quinta-feira, 31 de março de 2011

Por uma arte de Conduta: o sensível e o político na estranheza das obras de Bruguera

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There are no dangerous thoughts; thinking
itself is dangerous.
-Hannah Arendt.

“Los artistas y escritores son ingenieros de almas”

-Jose Stalin

No punishment has ever possessed enough
power of deterrence to prevent the commission
of crimes. On the contrary, whatever the
punishment, once a specific crime has
appeared for the first time, its reappearance
is more likely than its initial emergence
could ever have been.
-Hannah Arendt.

Como descrever uma experiência em que o ético simplesmente pulveriza qualquer tentativa de beleza e, ao mesmo tempo, a presentifica por meio de sua anulação? Foi sob o impacto dessas idéias e sob um sentimento ambíguo em observar um “simulacro auto-explosivo” que me deparei com o trabalho de Tania Bruguera.

Não é de hoje que a crítica de Arte e os próprios artistas se perguntam o quanto o teor político de uma obra pode servir de parâmetro para sua caracterização enquanto tal. Passada a crise estética imposta pelo advento do nazismo, em uma das nações em que a cultura fazia parte do cotidiano de seu povo e que ainda sim serviu de berço a crueldades jamais experimentas, a relação entre estética e ética se tornou pauta imprescindível quando o assunto é arte. Foi também a essa época que Adorno decretou a indissociação entre arte e política e que Deleuze trouxe à baila a contribuição do marxismo à psicologia e aos estudos sobre recepção e sensibilidade.

Do mesmo modo a que Adorno e Deleuze, Tania nos traz uma polêmica obra em que os sentidos são clamados à reflexão . Tania é uma artista cubana cujo trabalho de performance e de instalações se vale da arte em sua dimensão social. A artista formada pelo Instituto Superior de Arte de Havana e pela School of the Art of Institute of Chicago tem sua obra voltada para as questões de poder e controle. Suas performances incluem assuntos relacionados à vida cubana depois da revolução, como a violência, a censura e a submissão à autoridade, mas não se limita a esses temas. Atualmente, Tania vive e trabalha entre Havana e Chicago, é a fundadora e diretora da Catedra de Arte de Conduta e também é professora assistente no Departamento de Artes Visuais da Universidade de Chicago, Estados Unidos e professora convidada da Universidade IUAV em Veneza, Itália.

Poucos artistas levam tão a fundo a exploração da tensão que uma obra pode estabelecer com seu público. A Arte de Conduta, como nomeia Bruguera, tem em sua carnadura o estalar nervoso de um repentino deslocamento que leva o observador a cair inesperadamente em uma experiência estética e do pungente sentimento de estranhamento de suas instalações. O interesse de Bruguera é explorar ao máximo a relação entre ética e desejo. Nas palavras da artista, “este é um momento de conscientização. Consciência do poder, da importância e transcendência da ação. É a política como sensação “¹, ou ainda, “Me gustaría que mi obra no fuera vista, sino recordada”.

É impossível ficarmos indiferentes, por exemplo, à imagem de Bruguera, nua, em meio a um monte de carne crua a lamber um livro. A posição da mulher nua nos lembra a publicidade, mas o choque da imagem coloca todo esse nosso imaginário por terra. Na instalação On the Political Imaginary, em Cuba, temos um túnel com pessoas nuas sob bagaço de cana em apodrecimento e, ao final, um vídeo com os discursos de Fidel Castro.

E é exatamente por seu posicionamento por uma arte de conduta que o trabalho de Tania causa polêmica por onde passa. Em setembro de 2009 a artista gerou enorme incomodo ao distribuir cocaína em sua apresentação na Universidade Nacional da Colômbia, em Bogotá. s.

Também em 2009 Tania realizou uma leitura teórica sobre arte intitulada Auto-sabotagem (Tania Bruguera, autosabotage, 2009, lecture. ) em que discursa sobre o que é arte acompanhada de um revolver. Ao final da leitura é simulado um disparo da arma em sua própria cabeça em teatralização de seus argumentos sobre Arte como Sabotagem.



Link do video: http://www.youtube.com/watch?v=oQyOsbGXvH8

Romântismo, utopia, ou como alguns nomeiam, “arte para aparecer”, seja como for, é realmente sedutor ter contato com a intensidade da obra de Bruguera. E ficam as questões: o quanto se relaciona o desejo e a ética através da arte? Qual é a história de nossos desejos?

