sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Por uma história da preguiça

A história do sonho ainda está por escrever-se.

Walter Benjamin

"Ai, que preguiça!".

Em Macunaíma, do Mario de Andrade.

Traria a felicidade, a esterilidade das palavras? E por essa dúvida finalmente as minhocas de minha cabeça se agitaram para a produção deste amontoado de idéias organizadas, ou ainda, texto. Racionalmente, eu responderia: não. Um ‘Não’ cujo respaldo é o ceticismo que carrego em relação ao conceito romântico de amor=dor, ou ainda, beleza=dor (dor que vem da vida e não a dor da incompreensão defendida por Kant, ao descrever o conceito de Sublime). Talvez por que realmente a vida possa ser tão melhor à ficção, eu não esteja conseguindo desamarrar as lembranças de quando a linguagem era a mim mais do que um intermédio. Vamos lá! Uma paráfrase do que ouvi por esses dias: eu havia ido morar nas palavras (filósofa Viviane Mosé). As feridas cicatrizaram devo dizer. Certos coágulos, porém, são irreversíveis. Agora que voltei, não consigo separar as idéias fruto dessa morada temporária, da outra: as idéias que carrego nas palavras que vivem em mim. Fora da linguagem, distraída com a vida (que é e deve ser o nosso fim último), me entreguei a uma preguiça, preguiça das idéias. Idéias que agora festejam; em silêncio... Mudas. Espere!  Espere um pouco. Antes de continuar, um aviso: eu comprei tudo isso. Sim, essa teoria de que o homem contemporâneo foi morar na linguagem e se esqueceu da vida, não é mais um deslumbramento das minhocas que por esta cabecinha se agitam. Até porque, não é pelo fato de eu ter aderido a essas idéias que elas sejam ruins. Apenas é que tenho necessidade de explicações. E por que o silêncio seja algo tão difícil de explicar e, paradoxalmente, grite tão alto, eu precisei de uma ajudinha... hum... extra. Mas vejamos...

Se eu fosse boa usuária da retórica, é bem provável que eu tivesse de ter começado este texto por seus contra-argumentos. Todavia, enquanto sofista e, das mais vagabundas, farei tudo a meu bel prazer. Prazer esse que, inclusive, me paralisa. O mundo continua uma droga, sinto dizer. Não é isso. Puritanos na Itália, corruptos no Brasil, xenófobos na Europa, machistas nos vizinhos, xeretas na portaria, vermelho na conta bancária. Mas é que, de repente, tudo isso passou e me desinteressar com grande força. Poderíamos levantar aqui também a questão do individual versus o coletivo. Ou que cansada de gritar a gente surda, desisti do mundo. Não de TODO o mundo. Porém, mantenho minha atenção apenas ao que me interessa. Um leitor mais atento, no entanto, perceberá que estou sendo contraditória. Saio da ficção para finalmente aportar na vida e ao mesmo tempo estou fora do mundo no qual essa mesma vida se faz vivência?! Eu sou um serzinho que seleciona. Aí, quem sabe, a contradição aí poderia ser resolvida: talvez seja mais fácil sermos críticos com aquilo que nos incomoda. Qual a necessidade em sermos críticos com aquilo que nos apraz? Eu sei que há, espere aí! Mas, em que medida, não reside exatamente aí, um de nossos pontos cegos? Seria a preguiça a dor de cabeça da felicidade? Ou apenas o medo de que ela acabe a qualquer momento?  Um efeito colateral de nosso desejo impossível em querer parar o tempo e congelar a vida, de modo a somente vivenciarmos os momentos de prazer! Morar em um pedaço de realidade e silenciar qualquer palavra que possa modificá-la. O silêncio da palavra que se confundiu com a morte da idéia. As idéias que, por saberem de sua força, têm medo de, em se corporificarem, modificarem a realidade. Como se o que fosse bom, necessariamente tivesse de ser estável. Uma vontade irresistível de suspensão do tempo. Oras! Mas o prazer também se manifesta (e talvez SÓ se manifeste) naquilo que é diverso! Até porque, como seria possível estar na vida e ao mesmo tempo querer pará-la? Seria a preguiça um erro conceitual?

Quem sabe, eu só precise argumentar isso com as minhas idéias. Bem... Bem... E como descrever com palavras à palavras as coisas que moram dentro de nosso silêncio? Ai... ai... Que preguiiiiiiiiiça... Parei!

 

Texto publicado também em www.locusdelokos.blogspot.com

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