quinta-feira, 6 de maio de 2010

Derrelição




Paulista, 702/10 U, chaqualhadas, dor de cabeça. Porque raios tenho tanta dor de cabeça?! Maltido corpo doidor!!!

Seria o vinho? Minha boca adormecida...só poderia ter sido o vinho. Quantas vezes teria eu bebido nos últimos dias?: Energético com wiskey no sábado, cervejada na segunda, taça de vinho na terça, mais vinho na quarta.

Óbvia ignorada dor de cabeça a latejar meus miolos! Eu sei que não sou alcoolotra - Superego ativado: “apenas idiossincrasia de acontecimentos. Casamento, aniversário, café da livraria, jantar com meu amor.”

Mas, por outro lado, não posso negar que o anestésico me seduz. Euforia e anestesia...Aquela taça de vinho diante deste mundo estúpido é quase um atentado ao pudor!!!  Gostosura serena estar alcoolizada. 

Esquecer e lembrar...e a vida balança num balaio de nenem.  Para cá, para lá... Debussy...

Eu estava na festa de casamento e um amigo non-sence encostou a câmera fotográfica quase no meu nariz. Foto mais esquisita que eu já vi. Realmente minha amiga tinha razão: eu sou feita de pele, ossos, cabelos e olhos. E mesmo após a “tiração de sarro”, não é que só então percebi que tenho uns olhos enormes? Em 25 anos de vida, nunca havia reparado nisto! Olhos enormes. Como as pessoas conseguem olhar para mim com esses olhos tão grandes? Teriam perdido seu medo do lobo mau? Eu lavei o rosto e aquele vinho deixava meus olhos ainda maiores dentro do espelho. E se quando eu desligar a luz de meu quarto e fechar os olhos, essas duas coisas redondas, grandes, verdes e olhadoras se abrirem dentro de mim? E eu for devorada por este lobo mau, como foi chapezinho? (Não dormir de touca vermelha, anotar na agenda assim que acordar).

Eu não tenho agenda. Fui amaldicioda pela praga dos alejados de agenda. Um dia, virá um sapo de olhos pequenos, arrancará meus olhos grandes com sua lingua fina e comprida e eu passarei a usar agendas. Mas o fato é que sem agendas e sem sapos, ando a dormir com lobos de olhos grandes, invasivos e ridicularizadores.

Dureza, durificação, durificar: qual a medida entre a dureza e a violência? Entre o medo e a coragem? Entre a prudência e a covardia? Durificação da alma. Ser ou não ser, sábio Shakeaspeare! E no escuro os questionamentos baratos e de jingle repetido parecem desadormesserem furiosos: Até quando suportarás o peso do mundo, hein senhorita olhos de lobo?

Pausa!

A questão, entretanto, é bem simples: esse peso do mundo em meus ombros seria sinal de coragem ou covardia? Até que ponto o trabalho, o filho, o namorado me pesam, ou me aliviam? Dentro do que é possível, a quem entregar o que há de melhor em mim: o meu tempo e o meu bem querer? O Tempo. Se fosse escrito com letra maiúscula, talvez a humanidade fosse finalmente ética e feliz. O Tempo e sua boca de lobo, mãos de criança. Carnificação molestadora de nossos sentimentos, desescultor de corpos.

Mas “Resta ainda esse coração que queima como o Círio...” Sábio Vinicios a salvar minhas tardes! Cretino seja esse ar condicionado a esfriar corações que queimam como Círios e que não sabem usar Excel!

Vaguidão? Que se Danem as explicações!!! Espero mesmo que ninguém entenda nada meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeesmo! “O essencial é invisivel aos olhos...”

Apenas um registro de uma raiva besta diante desta vida besta, destas horas bestas empenhadas em coisas bestas que me chupam do que realmente é importante. 

 

*[...]  Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

 

Trecho de Os ombros suportam o mundo, Carlos Drummond de Andrade (grifos meus)




terça-feira, 20 de abril de 2010

Maldito Marx!!!


