Por estes dias, em conversa com uma amiga, expunha a ela
como contraíra uma divida imensa em coisas fúteis, em um momento no qual, de
uma hora pra outra, tive grande prazer em adequar-me a um ambiente novo e a uma
nova imagem. E depois sobre o arrependido de minha impetuosidade, pois, também de
uma hora, aquela estética perdera todo o sentido. Neste momento, então, ela me
disse: “por isso é importante a gente saber quem a gente é”. E desde então essa
frase não sai mais da minha cabeça...”saber quem se é”.... Saber quem eu sou...
E quem sou eu? Como experimento o Outro, ir ao encontro ou
em encontro ao Outro? Percebi que, por covardia ou coragem, e, na realidade,
por imprudência mesmo, eu sempre aceito ou descarto o estranho sem nenhuma
prerrogativa. É sempre amor ou ódio à primeira vista. E só depois o afastamento
ou o permear. Contudo, principalmente ao que aceito, é sempre isso:
transformar-se no Outro para vive-lo. Ser a hippie ou a executiva ou a
publicitária “moderninha”, ou a elegante,
a que tem os cabelos crespos, como as negras das rodas de samba que frequento,
ou me camuflar de hipster da Vila Madalena. A única constância que talvez eu
sempre deixe um traço o de um quê de periférica. Esse traço fora do lugar, em
sempre apresentar-me “quase” adequada, esse erotismo desajustado e gratuito... Assim,
percebi que sempre é o perceber-me pela experiência de camuflar-me. E depois
negar ou aderir àquele disfarce...
Por que eu não sei quem eu sou, bem é a verdade. O mesmo se passa
com a faculdade, que primeiro deslumbro-me com uma ideia, depois a revido e
depois adiro ou fragmento tudo e misturando tudo em uma massa indecifrável...
Volúvel. Leio Antônio Candido aos 18 e me embriago; leio aos 20, e estranho;
leio aos 27 e, devido a uma rixa pessoal com alguém seguia sua linha teórica,
odeio ao inocente teórico com todo o meu sangue e fervura... e passo a ler
todas as teorias que jogam a sua no fogo... E depois reconcilio-me, leio outras
teorias que o remontam e assim vai. O mesmo com a Linguística, só que de
maneira bem mais violenta, já que a relação que tenho com essa ciência fria é
completamente passional... como apaixonar-se por um inglês metódico.
Puxo cada linha da memória, seja passional ou eufórica,
ciência fria e categórica, conhecimento amor e memória e percebo que vivo
minhas relações todas desta mesma maneira: nua e com uma espada, entrego-me ao
primeiro olhar ou desfiro o golpe de intolerância
já em “boas-vindas”.
Os anos deveriam ter me ensinado “afastamento”. Bem tenta o Tempo
que eu aprenda a ter amável desconfiança, cordialidade. Contudo, não sei
desconfiar sendo amável, nem ser amável desconfiando, meus olhos me traem. Daí
o camuflar-me, colar-me à realidade alheia, ser minimamente verossímil ao que
meus olhos espelham. Se não é possível fechar os olhos, quem sabe desviar o
olhar? Quem sabe pintar os olhos e
distrair o meu expectador? Quem sabe fazer-me muda para camuflar-me ao
silêncio? Mimetizar o Outro, foder-me como o Outro, rir como o Outro, estar no
Outro, mesmo que por instantes. E confundir-me com Ele e a Ele... Ou
silenciá-lo à priori, fazê-lo baixo e mínimo, negar o que do Outro é o que de
mim também rejeito... E ainda sim, mimetizá-lo, fazer-me um dos seus e o trair,
vingança de infidelidade: eu apenas parecia um dos seus... E por quê então me importei em sê-lo se só se
presta desdenho ao que no fundo é a contento? Eu não amo ao Outro também quando
o rejeito? Esse aprender pela imitação do Outro não seria o prazer que tiro
face a angústia de não compreende-lo? O que sei é que esse modus operandi dói.
E consome tempo, pois experienciar refazendo-me em outro corpo requer detalhes,
requer cuidado, requer mais tempo do que o normal. Quebrar a cara demanda
tempo, espaço, currículo Lattes, nervos, fúria, lágrimas, cordas vocais,
psicanalista, aulas de Yoga, livros de poesia... Até passar, até saber o que de
mim é do Outro e o que do Outro sempre foi meu, embora Ele também o negue. Não
é uma maneira inteligente de aprender as coisas, eu devo confessar. Não foi uma
questão de escolha, todavia. Nasci com estes olhos que me traem e esta foi a
única tática que consegui desenvolver até o momento. Até porque táticas
melhores requerem olhos opacos e nunca tive muito tempo para desenvolvê-los.
Ocupava-me contigo, com esse Outro, universo que remedeio...
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