segunda-feira, 17 de março de 2014

Ser mulher e mãe é ser carta fora do jogo no protagonismo político


Essa semana que se passou eu recebi cinco convites para diversos eventos culturais e políticos. Dois atos na rua, reuniões de organização desses atos, dois encontros sobre relações livres e mais uns sambas e congressos e festas, etc. Eu tenho a sorte de ter muitos amigos verdadeiramente engajados em projetos políticos, literários e sociais. Toda semana, eu recebo ao menos dois convites de Sarais formidáveis. Aí tem também o Cooperifa, os sambas todos, os congressos, as mostras de cinema e até rodadas de cerveja no fim da tarde, na Augusta, na Paulista. Eu sempre me senti muito feliz em ser lembrada por tanta gente especial e que assim me considera e em ter acesso a tudo isso, a essas oportunidades de discussão e reflexão. Mas eu não vou a quase nenhuma (podem continuar a me convidar, por favor!).  Eu amo a rua, eu acho importante todos esses debates, eu realmente acredito nos valores ali discutidos e que minha presença talvez contribuísse com o coletivo ou grupo dos participantes. É desse ponto que eu quero começar: da mulher e mãe que tem de ficar à parte de tudo isso. Incluo-me nessa categoria.
Se lembrarmos que dois terços dos mais pobres do mundo são mulheres, que uma grande parte delas são chefe de família, que outra grande parte, mesmo na classe média, têm jornada dupla de trabalho – fora de casa e dentro, que para não cumprir essa jornada têm, em boa parte das vezes, de contar com a ajuda remunerada ou não de outras mulheres, que muitos dos debates em que as decisões políticas são tomadas estão em locais longe da periferia, sem estrutura nem pressuposição para receber mulheres com filhos, seria pertinente a questão: estaria de fora da política exatamente a quem ela mais interessaria e mais se pretende como representante? E quando somamos a isso que o machismo bem como a representação masculina ainda é predominante nos movimentos de Esquerda, que ainda se orgulha em esbravejar que gênero é “questão secundária” na opressão social, que a “raiz” da questão é SOMENTE classe, veremos que o quadro que se configura é ainda mais cruel à nós, mulheres , mesmo às que não são mães.  A nós mães, eu temo nem haver quadro: somos carta fora do baralho.  Nossas vozes são raptadas pelos “companheiros” que dizem nos representar (?) com toda a boa vontade do mundo, mesmo quando esquecem de criar mecanismos para nossa participação enquanto protagonistas da luta que sabem interessar a nós mais do que a ninguém. Mesmo nos movimentos que ocupam a periferia, se observamos, a discrepância de gênero, a não ser em questões exclusivas às mulheres, é gritante aos olhos.
Até hoje, em 12 anos de participação no movimento estudantil e no ambiente acadêmico, conheci apenas uma pessoa que veio a mim para participação de um evento de discussão política em que a presença de crianças estava pressuposta. Era uma jovem mãe, como eu, que inseriu a questão no movimento político provavelmente por compartilhar da mesma realidade.  Na Universidade, a única vez em que levei meu filho a um congresso fui bem recebida, mas acredito que tive sorte, pois outras três mães com quem conversei foram hostilizadas, isso quando não foi feito o pedido direto de que se retirassem da sala de aula ou do evento acadêmico. Na moradia estudantil, a hostilização e tentativa de minha saída foi direta e clara, como eu já coloquei em outro texto aqui.
Diante disso, das discussões políticas e culturais apartadas das periferias, do não oferecimento de uma estrutura para que mulheres e mães possam participar das decisões de políticas sociais, eventos e atos para exigir ações do Estado e da sociedade que comtemple suas necessidades, de uma esquerda que ainda posiciona o Feminismo como questão secundária, de um machismo que incentiva fortemente a competição entre mulheres e o seu mais violento desamparo – “quem pariu Mateus, que o balance”, “na hora de fazer não gritou”, “essas menininhas dançando funk daqui a pouco engravidam e (bem feito!), vão se ferrar”, onde fica a voz da mulher e mãe? Qual o lugar da mulher e mãe -  e pergunto inclusive por mim- , no engajamento dos movimentos sociais? Na contribuição para a pesquisa acadêmica? Na participaçãoo de eventos culturais? E se, para intensificar, a mulher e mãe for também mãe-solteira? 
Eu acredito que é imperativo aos movimentos sociais pensar esse tipo de questão se querem deixar de ser movimentos liderados por uma “classe-média-branca-ilustrada” – que tem boa vontade, ninguém diz o contrário – para se transformarem em movimentos liderados por quem a voz e as memórias são cotidianamente apagadas. Acredito ainda que o ponto de partida para isso deva deslocar-se para cotidiano dessas pessoas como matéria primeira desses movimentos e não, como eu vejo hoje, um devir “futuro que nunca chega chamado Revolução mas que enquanto isso tome no cu”. Para tanto, talvez o mais importante seja o fortalecimento de esquemas de solidariedade entre mulheres e entre mães e entre homens apoiadores para a participação dessa classe especifica de pessoas cujo recorte é...tchã, tchã, tchã, tchã... GÊNERO!           
       

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