Ócio. Tédio. A dúvida é inevitável: caralho, porque não posso aproveitar esse tempo dormindo?!?!?! Afinal,  dormir é só o que desejo nos últimos tempos.

O dia está lindo lá fora e eu deveria ter vontade de viver o que está lá. Mas penso na trabalheira disso e a vontade em estar no aconchego de minha cama retorna. Viver é coisa de uma trabalheira, né?! Tantas coisas a fazer e sempre parece assim: ter sempre algo em atraso a fazer.

Em meio a este estado anestésico e incômodo resolvi perambular por algum dos milhões de blogs que tenho em meus favoritos do Explorer e não é que caio em um maldito texto sobre a teoria marxista?!

 

O mundo só existe para o animal como deglutição, consumo, objeto de desgaste e destruição – a busca da repetição incessante desse mundo faz da sobrevivência seu campo de realização.

 

Só o homo sapiens sabe que vai morrer. Então, para ele, não faz nenhum sentido que o mundo seja apenas a incessante repetição da busca por comer e copular. Ele não pode mais deixar que lhe passe com indiferença a existência que lhe resta: só quem tem consciência da proximidade crescente da morte é capaz de estabelecer a vida como sua esfera de existência.

 

O homem inventa o arco e a flecha para não ter que passar o resto da vida correndo sem parar atrás da comida. Ele precisa cantar, dançar, brincar, conversar, inventar, imaginar, pensar, em suma, ele precisa transformar o mundo de maneira que deixe de meramente sobreviver e passe a viver. Ele precisa fazer do mundo um lugar bonito, musical, gostoso e aconchegante onde ele não precise mais brigar por comida, onde ele possa encontrar seus amigos e mostrar para eles seus inventos, danças, músicas, pensamentos, brincadeiras e conhecer o que seus amigos têm de novo, para que, juntos, possam transformar novamente o mundo num lugar onde tudo isso possa se realizar.

 

No blog em que recolhi o exerto acima– Café Moçambique, alegam ser o texto anonimo. É claro que, como já iniciada na teoria marxista e em um monte de outras tantas, não deveria haver qualquer espanto, ou estranhase na leitura deste tipo de texto. Mas como não pensar no estado de prostração a que me confinei nos últimos tempos? Eu trabalho para viver, mas vem final de semana, vem feriado, vem férias e só o que quero é dormir?

Resolvi voltar a escrever. Nem que seja qualquer coisa. Q.U.A.L.Q.U.E.R C.O.I.S.A! Este cérebro, estas ansiedades, todas as trivialidades que esta caichola habitam necessitam voltar a serem registradas: preciso de uma prova cabal de que ainda estou viva... 

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Da solidão necessária (e inevitável)