Você também pode gostar de ler:

Desde Cuba - E nos deram os microfones: Texto de Yoani Sánchez sobre a performance de Tania em Cuba.

Blog Penultimos Dias - Um texto muito sensível sobre as obras de Tania e a trajetória das obras ao longo da carreira da artista.

Site de Tania: Site com textos acadêmicos de Tania, com informações sobre a Catedra de Arte de Conduta presidido pela artista e sobre o movimento de emigrantes que iniciou.

Fontes:

Fonte imagens: http://www.neuberger.org/exhibitions/view/189.html?width=660&height=500

Fonte de pesquisa:

Blog Penultimos dias: http://www.penultimosdias.com/2008/09/16/el-arte-util-de-tania-bruguera/. Visitado em 10 de março de 2011.

Site de Tania Bruguera: http://www.taniabruguera.com/cms/


sexta-feira, 4 de março de 2011

Diário de uma não escritora

 

É inevitável que a cada dia a mesma questão não deixe de martelar meus  parafusos: o que me fez parar de escrever?

Tantas coisas a dizer... O ciúme pela primeira vez experimentado, a covardia diante de um projeto de mestrado, os medos, os deslumbramentos de cada dia. A relação incestuosa com os escritos de Hilda Hilst, as novas caraminholas fecundadas por Deleuze. Hilda que com sua A Obscena Senhora D. até o momento coloca-me a desconfiança de que alguém, antes mesmo de eu nascer, soube entrar em meus pensamentos, e transpos tudo, obscenamente, em um livro público. Com Deleuze, colocada de lado a dificuldade da leitura, pela primeira vez senti a esperança de uma reflexão ética e psicológica que não se cristalizasse em arquétipos aparentemente idiossincráticos e aleatórios.

Tantas coisas... Tantos sentimentos... Sento-me em um restaurante e degusto a minha sopa com uma única coisa na cabeça: escrever. Um enorme sentimento de pequenez diante da vida e um delicado e discreto buraco negro a chupar minhas expectativas.   E o que há contigo, senhorita Y. ? E o que há contigo a quem sempre a escrita foi mais do que uma obrigação: a quem a escrita é a única forma de viver menos distante do que chamamos de completamente? Escrever requer disciplina e hábito e é isso o que eu não contava.  Dominar o sono, o cansaço, parar de dispersar com tantos moinhos de vento...

Essa semana, finalmente, eu tirei do papel o meu projeto de um blog de crítica literária e de arte. Um primeiro passo, o qual, espero manter.

Deixo aqui o endereço do blog o qual espero manter a atualização com a disciplina de um atleta.

É... E mais uma vez, um, dois, três, testanto!

Blog Oficina de Saudade: http://saudadesensaiadas.wordpress.com/

§  Se fosse possível escrever um diário de saudades inventadas com escrituras das lembranças do que jamais vivi, tais relatos estariam reproduzidos neste espaço. Mas, ao procurar uma definição para este projeto – as escrivinhaduras de minhas leituras, não soube separar em exatidão a vida sentida e capturada nos livros que me permeiam e todo o resto.Assim, o máximo que conseguirei prometer a quem por ventura por estas linhas se enredarem são: Ensaios de ensaios…

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"Porque hoje eu vou fazer um samba sobre o infinito..."

Olá querido diário, querido e abandonado diário, a quantas anda, companheiro? Eu ando bem, obrigada.

Ano novo, vida nova conta-nos o dito popular. E que assim seja! Que este maravilhoso rito de passagem traga-me muita coragem para este novo e misterioso ano.

2011 não foi um bom ano para esta infeliz blogueira de meia tigela. Todos os pensamentos a lascar-me as carnes, as lágrimas a desenhar seu curso em meu rosto e ainda assim, as mãos anestesiadas. Um ano de muito silêncio. Um ano de muito medo. E de quem? De meu bicho papão imaginário, oras! Rsrs!!! Estamos em queda de braço! E Nada foi poupado.

A não aceitação de um ideal de maternidade hipócrita, o trabalho questionado, a faculdade abandonada. A paixão questionada, os saberes deslocados, a família, trator de subjetividades. Ao final do ano, o pedido desesperado de Férias. F.É.R.I.A.S. Vai todo mundo pra balança!

