segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Bora prosear?

Quando entrei no curso de Letras e iniciei os meus estudos em teoria literária, uma das primeiras coisas que aprendi é que o “como” eu digo um conteúdo já carrega em si o significado deste. A estrutura de uma idéia já é ela mesma uma idéia. Se isso fosse um texto acadêmico quem sabe eu tivesse de definir a partir desse ponto os pressupostos que abrem essa reflexão, como, qual é a minha concepção de idéia, de estrutura textual etc.

Mas para tanto, eu teria de fazer deste texto, um artigo acadêmico o que não é o meu propósito. O que aqui tentarei defender através do relato do que considero um grande defeito meu, e na cola do texto da Tiburi, “Conversar é uma forma de amar”, é o completo desleixo como estabeleço contato com as pessoas.   

Apesar de o conceito de “entrar na bolha” ter sido cunhado há pouco tempo por meus amigos da Lingüística, já não é de agora que moro em minha redoma de vidro. Há um tempo atrás, coloquei em um de meus relatos a minha terrível mania em esconder o que sinto e o que sei, me desqualificando em um “achismo” que enclausurava (ou ainda enclausura?) os meus quereres e, principalmente, os meus saberes, dentro do rótulo da mediocridade. Pois bem, desta vez partirei de uma outra perspectiva: quando eu esqueço de meu aprendizado de início de curso e irresponsavelmente faço uso de minhas palavras e de meu silêncio. O aborto do saber alheio por meio de minha intolerância.

O que dá a coerência e que conduzirá os argumentos nesse rascunho de reflexão é o destaque que faço ao modus operante de minha intolerância: o “como” materializo o incômodo das idéias alheias. Ora, ora! Colocado assim, parece uma contradição. Poderia pensar inclusive em um agravamento da idéia que já havia colocado em meu texto anterior: não digo o que sei, por pensar que nada sei e não ouço o que me dizem por também pensar que ninguém mais saiba! Mas veja: se eu subir só mais um grau na barra da discussão, quem sabe, não o seja. O que gostaria de apontar é a falta de reflexão e a intolerância como legitimo o conteúdo e o modo dos discursos “aceitáveis” e, consequentemente, as pessoas que produzem esses discursos. 

Houve dois fatos que me fizeram parar para pensar em minha “deslexia” em construir diálogos. O primeiro: observar pessoas que sabem conversar. Quais seriam? Irei apontar duas: minha tia Railda e meu amigo Renilson. Sabe por que os escolhi? Porque quando dialogam, prestam atenção no que o outro diz e mesmo que o seu interlocutor esteja a falar a maior das bobozeiras, sabem aproveitar o assunto para algo interessante. Por que sabem contar histórias e não precisam estar a todo o momento fazendo análises sociológicas, psicológicas e outros “ógicas” que existam por aí. Não defendo aqui a passividade como o caminho para a construção de boas relações e de bons diálogos. Não é isso. Mas partirei do seguinte principio: não temos mais paciência de conversar. Creio que aprendemos novas formas de conversa, mas, ou a restringimos ao exercício solitário e impessoal da leitura e da escrita, seja em blogs ou salas de bate-papo, ou a um exercício analítico em que exclusivamente postulamos valores ou exercitamos nossa vaidade retórica. O segundo fato e que foi decisivo: o teor combativo como TRAVO conversa (sim, porque minhas falas parecem as realizadas em uma guerra, ou uma arena) com algumas das pessoas que dialogo. É a impressão cada vez nítida da nossa (sim, pois percebo que não é uma característica que se restringe a mim!) falta de interesse com em ouvir e contribuir com o que as pessoas têm a nos contar o que me trouxe de volta a esse espaço.

E se eu começasse uma fala assim: quando eu era pequena, morava em um bairro da zona Leste de São Paulo, chamado São Miguel Paulista. Lá, estudei em uma escola pertinho de casa, o Carlos Gomes, há duas quadras de casa de mamãe. Àquela época, não havia tele transporte e tinha de ir a pé para a escola, com meu tênis all star azul e meu uniforme preto, com uma listra em vinho...? Como meu ouvinte reagiria? Provavelmente, com um “hum hum” bem educado e um enfastio enorme em seu interior. Mas é esse mesmo interlocutor quem vai a um blog ler por horas a rotina do primeiro estranho aparentemente interessante que o google o indique na internet. Isso porque nos relacionamos não com outras pessoas, volúveis, mutantes, defeituosas e cujas qualidades estão dissolvidas na rotina. Relacionamos-nos com pressupostos. Pressupostos fixos, o que é ainda pior. O outro é. E se gosta de mim, é como eu, ou o que eu gostaria que fosse. Se não, é o que é e sempre será: alguém que essencialmente por já ser o que eu não gosto que seja, obviamente, não poderá ter nada a dizer que não seja merda.  Ora! E ainda complemento o raciocínio: mas nem era preciso falar, era óbvio!!! Além disso, carrego na manga a desculpa para aqueles momentos em que a consciência resolve doer: eu gostaria de ter dado mais atenção, mas será que não entendem que EU não tinha tempo?! 

Ok, ok! Uma fala descontextualizada pode ser tão inútil quanto um noticiário de páginas da secção policial. E, além do que, poder-se-ia argumentar que vivemos na sociedade da fofoca. Mas não é a esse tipo de preenchimento de palavras a que me refiro. A minha reflexão visa criticar as obviedades não óbvias que pressupomos em nossa bolha de egoísmo, a preguiça em explicar, a impaciência em ouvir, o silêncio de corpos que foram feitos para se comunicarem, para DIALOGAREM, ou mesmo, aquelas conversas vazias, preenchimento inútil dos silêncios necessários, características que permeiam e emolduram diversas das relações afetivas que conheço, inclusive, as minhas relações.

Por apostar demais em uma certeza, ou pelo medo em invadir um espaço que, por infantilidade, atribuímos restritamente ao nosso interlocutor, abafamos de nossas idéias com uma agressividade que consideramos legitima a voz de muitas das pessoas que mantemos (ou deveríamos manter) DIálogo. Silencio o outro dentro de meu próprio silêncio, em minha desatenção e em meu esquecimento. Desqualifico opiniões que me desagradam e, nem ao menos, me dou ao trabalho de separar o joio do trigo.

A conseqüência (ou seria a causa?), creio, esteja no desrespeito à história de vida que cada um carrega no bojo de sua existência, da história de seus pressupostos, o desrespeito às pessoas que o influenciaram, muitas vezes por amor, a completa desqualificação do processo de formação de sua moral.

O que eu penso ser um grande defeito meu, mas não somente meu é a desatenção com que digerimos as experiências alheias e as nossas experiências. Quem sabe ainda precisemos aprender com os mais velhos, os da época de minha avó, que agachavam em frente à porta para trocar um dedinho de prosa. Simplesmente. Sem sublimação e teatralização teórica. Simplesmente uma boa prosa...

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