Há quem defenda que a condição humana é a da dependência em relação ao outro. A de nunca estar só. Mas, talvez em decorrência de tantas chuvas e de uma solidão eterna que em mim parece enraizar-se com o passar do tempo (quem sabe como o mato que prospera com a chuva), enxergo que grande parte de meus medos, covardias e erros venham da negação furiosa que opero para esquivarme de uma condição primeira: a solidão necessária da condição de existir. Não sei isso acomete a todos, mas acredito que, mesmo em parte, sim: quem nunca invejou de forma incestuosa as decisões alheias? Quem nunca sonhou com ter a seu serviço uma espécie de gênio que viesse aos ouvidos e lhe revelasse a escolha certa em uma situação difícil? Um gênio que lhe tomasse o corpo, como quem toma uma marionete e que o “fizesse fazer”? Somos absolutamente solitários em nossas decisões, em nossas responsabilidades e em nossas dores. Há a possibilidade de culparmos a outros, e os culpados podem mesmo existir. Porém, em uma reflexão sincera e franca junto ao travesseiro será difícil nos exirmimos de nossa cumplicidade a nossos algozes. A condição solitária fica ainda mais evidente se pensarmos em nossas dores. A quem confessar a raiva infantil e os desejos bobos que a provocou? A quem partilhar a amargura ainda doída do que tivemos de passar por cima? É claro que a “vaguidão” de tantas perguntas tem origem mesma na solidão do que tenho de guardar e que talvez contextualizasse melhor tanta inquietação.  Por outro lado, posso compartilhar o que ando a observar em mim e nos que vivem ao meu redor. O que anda a despertar o meu interesse, tanto em minhas atitudades, quanto nas atitudes de quem amo, ou mesmo de quem odeio, é o medo. Quantas paixões amputadas, violências, durezas, futilidades, passividade acompanham a sofreguidão de nos entregarmos as decisões alheias e paradoxalmente, em não admitirmos a dependencia que temos do amor alheio?  O medo que azeda tudo. Explico. Acredito que por não ser suportável a nossa condição solitária, amamos. Enquanto estamos junto ao ser amado, nos sentimos protegidos de nossa condição. Ao mesmo tempo, podemos ou, nos viciar nisso, e nos tornarmos “escravos do outro”, nos rebaixando inteiramente as suas vontades. O contrário também é possível e, a fim de demonstrarmos a nós mesmos nossa “racionalidade” e distanciamento, passamos a depreciar e ignorar o ser amado, ou a qualquer um que ouse expor nossas fragilidades. Um exemplo disso é o que acontecia quando ainda não era mãee e dizia que tinha medo de crianças. Isso porque, muitas delas, ao se depararem com minha deficiência, eram categóricas: “você é feia!”. Por muito tempo, creio, tive medo de acreditar nisso. Então, preferia manter-me distante a fim de não odiar-me. Com o tempo, essa questão foi se resolvendo em mim e consequentemente, perdi o medo dos pequenos. Embora reflexões exparsas e com pouca maturidade para descrever o que exatamente gostaria de escrever, nestes últimos meses ando a sentir o peso do que  chamo aqui de condição solitária da existência. Ser ou não ser dizia Shakeaspeare e ele tinha razão: decidir é realmente angustiante. Condição paradoxal a de apenas nos completarmos no outro e pelo outro e ao mesmo tempo sermos  os únicos a termos o leme de nossas decisões – dentro de um quadro de opções. A coragem em dizer sim e em dizer não às aproximações à subjetidade alheia. Aprender a diferenciar “estar só” e “ser só”.  Por esses dias, em conversa com meus botões, pensava em uma “mania feia” que insisto em repetir: contar tudo de minha vida de maneira descontrolada. Colocando de lado o caráter narcisico desta mania, percebi que expunha-me descontroladamento por algo além do que a necessidade de falar sobre mim. Não sou eu geralmente quem inícia assuntos em que a minha vida seja o tema princípal (ao menos não na maioria dos casos). Por algum motivo que desconheço, as pessoas com quem tenho contato têm uma curiosidade enorme sobre minha vida. Nada de mal até aí, se essas “curiosidades” não fossem geralmente invasivas e de intenções duvidosas. Geralmente estão a especular a “exoticidade” de minhas atitudades frente a minha condição de pessoa que tem deficiência – namorar, ter filho, sair à noite, etc. Mas o que eu realmente ando a me perguntar é o porquê eu tão solicitamente respondo em pormenores a esse tipo de interlocutor? Por que sinto-me tão impelida a prestar contas de minhas atitudes? A condição de existir é de solidão e eu acrescentaria, dentro de uma enorme contradição que não sei resolver, amor. Eu sou uma viciada da aprovação alheia. Um carência estranha que de fundo esconde uma enorme covardia em frustrar expectativas alheias são (ou assim acredito) alicerssam essa compulsividade em expor-me tão desprotegidamente.   Um dia, quem sabe, eu consiga resolver todas as contradições desse desabafo. Até lá, é ter paciência com a vida que, mal criada, opera suas  mudanças somente a conta gotas...                   

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sobre quem sou...

Já faz dois anos que ela se foi e tudo o que representou , em presença e em ausência, nunca foi escrito por mim até agora. Procrastinação, medo e imaturidade resumiriam bem o meu silêncio...

