terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sobre quem eu sou: A Casa

Tocou a campainha e eu o olhei pela janela.

Observamo-nos.

Minutos, horas, dias e meses. Com medo eu disse não.

Entrou. Não tocou nenhuma campainha. Mal sabia eu, mas a porta já estava aberta. Depois disso,  apenas um  escuro de olhos cerrados, a saliva das línguas em espasmo, o macio das mãos. Desse dia em diante a porta fechada por dentro e as janelas abertas a um novo mundo.

Abrimos a porta do quarto. Abrimos a água do chuveiro. A casa clara. As conversas fartas.

Abrimos a porta da cozinha. Ele cozinheiro, eu temperada e comida.

Abrimos cervejas. Abrimos um vinho. Abrimos os livros. Abrimos um vício. E juntos, as horas acalentadas e a carne encharcada.

Abri as pernas. Abri o peito. Abri meus sonhos.

Abrimos um amor.


Mas um dia foi à sala e fechou a janela. Não gostava do barulho da criança no jardim. 

Desse dia em diante, uma sombra na sala. A casa mais fria.

Passei a observar a sala. E um dia fechei sua porta. Tinha medo da sombra que lá crescia. Porém, a sombra já havia aberto uma porta em mim.  

Depois, fechou o portão da casa. Não gostava de barulho de menino. Relutei. Pra quê tanto silêncio? Não conseguia me ouvir. Desse dia em diante, não mais fui ao jardim. Tinha medo do silêncio que lá crescia. Mas o silêncio já morava em mim.

Minutos, horas, dias e meses. ..

Então, a porta do quarto foi fechada.

Tinha medo de mim.

A casa escura, as conversas rasas.

Minutos.

Horas.

Dias.

Meses.

Abri a porta do quarto.

Abri a janela da sala.

Abri a porta da casa.

Abri o portão.

A rua clara. Sons de criança.

Atrás de mim,  as paredes desmoronadas.

Em mim,

fotografias de uma casa antiga. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário