sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sem título

O tempo masca o corpo enquanto assiste um noticiário da privada. Ouço um relato de crime hediondo e distraio-me para que não me importe. Durmo. Acordo. Pego o ônibus. E sonho o rebentar de estradas e seus crânios estúpidos pelo chão. O vidro está embaçado.  Chovem-me gritos infantis e uma enxurrada de menstruação e placentas atam-me as vísceras. A vida fez-me água. Fez-me também covarde. E  agora meu reflexo só alcança a fugir de meus espelhos. As estradas seguem intactas. Os noticiários seguem ilesos. Já os meus cacos caem. Inconveniência de minhas aguâncias.  

Eu obedeço pau-mandada a uma pontuação fingida. Aos meus estupradores abro as pernas e ensaio um gozo. Lâminas que me represam.  Todos creem no gemido. Embora desconfiem. 

Sentamo-nos. Há dias. Há anos. Há séculos. Somos insensíveis às feridas de nossas bundas. Epidemia coletiva. Anestesiados à dor. O que ninguém consegue me explicar é ter um cartão de crédito e ainda sim continuar sem um único gozo. Sem querer ignorar. Eu não sei. Mas gostaria. Eu não vejo. Mas pressinto. E ainda sinto essa aflição. Galáxias inteiras gritam-me pelas fibras cataclismos estuporados de pavor.   Eu leio os muros e sei que não estou só. Eu sei. Não exatamente. Sinto. Mais do que certezas.  E como dizer? Não sei dizer. Fizeram represa de mim. Conheço algumas pessoas admiráveis que poderiam fazê-lo. A tarefa, todavia, não é passível de substituição. Sou minha única porca de mim. E ninguém poderá dizê-lo de minha boca. O meu mau hálito é peculiar e doce. Muitos gostariam de assepsiá-lo. E fazer-me acreditar que é causa mortis mau hálito. Silenciosidades, surdo canibalismo. Chupação da voz. Somos peritos em transitivar o verbo calar. Porém, entretanto, em toda via, embora prisioneira dessas margens, não fui amnesiada. Ali além, sei-sinto de que, se eu abrir meus dentes, também haverá licorosos segredos. Fétidos, mas acima de tudo, doces e singulares. Que não estouram crânios. Nem estradas. Nem as margens.  Nem os pontos e vírgulas. Mas lambem esgotos e fedem de cacos o seu reflexo. E nisso, somos. Em comum. 

Podem conter o liquido. Todavia, ainda ouvem na garganta o odor que a atravessa.    

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