Essa “ela” de quem contarei hoje é Dona Maria Lourdes Gonçalves, minha avó paterna. Mulher nascida no interior de São Paulo em 1925, Batatais, foi criada por sua mãe sozinha, pois perdeu seu pai ainda com dois anos de idade. Teve mais quatro irmãos, dois dos quais eu conheci. Os outros dois morreram, um aos seis anos de idade e outro na juventude, afogado na piscina do Club Nitro Química Irei deter-me na primeira morte apenas ao final deste texto. Morreu aos 82 anos após um AVC durante um tratamento para cura de um Câncer. Essa caipira corajosa e disciplina foi, junto com meus pais, a pessoa que “me criou” e graças a quem sou o que sou. Mas não é apenas um escrito de homenagem o que me traz novamente à essa arena...

O silêncio “significa”. E não apenas: é um verbo com objeto direto - silenciar alguém. No texto passado, discuti a função do sentido para o aprendizado e desconstrução de ideologias em nossa subjetividade. Não sei se consegui imprimir força suficiente para os perigos de uma cegueira em relação a alguns sentidos, mas, talvez, na corporização do que isso pode levar consiga ser, se não mais clara, mais palpável. O que me traz aqui é o grande incômodo em tardiamente ter percebido o que fiz: eu passei boa parte de minha adolescência e fase adulta a perfidamente silenciar a minha avó.

Dona Lourdes foi uma grande contadora de histórias. Das histórias de sua vida. Conforme foi envelhecendo, parecia mais querer falar. E falava. Mas, mal sabia ela, falava só...Passei minha infância em companhia de minha avó. Eu fui sua principal interlocutora e sua principal “emudecedora”. Explicarei com algumas perguntas e conclusões que tanto demorei a delinear. O que acontece quando quem tanto amamos passa a nos irritar veementemente? E o que deve acontecer quando quem tanto amamos e a quem tanto nos dedicamos passa a nos ignorar ferozmente?

Violência. É isso o que acontece. Há vários tipos e modos de violência. Algumas são mais óbvias em nossa cultura. Mas o espectro é grande o suficiente para não enxergarmos certas nuances. A família é um trator de subjetividades. O tempo todo na defensiva, a querer salvar nossas identidades e, conseqüentemente, a passar por cima das demais. É no ambiente familiar, neste ambiente de amor - e ódio - que parece estarmos mais vulneráveis e mais ferozes com outros indivíduos A promiscuidade da evasão e da invasão de nossas subjetividades em um ambiente transpassado por uma sociedade em que a voz do velho e da criança são caracterizadas pela irrelevância e pela imprudência, não poderia gerar senão, violência. Em minha casa não foi diferente. E tudo que é sólido se desmancha com o ar...
Em 2008 minha avó veio a falecer após um ano inteiro de dor, medo e indiferença de muitos dos que tanto amou. Seus filhos “não tinham mais paciência” para ouvi-la. Uma de suas netas que também foi criada por ela apenas a ajudava quando tinha vontade. Eu, também por conta da gravidez, não conseguia ouvi-la sem descordar e talvez, as únicas que não a desqualificou foram minhas primas. Quem sabe, por terem morado muito tempo fora do país, a elas, as histórias de Dona Lourdes não enfastiavam. Quando somos crianças, achamos que para sempre teremos nossos pais. Eles são fortes, sábios e sempre nos salvam de tudo. Acho que crescemos e essa idéia não nos deixa de todo. Eu tinha toda a eternidade para ouvi-la, então porque fazer isso naquele momento? Muito mais importante ler teóricos, filósofos, jornais, revistas, “gente jovem” “sem idéias passadas e de pouca utilidade em nosso contexto”.

Eu teria de ler um pouco mais, ou ouvir um pouco mais. Mas o que sei é que de algum modo, Walter Benjamin tinha razão. Não temos mais paciência para narrativas reais. Deixamos folhas de papel e giga bytes nos substituir. A palavra, que voa com o vento, mas que mais força chega ao coração está em baixa no mercado. Eu leio para me tornar “uma pessoa melhor”, mas o que eu pareço ter esquecido – e não só eu - é que de nada servirá “ser” se o tempo se encarregará de calar esse “conhecimento” adquirido sob o rótulo da velhice. Talvez seja preciso, de uma vez por todas, parar de nos embasbacar com a legitimidade dada à escrita e voltar a “ouvir conselhos e histórias de vida”.