Ser responsável, absolutamente responsável por minhas escolhas e também, por minhas cobranças.  Um ano de escolhas.

Mas enquanto isso, eu quero apenas, uma pausa de mil compassos...rsrs!!!

Samba  de Paulinho da Viola na voz de Marisa Monte

http://www.youtube.com/watch?v=haAppvK_DlI 

Silêncio por favor
Enquanto esqueço um pouco
a dor no peito
Não diga nada
sobre meus defeitos
Eu não me lembro mais
quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas
Uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas
E nada mais nos braços
Só este amor
assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sobre quem eu sou parte II: a festa...

Sobre quem eu sou parte II: a festa...

Seria mais uma dessas comemorações familiares não fossem as idéias. Há muitos meses que não via meus tios por parte de mãe e o casamento de minha tia caçula finalmente conseguiu reunir a todos. O ponto de encontro era a casa de minha avó, Dona Joaquina, matriarca de seis filhos os quais criou sozinha, com muito sacrifício e muita dificuldade. Dos sete, apenas um não estava presente por motivo de desaparecimento a mais de dez anos – doença mental. Todos os demais estavam lá, presentes, unidos, cheios de filhos e netos a correr pela rua pela falta de espaço na pequena casa de minha avó. Três de seus cinco filhos presentes moram na casa de sua mãe, casa esta obtida na época do Governo Quércia, em lotes de pequeníssimas casas muitíssimo afastadas dos centros e que abrigariam famílias de grandes proporções as quais, com o tempo, fariam desses locais, sobrados mal planejados, puxadinhos, reformas das mais diversas, tendo em vista que em seu formato original não os caberiam de maneira alguma.

Apesar das melhoras nos transportes públicos da região leste de São Paulo, muitos dos convidados tiveram de esperar o ônibus por uma hora a fio para garantir presença na comemoração. Os ônibus têm maior freqüência durante a semana, nos dias “úteis” em que trabalhadores que moram na “extrema-periferia” atravessam a cidade por salários modestos e algum utensílio de conforto em seus lares. E têm toda a razão: somente em seus lares têm a possibilidade de nos “dias- inúteis” terem algum conforto, não serem empurrados, pisoteados, ou esperarem por um transporte público que por essa lógica maluca só serve para servir ao que é privado – somente ao trabalho.  E foi assim que,  após duas horas de metrô lotado (Butantã – Itaquera) e a carona de minha mãe a me pegar na Estação Corinthians Itaquera, que chegamos à casa que seria ponto de encontro para o churrasco. O salão ficava na rua ao lado onde somente após a chegada de todos iríamos seguir a pé.

Enquanto o momento de partir não alcançava, crianças que não mais reconhecia as feições me cumprimentavam e esclareciam a esta persona non grata serem meus primos. Uma tia avó questionava à minha avó se o pai de meu filho “me ajudava” com algo para a criança e eu a conhecer o mais novo andar da casa dos fundos, construído pelo marido de minha tia. Tia Elizete, a noiva, é uma dessas mulheres, ou melhor, é A mulher de personalidade forte, fala direta e sincera, de uma beleza que os homens querem, mas que não teve muita sorte no amor até então.  Mãe de quatro filhos e apesar disto com pouca paciência pra crianças, sempre investiu todas as suas energias nos amores de sua vida e sempre foi muito criticada por sua mãe por conta disso. O novo marido, o único “marido mesmo”, de papel passado foi mais uma de suas ousadias em uma família branca, de loiros de olhos azuis e que olhava pessoas negras assim, meio de lado.  Negro, orgulhoso, sorridente e de fala extrovertida, Genésio conseguiu sucesso financeiro por sua competência extrema como chefe de obras. Apesar disso, construiu a nova casa, a nova vida, na “extrema periferia” de São Paulo, pois lá é feliz e pretende seguir sua nova história.

O salão era um segundo andar construído acima de uma das casas do tipo descrito acima em que havia uma churrasqueira, muita carne, pães, cerveja à vontade e uma família que veio do nordeste e que conseguiu construir uma história acima de tudo de união. 

