É a vela que passa na noite que fica.”
Frase em cartaz de um dos postes da rua de meu trabalho,
Alto de Pinheiros.
Poema original da frase:
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela
Serena a passar,
Que é que me revela?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.
Fernando Pessoa, 5-08-1921
E todos os dias, aquela frase no poste. Frase que só pude ver
ao atravessar a rua, mudar o habitual curso do caminho, em escolher caminhar
invés de esperar o demorado ônibus ao trabalho. Passei a andar pelo lado
“errado” da calçada. Todos os dias subir
a rua pelo lado direito da São Gualter. E todos os dias eu prometia fotografar
aquele cartaz. Cartaz colocado em uma rua de raros transeuntes, os moradores,
acredito eu (fantasmas?), só saiam de casa de carro. Ou, como confabulava, as
casas ali eram abandonas mesmo, só as faxineiras e, seguranças e porteiros
caminhavam naquela rua e em horário bem anterior ao meu. Bairro abandonado, à
espera de sua venda na especulação imobiliária paulistana, tinha poucos
leitores àquele cartaz. Ou alguém
invadira meus sonhos e, em indireta livre ao meu coração, trolava meu
caminhar rumo ao meu buraco negro de horas de vida.
Como não podia deixar de ser, a promessa continuou sendo
apenas uma promessa... O cartaz fora arrancado.
Hoje, depois de muitos meses do acontecido, procurei na internet se havia o poema em
outro lugar, se era de algum poeta conhecido e, qual surpresa, é de Fernando
Pessoa! Todavia, a via antiga retomada e,
como no cartaz, continuo a postergar a fotografia – doce ilusão em reter o poético,
e meus sonhos, sonhando sem ver os sonhos que tenho. Como a vela que passa na
noite que fica...
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