Por estes dias, em um conflito que tive com meu filho, percebi que repetia os mesmos erros de minha mãe. Eu os repetia mecanicamente. Daí que percebi além dos erros, muito do que eu negava de seus conselhos, não passavam de pura birra e dos defeitos que lhe atribuo, pura demagogia, pois os repetia tal qual ela. Somos também e fortemente quem convivemos. Se tudo o que estudamos, nos enfeitamos e nos gabamos nada mais é do que ferramentas de nossos desejos, o desejo pelo outro, somos sim, como nossos pais. E enquanto não estivermos atentos a isso, corremos sério risco de termos em nosso destino o mesmo que dei a minha avó: o silêncio. Violentamente, o silêncio. Substituídos por qualquer palavra socialmente – pelo senso comum – legitimada. Por qualquer palavra morta sem afeto...

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“Lurdinha” tinha ainda dois anos, quando seu irmãozinho de seis, ficou muito doente: intestino preso. O menino não conseguia ir ao banheiro e a situação cada vez mais se só se agravava.

Lourdes e seus irmãos moravam na roça, em um sítio pobre, mas que tinha algumas mangueiras. Manga era a fruta predileta do irmão de Lourdes.

Os dias passavam e o menino ficava cada vez pior, até que sua mãe, finalmente, resolveu levá-lo para o Hospital, na cidade. Mas o trem que os levariam só passava pela manhã e sem outro meio de transporte disponível, teriam de esperar.

“Manga prende o intestino” diz o medicina popular e também a mãe de Lourdes ao seu irmãozinho. Mas o menino não largava a saborosa fruta à espera do momento em que, por fim, pudesse dar uma dentada daquelas na em sua suculenta manguinha.

Quase pela manhã, já desfalecido pelas dores de barriga, mas ainda com a manga nas mãos, o menino não agüentou Um outro trem passou primeiro e o levou. Um mais rápido e menos cruel. E o menino se foi, levando a manga nas mãos...

Conta minha avó que em cima de sua sepultura, um tempo depois, nasceu sem que ninguém ali plantasse, um lírio branco que nunca morria, apesar das todas as pragas e do mau tempo.

 


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Um, dois, três, testanto!

Ano novo, vida nova, já diz o ditado popular. Então, para dar um empurraozinho nos posts deste ano, vamos mudar esta cara amassada e ver se exercitamos essas idéias enrrugadas...Nova cara e nova casa também! Replicarei (mais um projeto infálivel?) o conteúdo deste diário também em www.yaritcha.wordpress.com. Vamos ver no que dá!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Discurso e sentido

