terça-feira, 24 de janeiro de 2012

E o que resta dos ombros

Um humilde diálogo com o poema de Drummond.

...

Os ombros


ainda suportam


O peso da mão de uma criança


Apagada


após o extermínio


Dos não pagadores de impostos


almas secas


sonham concretadas


as semelhanças entre São Paulo e Nova York


E os ombros,


agora quebrados,


continuam a suportar esse mundo .


Não se pode dizer o mesmo do coração.  

 ...

O poema com o qual dialogo:

Os Ombros Suportam o Mundo

Carlos Drummond de Andrade


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
 
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

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