Entre uma conversa e outra, meu primo de 17 anos senta-se para falar comigo e perguntar de minha irmã, com quem tem muito mais contato. Conversa vai, conversa vem, perguntas sobre o que faço, o que tanto estudo (oito anos de graduação é difícil de explicar) e eu o questiono sobre o futuro. A resposta, porém, é simples e pragmática: “vou trabalhar na loja com meu pai. Já estou dentro, montando móveis, só preciso estar mais perto dele, do trabalho dele”. E os estudos, pergunta a prima estudiosa: “mal sei falar e ler direito, não vai dar certo”. Também na mesma conversa, me pôs a saber  que os montadores de móveis da loja de seu pai ganham melhor do que eu. Devo esclarecer que isso em nada fere meu orgulho, mas me deixa um tanto quanto invejosa por não saber o oficio.

Durante a comilança e as conversas de mulheres de nossa mesa, Genésio me aborda e diz que quer me apresentar a um amigo. A pessoa em questão, ou melhor, a família em questão, era a de seu melhor amigo, amigo de toda a vida e a quem fui escolhida para apresentação por ser, segundo ele, alguém passível de muita admiração. Durante nossa conversa, Genésio me contou que fui apresentada por ser uma “intelectual”. Fui apresentada ao melhor amigo de toda sua vida por ser “A intelectual”.  

E como não ser “A intelectual” com todas as observações estereotipadas e com esse tipo de texto tão distanciado? Que a tudo observa como se não fizesse parte? A intelectual que foi morar no bairro nobre de São Paulo? A mesma que tem um falar tão diverso daquela família. Palavras que distanciam... Que escondem. Esconderam de mim também, como se a V.Y de sempre tivesse irreversivelmente morta.

Ao mesmo tempo, não consigo mais me lembrar a quanto tempo eu não me sentia tão à vontade: tão em casa!  Era como se finalmente, eu estivesse entre os meus...

Em tempo! Devo confessar  um arrependimento: não ter jamais cursado marcenaria...rsrs!  

             

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Meu bicho papão imaginário

Conta-se entre tantas experiências ligadas a infância de alguém, a fase em que a criança inventa um amigo imaginário e em todas as suas experiências partilha com o tal amigo os acontecidos e as brincadeiras. Conta-se também, desta fase da vida, sobre o medo do bicho papão ao apagar das luzes à hora de dormir. Em ambos os casos, o Tempo exerce enorme bondade   e leva tais medos consigo no caminhar dos dias (ou os troca por outros!). Porém a mim, este senhor das horas parece ter escolhido para um pregar de peça. Nem cultivei o amigo imaginário, nem matei meu bicho papão. Ao contrário: adquiri um bicho papão imaginário. Dos mais maldosos que se poderia inventar, este noturno “companheiro” em voz cínica e ensurdecedora vive a tirar-me o sono com uma simples palavrinha: incompetência.   Você é incompetente, ele me diz. Você é insegura e por isso é incompetente, argumenta. O maldito até conseguiu operar boas mudanças em meu comportamento. Passei a ser pontual, acordar cedo, ser mais organizada... Mas... Como eu disse, temos aqui um bicho papão e não um amigo imaginário crítico.  Certa vez Satre levantou a importância em alguém ter projetos, ou a opção de ter projetos para sua vida. Estar envolvido em um projeto pessoal.  

E o que acontece quando estamos fora da escolha? Acontece perdição. Pra onde ir quando parece estar no lugar errado, com as pessoas erradas, na hora errada? Eu vos digo: achamo-nos O Erro. Não saber se o otimismo alheio é que é besta, ou se eu é que sou invejosa da competência alheia.  Não saber se sou insegura, ou se o que classifico como atitude segura é sancionada por outros como violência/indolência. A perdição de todos os limites da justa medida. A paralisia das idéias.

Sigo assim alçada de qualquer tipo de projeção de futuro. E toda noite meu bicho papão imaginário. A molestar-me, a colocar toda a fragilidade humana exposta a meus olhos. Toda a fragilidade que tanto me esforço em esquecer quando a luz do dia e o barulho dos carros competentemente cumprem sua importante finalidade: ensurdecerem-me ao que realmente  me é humano.  Às vezes, me questiono se tais questões são o que me paralisam, ou o que realmente deveriam me mover. Se os demais fingem não temerem tais angustias, ou se realmente não as tem... Infelizmente, só o bondoso Tempo poderá me ajudar no diálogo com o meu bicho papão.     