“Eu gosto quando mentem! A mentira é o único privilégio humano perante todos os organismos. Nunca se chegou a nenhuma verdade sem antes haver mentido de antemão quatorze, e talvez até cento e quatorze vezes, e isso é uma espécie de honra; mas nós não somos capazes nem de mentir com inteligência! Mente para mim, mas mente a teu modo, e então eu te dou um beijo. Mentir a seu modo é quase melhor do que falar a verdade à moda alheia; no primeiro caso és um ser humano, no segundo, não passas de um pássaro!”
DOSTOIÉVSKI - Crime e Castigo
A cada dia que passa, convenço-me mais e mais de que apenas “papagueamos” boa parte dos discursos que pronunciamos. Não porque sejam discursos já ditos e repetidos, mas porque no fundo, não fazem sentido verdadeiramente para nós. E eu digo “nós”, pois enxergo isso o tempo todo ao meu redor. Explicarei o que entendo deste recorte de idéias e de onde o retirei.
Sentido englobaria os conceitos  e apreensões discursivas que inerentemente se ligariam à nossa vida e às nossas experiências, a capacidade em entender algo e/ou se colocar na  situação dita entendida, ou ainda, no papel – social - dito entendido. Estaria então no âmbito dos enunciados e da sua consequente (ou seria inerente?) classificação de mundo. Seria assim, o que vai além das relações sêmanticas e pragmáticas: contemplaria o ideológico, o sentido em sua condição de sentimento, a literalidade de sentirmos os discursos que nos tocam.
Em minhas aulas de Metodologia de Lingüística, o professor Valdir Barzotto nos colocou a reflexão sobre a tão discutida e batida questão das variantes linguísticas. O que ele nos apontou foi o fato de que os sociolinguístas em boa parte de seus textos empenham discursos de “abaixo ao preconceito língüístico” ,  promovem a idéia de que todas as variantes são importantes, mesmo as mais desvalorizadas socialmente. Contudo,  ao mesmo tempo em que “papagueiam” esses discursos, fazem-no na mais rebuscada e complexa NORMA CULTA DA LINGUA. Alguns diriam que o fazem assim em razão das regras sociais que infligem ao gênero científico a utilização da norma culta como pressuposto de legitimidade. Okay. Mas que outra maneira de legitimar uma norma línguística senão pelo uso? 
Sexta-feira passada, em minha aula de Didática, a professora nos trouxe o documentário “Heliopólis, bairro educador”, do diretor André Ferezini, sobre a EMEF Presidente Campos Salles, na favela de Heliopolis. Nele, é retratado como a própria comunidade  ajudou e participa ativamente no desenvolvimento e realização do projeto pedagógico da escola.  A iniciativa começou com a mudança de postura e visão pedagogica em relação à cultuta escolar tradicional, do diretor Braz (ver dados do documentário no link). Para obter o sucesso que hoje tem o projeto e que é que me importa aqui, foi a necessidade de deslocamento de pressuposto das pessoas daquela escola e, como pude constatar àquele momento, nunca havia feito SENTIDO para mim realmente: a voz e contribuição daquela comunidade como conteúdo de caráter valorativo. O diretor junto com as lideranças locais e os pais das crianças construiram um projeto pedagógico JUNTOS. A postura que realmente me chamou atenção foi a de que o objetivo do ensino àquelas crianças não é que saiam da favela para “algo melhor”: e sim, que lá fiquem e modifiquem o seu local de origem, politicamente. Um movimento exatamente contrário ao que eu fiz: assim que passei a fazer parte do ambiente social privilegiado financeiramente ao de minha origem, construi um projeto de vida de mudança e negação da cultura e mesmo do local de onde eu vim. Para tanto, desenvolvi e, não serei hipócrita, desenvolvo os mais diferentes argumentos. Mas ao assistir o documentário, não pude calar uma pergunta incômoda que ainda agora me gera certo mal-estar: qual é a  cultura do local de onde vim?
Alguns mais sarcásticos poderiam responder: a cultura do churrasco de final de semana e da adolescente com cabelo molhado pingando a creme de tratamento capilar e calça jeans de lycra apertada. Talvez. Mas por algum motivo, também não consigo engolir o discurso polido e envernizado do “pessoalzinho do Espaço Unibanco”. Não que eu não frequente o lugar. Mas realmente não é essa a cultura que me apetece. É como se eu fosse uma “aculturada”, desajustada pela cultura que acolhi artificialmente e pela que também nego tão simuladamente quanto a tento recuperar.
