segunda-feira, 27 de maio de 2013

Os falsos cultos


Começou. Aquela semana em que esta anja que aqui escreve  se transforma em um Gremlin comedor de egos (o seu, o meu, o do vizinho...nada pessoal!). E, inspirada pelo mal tempo e pela chuva, acordei a pensar o que torna pessoas letradas e com alto nível de interpretação de discurso completamente rasas e suscetíveis  a narrativas baratas e de complexidade de dramalhão mexicano nível menos um. E o pior: sem o saberem que são. Por que todo mundo gosta de coisas bregas e piegas em alguns momentos da vida. Mas, nem por isso, saímos assinando contratos sem ler após assistir a novela das oito.
Pensei e, claro, não resolvi nem resolverei o assunto. O melhor que consegui fazer foi listar os tais comportamentos que classifiquei como “farsas filosóficas “ a fim de começo da minha conversinha intima de botequim. E relembrei do que uns amigos da faculdade de história chamavam de “o tiozonho da padaria”, sujeito que passa o dia a discursar com palavras floridas conhecimentos históricos lá do século XIX como se fossem a última noticia do New York Times. E, em homenagem aos velhos tempos, deixo uma relação do que considero como farsas filosóficas:

Tipo 1 – acho que estudei história enquanto dormia e por isso apresento essa maravilhosa teoria sociológica baseada em nada e coisa nenhuma:
- A pessoa diz ter lido muito na vida, que adora ler, mas é analfabeto histórico?! Plim, plim, plim! #farsa filosófica ativada. De que adianta ler tanto, se a pessoa não sabe: por que é o que é; em relação a quem é; e de onde veio as ideias que tem? E com oassim é letrado e não sabe procurar nem em livros nem num Google da vida as estatísticas e a origem do que diz acreditar? Ah, vá!

Tipo 2 – não tenho argumentos, então uso estes que eu usava na sexta série e funcionavam:
- A pessoa não rebate a ideia discutida, mas a identidade de quem a concebeu. Típico de quem não quer dar o braço a torcer de que nunca leu o autor citado, ou mesmo de que a grande profundidade do que defende, na realidade, vem lá do Datena. Plim, plim, plim! farsa filosófica apitando!   Meu, se a pessoa não leu fulano/ciclano colocado na discussão, deve dizer que não leu e acabou! Ninguém leu todos os livros do mundo! Ou aquele outro tipinho que usa como  exemplos fatos que aconteceram com a tia do primo do cunhado da irmã do amigo e é a única exceção que conhece em um único meio restrito a cinco pessoas. Olhar os cinco primeiros metros além do umbigo e citar situações vividas até primeira pessoa e primeiro grau de  parentesco  é condição de argumentação para conversar comigo e, acho, que com qualquer pessoa séria.

Tipo 3 – sei gramática normativa, sou o próprio Pasquale, e acho isso o suficiente para filosofar sobre a vida, para fazer sexo, para as regras de física quântica, para costurar botões na camisa e para insights de antropologia...   
- A pessoa decorou as regrinhas de português. Só esqueceu de aproveitar que sabe ler bem para ler coisas mais complexas do que  a coleção Sabrina. Plim, plim, plim! #farsa filosófica ativada. Passou a vida a ler autoajuda e se considera culta/o/? Nem preciso argumentar, né?

Tipo 4 – minha ciência é melhor que a sua, ou voltando aos argumentos de 6ª série só que com pós-graduação:
-       A pessoa acha-se mais cientista (intensivo aqui pode, produção?) do que os outros de outras áreas. Afinal, a sua ciência é ciência e a outra ciência (?) não. #farsa filosófica. ativada. Voltar duas casas e estudar Historiografia da Ciência.

Tipo 5 – Revolucionário só de gogó:
-  A pessoa diz ser marxista, mas humilha a faxineira, é machista... #farsa filosófica ativada. Conceito de Patriarcado ao tal marxista passou longe, né!

Essa foi a minha listinha do dia. É claro que alguém pode se identificar com o que leu e eu mesma já reproduzi alguns dos comportamentos acima, quando me achava culta e superior só por ser linguista, por exemplo. Mas nomear é o primeiro passo para se identificar algo. O fio condutor em todos os itens da lista é o mesmo: a figura do professor que reclama da vagabundagem do aluno, mas há anos não põe as mãos num livro descente.  É o arrogante hipócrita. O falso sábio leitor da Veja.  
Se o apelo “mais amor, por favor” nunca foi tão necessário, eu faria um outro: ”humildade e curiosidade, por favor!” . Confessar que não sabe de tudo, aliás, dar-se conta disso, não aconselhar sobre o que não viveu nem entende é o que entenderia por sabedoria. Por sabedoria e pura elegância.     

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