e esquecida das artes do grafite e do nanquim (há anos que deixei de desenhar), restou  apenas, com medíocre utopia, recorrer ao Word que a este momento silenciosamente é quem pode me acolher.

O dia estava nublado e voltávamos de um de nossos passeios à praça do relógio. O vento já dançava em ritmo acelerado e anunciava em nosso rosto o fim da festa, a hora de lavar a casa. Mas a festa nunca tem fim a quem é criança, pois a elas brincar é sempre o mais provável. Por isso, mesmo em fim de passeio, ele ainda corria do mesmo modo com que correu e festejou a nossa partida. De braços abertos, bailava freneticamente ao som das trovoadas. “Mamãe! Mamãe! Vem! Vamos correr atrás dos passarinho”. E desse modo, fui, ao som do vento, enovelada carinhosamente pelas caricias daquela dança. De sua voz e de sua pequenez me brotava uma vontade infinita de eternidade e compulsivamente fui conduzida a abraçá-lo.

A poesia às vezes se materializa (nos poemas eternos dos grandes autores). Às vezes, vira a lembrança de um doce gostoso (não, a minha fotografia escrita, infelizmente, é falha!). Nós sopramos as flores e delas restaram apenas o caule. As pétalas daquela poesia depositaram-se em minha memória, mas não deixaram semente. Assim, resta-me apenas o desejo frustrado de uma fotografia impossível. O invisível de um poema abortado, apesar de toda a poesia que carrega.  Quem sabe, também o despeito de ser a única a saber a ter na memória uma coreografia tão peculiar: de braços abertos, o menino e seus pássaros,  a ventania e o meu tempo. Uma mãe rodeada de infância e um pedaço de seu coração a correr com pássaros e a voar de si.   

 

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Brian Eno - By This River


 

Os créditos da imagem - O fotógrafo- é de Fernanda Magalhães, do blog http://artetransmultiflexmixmultimaga.blogspot.com/

 

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Por uma história da preguiça

A história do sonho ainda está por escrever-se.

Walter Benjamin

"Ai, que preguiça!".

Em Macunaíma, do Mario de Andrade.

Traria a felicidade, a esterilidade das palavras? E por essa dúvida finalmente as minhocas de minha cabeça se agitaram para a produção deste amontoado de idéias organizadas, ou ainda, texto. Racionalmente, eu responderia: não. Um ‘Não’ cujo respaldo é o ceticismo que carrego em relação ao conceito romântico de amor=dor, ou ainda, beleza=dor (dor que vem da vida e não a dor da incompreensão defendida por Kant, ao descrever o conceito de Sublime). Talvez por que realmente a vida possa ser tão melhor à ficção, eu não esteja conseguindo desamarrar as lembranças de quando a linguagem era a mim mais do que um intermédio. Vamos lá! Uma paráfrase do que ouvi por esses dias: eu havia ido morar nas palavras (filósofa Viviane Mosé). As feridas cicatrizaram devo dizer. Certos coágulos, porém, são irreversíveis. Agora que voltei, não consigo separar as idéias fruto dessa morada temporária, da outra: as idéias que carrego nas palavras que vivem em mim. Fora da linguagem, distraída com a vida (que é e deve ser o nosso fim último), me entreguei a uma preguiça, preguiça das idéias. Idéias que agora festejam; em silêncio... Mudas. Espere!  Espere um pouco. Antes de continuar, um aviso: eu comprei tudo isso. Sim, essa teoria de que o homem contemporâneo foi morar na linguagem e se esqueceu da vida, não é mais um deslumbramento das minhocas que por esta cabecinha se agitam. Até porque, não é pelo fato de eu ter aderido a essas idéias que elas sejam ruins. Apenas é que tenho necessidade de explicações. E por que o silêncio seja algo tão difícil de explicar e, paradoxalmente, grite tão alto, eu precisei de uma ajudinha... hum... extra. Mas vejamos...

Se eu fosse boa usuária da retórica, é bem provável que eu tivesse de ter começado este texto por seus contra-argumentos. Todavia, enquanto sofista e, das mais vagabundas, farei tudo a meu bel prazer. Prazer esse que, inclusive, me paralisa. O mundo continua uma droga, sinto dizer. Não é isso. Puritanos na Itália, corruptos no Brasil, xenófobos na Europa, machistas nos vizinhos, xeretas na portaria, vermelho na conta bancária. Mas é que, de repente, tudo isso passou e me desinteressar com grande força. Poderíamos levantar aqui também a questão do individual versus o coletivo. Ou que cansada de gritar a gente surda, desisti do mundo. Não de TODO o mundo. Porém, mantenho minha atenção apenas ao que me interessa. Um leitor mais atento, no entanto, perceberá que estou sendo contraditória. Saio da ficção para finalmente aportar na vida e ao mesmo tempo estou fora do mundo no qual essa mesma vida se faz vivência?! Eu sou um serzinho que seleciona. Aí, quem sabe, a contradição aí poderia ser resolvida: talvez seja mais fácil sermos críticos com aquilo que nos incomoda. Qual a necessidade em sermos críticos com aquilo que nos apraz? Eu sei que há, espere aí! Mas, em que medida, não reside exatamente aí, um de nossos pontos cegos? Seria a preguiça a dor de cabeça da felicidade? Ou apenas o medo de que ela acabe a qualquer momento?  Um efeito colateral de nosso desejo impossível em querer parar o tempo e congelar a vida, de modo a somente vivenciarmos os momentos de prazer! Morar em um pedaço de realidade e silenciar qualquer palavra que possa modificá-la. O silêncio da palavra que se confundiu com a morte da idéia. As idéias que, por saberem de sua força, têm medo de, em se corporificarem, modificarem a realidade. Como se o que fosse bom, necessariamente tivesse de ser estável. Uma vontade irresistível de suspensão do tempo. Oras! Mas o prazer também se manifesta (e talvez SÓ se manifeste) naquilo que é diverso! Até porque, como seria possível estar na vida e ao mesmo tempo querer pará-la? Seria a preguiça um erro conceitual?

Quem sabe, eu só precise argumentar isso com as minhas idéias. Bem... Bem... E como descrever com palavras à palavras as coisas que moram dentro de nosso silêncio? Ai... ai... Que preguiiiiiiiiiça... Parei!

 

Texto publicado também em www.locusdelokos.blogspot.com

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Magnólia (Trecho)

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Marcia Tiburi
Madrugada

Desossar horas entre dedos

Fato 1. Duas gavetas fechadas. Não sei o que fazer com elas. Vou esperar as lembranças que vêm quando paramos no tempo.
Fato 1.1. Mapas. Um relógio de ponteiros parados. A chaleira de esmalte lascada no canto. Fotografias das bicicletas. Uma bicicleta. Tudo o que não foi usado está guardado no porão. Não há porão, só o espaço oco antes ocupado por minha memória. As gavetas.
Fato 1.2. O oco ocupa um vasto espaço.
Fato 1.3. Dentro do oco voam muitos pássaros e outros bichos de asas em meio à vertigem tormentosa dos objetos.
Fato 1.4. O gato está entre eles.
Fato 1.5. Magnólia ao lado do gato.
Fato 1.6. E manchas.

Escuridão

Tudo não passa de imaginação. Então é preciso saber o que se pode fazer com o mundo que insiste em ser real.

Os objetos, sobretudo os inúteis, têm um sentido e um gozo que tornam o resto da vida algo entre a falha e o risco no vazio. Prefiro-os aos seres humanos, aos artifícios, aos ofícios, aos saberes. Entendo-me com a natureza. A natureza, que se perceba, não passa de coisa, ainda que a coisa das coisas que ao ser coisa é, por força, o fundamento do mundo composto das coisas não mais que coisas e das coisas em si, das coisas de muitos modos ditas e das certamente esquecidas, das com lados, ângulos, seções, elementos, categorias, cores, temperaturas. Coisas há para confundir a qualquer um.

A fortiori.