 

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A confusa Senhorita D.

Olá querido diário, a quantas anda?

A esta que vos escreve as coisas não andam, tropeçam. Mil coisas a dizer e ainda sim, não saber como. E o que me trouxe aqui hoje? Uma enorme necessidade de dispersão.

Após três longos meses da creche de meu filho em greve, dívidas, dúvidas, trabalho, estágio da faculdade e toda sorte de imprevistos, heis que volto à arena: desisti de organizar minhas deslumbrações. Por esse período, passaram em meu socorro, ou para me apunhalar de vez, as leituras de Hilda Hilst, a obscena Senhora D. (duas vezes) , e no momento, o diário de Anais Nin, Henry e June. O que isto tem a ver?  Que coinscidentemente, ou como se diz por aí, por fraqueza de espírito, nunca estive tão próxima da sensação de me ver em espelho enquanto lia um livro. Em especial, pelo primeiro. Senhora D, de derrelição, desamparo, é um dos livros mais fortes que li em toda minha vida.

Quem sabe por ter sido um período de inferno astral (rsrs!) a sensação de desamparo descrita no livro e vivida em meus dias acasalaram-se como dois amantes. Assim como a protagonista, a Senhora D, o mundo parece ter adquirido dimensões infinitas, esmagadoras, e eu tão pequena a divagar por  locais que não me pertecem. Uma eterna estrangeira em terra própria.

Algo em mim está em grande mudança e só o que sei é que dói.  Espero que seja uma dor necessária.

O que acontece é que de uma hora pra outra eu me sinto uma hóspede do mundo, uma desterrada nata. Maltida reflexão a esfregar em minha fuça a casa onde sou a inquilina indesejada, o trabalho alheio ao meu conhecimento, o lazer fugitivo.  A faculdade em que sou um incomôdo, o Sindicato que despreza minhas necessidades, a Universidade a quem crê que me fazer benevolência. A família cuidando de sua vida. Na época, um amor que só cuidava de si (algo que enfim mudou).  A melhor amiga do outro lado do Oceano,  a outra do do outro lado da cidade, casada. No meio disso tudo, o filho, as contas, todas as más noticias dos jornais.

Lembranças....Meus país e eu passamos toda minha infância e juventude morando nos cômodos da frente da casa de minha avó paterna. Coisas boas - vó a todo momento a cuidar de mim - coisas ruins - vó a todo momento se interferindo no casamento de meus país - o fato é que parece que em mim criou-se um sentimento crônico de “estar incomodando”. Ainda é fresco em minha memória a frase tantas vezes repetida: vocês moram aqui de favor e nem sequer pagam IPTU.  Com o nascimento de Gabriel, tornei-me novamente uma “devedora de IPTU”: “você poderia deixar seu filho com sua mãe”. Isso foi o que as assistentes sociais disseram em “meu apoio” assim que minhas necessidades tornaram-se incomôdas.

 Debati, bati e endureci. Mas não o suficiente, eu sei.

Acumulo. Aos poucos vejo um quadro com somas, de todos os lados e, em todas as situações, a minha fraqueza. O jogar na cara de minha mãe em pegar o Gabriel a cada 15 dias (não mais!), o favor da babá em cuidar dele. O favor de o Sintusp ter “lutado” pela creche a qual ele fecha por três meses todos os anos. O favor do namorado em conviver com minha ausência. 

Favores, sempre a dever favores...E aquela sensação de que não importava o quanto pague, enquanto eu depender  de qualquer favor, ou mesmo serviço, ainda sim serei cobrada. Mas é impossível estar só o tempo todo. Limites. Como impor limites do alto de meus castelos de areia?

Total geral dos últimos meses: desamparo.

Total parcial: Preciso urgentimente aprender a ser só com os outros. E a ser feliz assim.

Total inicial: Enquanto não sair deste novelo de medos em que me enredei, não haverá ninguém que ouvirá tudo o que tenho a dizer e o pior: não conseguirei me mover.   Talvez também seja necessário admitir que preciso de ajuda para isso.

Sim, sim, está tudo muito vago. Deixa assim! Já, já organizo!