Essa semana que se passou eu recebi cinco convites para
diversos eventos culturais e políticos. Dois atos na rua, reuniões de
organização desses atos, dois encontros sobre relações livres e mais uns sambas
e congressos e festas, etc. Eu tenho a sorte de ter muitos amigos
verdadeiramente engajados em projetos políticos, literários e sociais. Toda
semana, eu recebo ao menos dois convites de Sarais formidáveis. Aí tem também o
Cooperifa, os sambas todos, os congressos, as mostras de cinema e até rodadas
de cerveja no fim da tarde, na Augusta, na Paulista. Eu sempre me senti muito
feliz em ser lembrada por tanta gente especial e que assim me considera e em
ter acesso a tudo isso, a essas oportunidades de discussão e reflexão. Mas eu
não vou a quase nenhuma (podem continuar a me convidar, por favor!). Eu amo a rua, eu acho importante todos esses
debates, eu realmente acredito nos valores ali discutidos e que minha presença
talvez contribuísse com o coletivo ou grupo dos participantes. É desse ponto
que eu quero começar: da mulher e mãe que tem de ficar à parte de tudo isso.
Incluo-me nessa categoria.
Se lembrarmos que dois terços dos mais pobres do mundo são
mulheres, que uma grande parte delas são chefe de família, que outra grande
parte, mesmo na classe média, têm jornada dupla de trabalho – fora de casa e
dentro, que para não cumprir essa jornada têm, em boa parte das vezes, de
contar com a ajuda remunerada ou não de outras mulheres, que muitos dos debates
em que as decisões políticas são tomadas estão em locais longe da periferia,
sem estrutura nem pressuposição para receber mulheres com filhos, seria
pertinente a questão: estaria de fora da política exatamente a quem ela mais interessaria
e mais se pretende como representante? E quando somamos a isso que o machismo
bem como a representação masculina ainda é predominante nos movimentos de Esquerda,
que ainda se orgulha em esbravejar que gênero é “questão secundária” na
opressão social, que a “raiz” da questão é SOMENTE classe, veremos que o quadro
que se configura é ainda mais cruel à nós, mulheres , mesmo às que não são mães.
A nós mães, eu temo nem haver quadro:
somos carta fora do baralho. Nossas
vozes são raptadas pelos “companheiros” que dizem nos representar (?) com toda a
boa vontade do mundo, mesmo quando esquecem de criar mecanismos para nossa
participação enquanto protagonistas da luta que sabem interessar a nós mais do
que a ninguém. Mesmo nos movimentos que ocupam a periferia, se observamos, a
discrepância de gênero, a não ser em questões exclusivas às mulheres, é
gritante aos olhos.
Até hoje, em 12 anos de participação no movimento estudantil
e no ambiente acadêmico, conheci apenas uma pessoa que veio a mim para
participação de um evento de discussão política em que a presença de crianças
estava pressuposta. Era uma jovem mãe, como eu, que inseriu a questão no
movimento político provavelmente por compartilhar da mesma realidade. Na Universidade, a única vez em que levei meu
filho a um congresso fui bem recebida, mas acredito que tive sorte, pois outras
três mães com quem conversei foram hostilizadas, isso quando não foi feito o
pedido direto de que se retirassem da sala de aula ou do evento acadêmico. Na
moradia estudantil, a hostilização e tentativa de minha saída foi direta e
clara, como eu já coloquei em outro texto aqui.
Diante disso, das discussões políticas e culturais apartadas
das periferias, do não oferecimento de uma estrutura para que mulheres e mães
possam participar das decisões de políticas sociais, eventos e atos para exigir
ações do Estado e da sociedade que comtemple suas necessidades, de uma esquerda
que ainda posiciona o Feminismo como questão secundária, de um machismo que
incentiva fortemente a competição entre mulheres e o seu mais violento
desamparo – “quem pariu Mateus, que o balance”, “na hora de fazer não gritou”,
“essas menininhas dançando funk daqui a pouco engravidam e (bem feito!), vão se
ferrar”, onde fica a voz da mulher e mãe? Qual o lugar da mulher e mãe - e pergunto inclusive por mim- , no
engajamento dos movimentos sociais? Na contribuição para a pesquisa acadêmica?
Na participaçãoo de eventos culturais? E se, para intensificar, a mulher e mãe
for também mãe-solteira?
Eu acredito que é imperativo aos movimentos sociais pensar
esse tipo de questão se querem deixar de ser movimentos liderados por uma
“classe-média-branca-ilustrada” – que tem boa vontade, ninguém diz o contrário
– para se transformarem em movimentos liderados por quem a voz e as memórias
são cotidianamente apagadas. Acredito ainda que o ponto de partida para isso
deva deslocar-se para cotidiano dessas pessoas como matéria primeira desses
movimentos e não, como eu vejo hoje, um devir “futuro que nunca chega chamado
Revolução mas que enquanto isso tome no cu”. Para tanto, talvez o mais
importante seja o fortalecimento de esquemas de solidariedade entre mulheres e
entre mães e entre homens apoiadores para a participação dessa classe
especifica de pessoas cujo recorte é...tchã, tchã, tchã, tchã... GÊNERO!
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