Entendo-me com as coisas e, por isso, preciso colocá-las no lugar.

Tudo está disposto à confusão. O nada se diz de muitos modos e tenho só duas gavetas para dar cabo da questão.

Porém, como o nada é sorrateiro, diante dos sistemas e classificações quase evidentes, basta perceber, deve haver em algum lugar o abismo de olhos rígidos a pulsar prestes ao bote. Em uma das gavetas, é certo, mais que certo, um axioma, uma verdade das que tornam inerte a vida toda. É dele que vou falar mesmo sabendo que deveria calar.

Então, primeiro calo-me, mas não sei por quanto tempo. Um minuto, um segundo, um dia, um ano. Talvez o tempo exato do talvez que me alucina. E como há muitos modos de dizer o nada, e as duas gavetas e o sorrateiro abismo de olhos para o nada, existem os vários mundos e os modos de dizê-los, mas o que interessa aqui são os modos de não dizer e desdizer. Interessa amenizar a imaginação até que fique morta, pois tem me causado muita dor de cabeça. Direi para qualquer efeito de apenas dois dos mundos, o que se diz e o que se desdiz, a opção pela facilidade é sempre a mais sábia. E prestarei atenção em mim, antes do inventário dos feitos. Talvez em pouco tempo eu mude de idéia, pois a classificação tem um início, mas jamais tem limite.

Eu, pois e eu? Vivo sobre esta cadeira sem rodas. Já deixei de ser humana e virei coisa. Igualei-me ao ambiente. Não é difícil confundir o imóvel e o objeto. Mas classificar-me cansa como seguir Sócrates e seu conhece-te a ti mesmo.

Ninguém conhece a si mesmo.

Assim desosso as horas, ou, para evitar metáforas, espero.

Fato 2. Abro a primeira gaveta. Há um pacote de cartas amarelas.

Fato 2.1. As cartas são amarradas com um barbante sujo.
Fato 2.2. Penso duas vezes se abro ou não o pacote.
Fato 2.3. Não há endereço de remessa, nem remetente.
Fato 2.4. Não parece haver o que ler.
Fato 2.5. Aqui tudo pertencia a Magnólia. Agora talvez tudo me pertença.
Fato 2.6. Pena não haver tempo além das manchas.

Escuridão

Podemos empilhar o mundo no chão e tirar-lhe o pó de anos. Ora, não podemos saber se o pó é de anos, semanas, dias, não é possível interpretar os sinais, o a priori das conclusões sempre vem cheio de empáfia, por azar sempre existem cartas remetendo o tempo em letras. É preciso parar para ver.

Ou esquecer de vez, mas é impossível quando não houve lembrança.

É das cartas que vêm toda a dúvida sobre conhecer a si mesmo. Eu, porém, não tenho mais nenhuma dúvida, ainda que existam cartas e, como estas, tão incógnitas.

Se ninguém se conhece a si mesmo, pois esse é nosso maior problema, oportuno é procurar o próprio nada que sempre faz desistir de toda explicação. O nada é sempre guardado entre gavetas ou no fundo das xícaras onde se bebeu chá, café, nos cestos onde se deixou cair as folhas desusadas, os restos sujos de papel de bala. O nada reside nas coisas e somente elas podem oferecer o real desenho que faz de cada um ninguém.

Guardemos o nada para a hora inválida em que o todo inevitável fizer a verdade das verdades subir à tona decantando os avessos.

Quando houver tempo.

Para saber o nada basta olhar para minha cadeira sem rodas, o copo vazio, ouvir o miado do gato longe. Basta olhar-me. Não lembro dele. Lembrar jamais é fácil. Embora esquecer não passe tantas vezes de uma boa desculpa. Onde estou lembro apenas do cansaço como uma sensação que não se apaga e não diz mais do que o tempo indo em ondas camufladas.

Fonte: http://revistacriativa.globo.com/Criativa/0,19125,ETT1062738-4240,00.html
Fonte da imagem: http://croagfilliu.wordpress.com/2006/10/17/