quinta-feira, 12 de julho de 2018

Ei de morrer

Ei de morrer
Ei de morrer
Todos os meus amores
como um grande Rio
tem de morrer sua doçura
para se juntar ao Mar
como meu rosto tem de se salgar
para deixar de amar

Ei de morrer
E como ei!
Todos os meus amores
como o alcoolotra
tem de morrer suas noites de samba
para não se entregar
E para não se entregar
morre até o choro
morre até o calor do corpo
daquela
que tantas vezes foi quem o levou a tocar
e a Amar...
ai!
Ei de morrer

Ei de morrer
E ei de morrer é tudo
cada poro inscrito em sua pele
e o seu cheiro
cada água derramada
de alegria
em nosso orgasmo derradeiro
cada gole de vinho
dançado em desalinho
cada fio de cabelo
esquecido entre suas costas, meus seios e os lençóis

e o seu suor

ei de morrer

Ei de morrer
como quem se descarrega
ao se banhar
antes de pisar o terreiro
e se batiza
antes de se entregar a Jesus
e se despede antes de entrar numa casa em chamas
e apagar o fogo
ao que ali se entregou


e que se benze antes de entrar e depois de sair
aiiiiiii!
Ei de morrer

Ei de morrer
Como deve morrer um pouco Yara
ao matar quem ela escolheu afundar
de tanto amor
morrer o Outro
e deixar a si mesma
e nisso se fundar deusa
ei como ela
e como eu mesma
Todos os meus amores

ei de morrer
ei de morrer! 

domingo, 13 de maio de 2018

Se não for dormir cedo
Se não tomar o remédio
Bicho papão vai pegar você
Vai pegar você
Vai comer você
E você vai chorar bastante
Vai chorar bastente
Lembrando que bicho papão
Não existe
Que bicho papão não existe
Lembrando que você não é mais criança
Não é mais criança
E por isso precisa tomar remédio
Tomar remédio
para dormir
Para dormir
Senão o bicho papão vai pegar você
E você vai chorar bastante
Lembrando
Lembrando
Lembrando...
A gente vive em um mundo em que te dizem para ter grandes e/ou lindos sonhos, mas sem criar nenhuma expectativa. Se não são as expectativas o que nos move, o que nos motiva então? As vezes penso que eu só precisaria de um pedacinho de futuro, só um pedacinho... Para ter o direito de criar alguma expectativa.

Esta


Para a poeta que escreveu no passado A Outra

Esta
A que em mim agora habita
não quer mais ser a Outra
todos os dias
(somente alguns)
quer ser apenas esta mesma
ainda sabendo que
não se é
somente
passagem de si

Esta
A que em mim habita
já se sabe
corpo
e dança
por fora
e por dentro
E já sabe que as manchas
que derrama no papel
socialmente
ditas
grafia em preto
são na verdade
seu mais profundo
Vermelho.

Esta
A que em mim habita
ainda aborta afetos
e sozinha
agachada ao banheiro
Mas também pari orgasmos
do encontro com si mesma
lambuzada de seu próprio ungüento.

E já sabe se amar, pois já envelheceu falsas esperanças
E já  sabe brincar, pois aprendeu a ser criança
E já não tem medo de amar
pois se ainda não sabe onde ir
(e quem sabe?)
curandeira e guerreira de mim
Já tem força e sabe
onde não ficar.

Eu, passarinho



Quando um beija-flor
espalha a semente na terra
ele não teme que a semente que sem saber carrega
não venha a nascer.
Sem medo
só mels
espalha e fecunda novos destinos.
E a beleza de seu voo e de seu próprio destino não depende das sementes que não nasceram por que cairam no concreto.
Assim será esse destino que caiu em mim ao me sugar:
flor, mel
e voo .

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Benção

"E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." Gênesis 1:27
***
Era um novo encontro e eu, como sempre, repetitiva. Era de novo comer a maçã proibida e depois enfiar o dedo na goela para vomitar.
Era a cobra se enfiando em mim e o sangue que me coalhava. 
Era  sua língua sugando o meu pouco antídoto, era eu achando que tinha algum antídoto...
Eu encontrei um corpo, foi o meu. Eu o encontrava e me desfazia. No meio chorava. Era eu num querer sem fim.
Eu encontrei o outro e ele me mostrava: o medo que eu tinha dele e eu fugindo de mim.
Eu me debati em minha própria fundura e foi você. E me encontrei como a lua se encontra n'água: ao que se vê, se afoga em sal.
Era uma febre após o veneno da picada, era o sangue de Cristo naquela taça. Era eu morrendo e renascendo.
Era uma benção e uma maldição: 
era ser filha de Deus e costela de Adão.
Quem me protegeria de minha própria carne ainda que misturada à sua?
Que benção seria tão poderosa para que o fogo daqueles lençóis não me cozinhasse? Ein?
Que maldição seria tão agourenta que me desse um destino sem medo de me dissolver em barro, matéria realmente tua e minha?
Era um novo encontro e eu, como sempre, repetitiva. Era de novo comer a maçã proibida e depois enfiar o dedo na goela para vomitar.
Era eu enfeitiçada pela maça e apaixonada pela cobra. Era o sangue do filho de deus descendo pela garganta até o coração.
Era eu te benzendo ao que me amaldiçoava.

***
"No princípio criou Deus o céu e a terra.
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas."
Gênesis 1:1-4
#VYG

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Talvez

Um poema em diálogo com uma música:

Talvez

Talvez eu quisesse provar
que o amor é possível
mesmo a nós
as filhas de Lilith
mesmo a nós...
as filhas de Lilith
Lilith:
a que de tão forte
não foi sequer nomeada
apenas
apagada sua história
Nós
que como ela
não se fez feia
nem bela
nem semideusa
nem deusa
que se fez...
o amor por si mesma
Lilith
e a sinceridade de um corpo
belo e monstruoso
pés em garras
sexo que não se esconde
-
demônio
anjo mal
fera
-
FORTE
-
Contudo...
talvez eu quisesse provar
que o amor é possível
também a nós
as filhas de Lilith
mesmo a nós...
as filhas de Lilith
E recusar o presente
de minha mãe
- o de não ser amada
em troca de penetrada -
e não negociar
com nenhum
Deus
ou semideus
ou nenhum homem
ser só
em si
o amor por si mesma
mas as vezes
talvez...
eu quisesse provar
que o amor é possível
mesmo a nós
as filhas de Lilith.
A música é essa aqui:
"Sinto que os deuses têm medo de mim
Medo de mim
Metade homem, metade deus e os dois
Sentem medo de mim[...]
*Lilith: em alguns mitos, a primeira mulher criada por Deus antes de Eva.
"Lilite foi criada por Deus com a mesma matéria prima de Adão, porém ela recusava-se a "ficar sempre por baixo durante as suas relações sexuais".
". Ao mesmo tempo que ela representa a liberdade sexual feminina, também representa a castração masculina."
Fonte: Enciclopédia livre Wikipédia.