A partir daí, desde livre associação até a rememoração dos acontecimentos que ando a verificar no lugar onde vivo, a USP, não pude deixar de associar essa minha posição demagoga à toda demagogia que desde que entrei à Academia presencio, tanto no discurso dos alunos, quanto dos docentes, e, inclusive, de maneira grosseira, embora, não sejam as aparições grosseiras o que anda a me incomodar.
De alguma maneira, supeito que tal demagogia é sustentada pela modalidade “sarcasmo desnecessário”, ou ainda “sarcasmo em cima do muro” que coloca fogo em tudo e, deste modo, esconde o que realmente veicula. Creio que posturas duramente críticas em nível de sarcasmo sejam necessárias. Por outro lado, o exagero com que muitas vezes é utilizado incomoda-me muito. Uma acidez desnessária que, sagasmente tenta dissimular o quê traz consigo:  uma posição confortável e hipócrita de "sei o que acontece, mas não tenho nada a ver com isso". Como se sob este patamar, pudessem manter-se em amoralidade. Porém, nunca revelar o que se pensa não é, no fundo, de um moralismo medonho? Direi o porque desse mote, inspiração deste texto.
Freqüentemente ando pela Faculdade de História da USP e o que eu vejo não é bonito. Eu vejo fascismo, eu vejo posturas legalistas alienadas, eu vejo machismo, eu vejo moralismo sexual, eu vejo os mais diversos totalitarismos ideológicos. Eu ando pela Faculdade de Letras da USP e vejo preconceito lingüístco, eu vejo despotismo, eu vejo deslumbramento barato, eu vejo fetichismos demagogos. Eu convivo com gente da filosofia e as descrições feitas por eles são de um ambiente de irresponsabilidade pedogógica por parte dos docentes, narcisismo e elitísmo que não faz o menor sentido em um país de terceiro mundo - para não dizer ridículo. Aliás, elitismo, eis o que eu vejo em toda a USP, sob as mais variadas nuances. Conforme o contexto, um tipo de discurso. Se o ambiente é a aula, o discurso do politicamente correto (seja lá o que isso for). Se o ambiente é o bar, o individuo saca seu melhor sarcasmo, o do politicamente incorreto (que não há como errar). Já nas relações familiares, o  discurso utilizado é o do senso comum ou, simplesmente, o SILÊNCIO. Aliás, “sentido” , definido nos moldes como descrevi  na abertura deste texto, para os enunciadores do “sarcasmo em cima do muro”, realmente, mora em seu silêncio.  O silêncio dos formadores de opinião, da “nata intelectual da sociedade”.
O engraçado é que há qualidade de silêncios. O silêncio da classe média geralmente é classificado com o rótulo da tolerância.Muito diferente do silêncio dos alienados e alienadas do suburbio. Aqueles cuja cultura é fazer churrasco e andar de calça jeans de lycra dita vulgar . De onde virão os futuros professores de humanas (curso fácil de passar no vestibular, ou ainda o mais barato de pagar) ressentidos.  Os futuros classe média resignados. Ou, “como sempre”, os “futuros bandidos”, serventes de pedreiro, atendentes, prostitutas... Os futuros “sem futuro” do país.  Muito diverso do “silêncio puro” de simulação da tolerancia, da ideologia do amoralismo,  da rigidez do politicamente correto e do politicamente incorreto: a ideologia do acolhimento axiologico. 
Por estes dias, eu discutia com uma amiga sobre a questão das minorias. Ela argumentava que não concordava com linhas teóricas multiculturalistas em que se exalta o “poder” político de movimentos de resistencia de minorias sociais. O que ela colocou, resumidamente, é que esses movimentos estão dentro do sistema capitalista e como tais, servem apenas para “alivio de consciencia” do discurso capitalista, atenuantes com o único propósito de calar esses agentes. Diante dos argumentos, questionei o que essas “minorias” farão “enquanto Seu Lobo não vem”? Mas ao final da discussão tive de admitir que do que ela colocava, havia algo realmente em que não apenas tinha razão, mas também preocupava a mim: nós não vivemos em uma época de acolhimento axiologico, mas de conceção axiologica. Um exemplo disso foi o que minha professora de Análise do Discurso descreveu de sua participação em uma banca sobre uma dissertação que tratava dos discursos de mães de homossexuais. A dissertação defendia que os discursos dessas mães era de acolhimento axiologico ao que Norma rebateu que não. Nos relatos análisados pela dissertação, as mães dizem que amam o filho APESAR de ele ser homossexual e não que o ama PORQUE ele é homossexual. Foi a utilização continua de concessivos a que Norma se apagou para rebater o argumento de acolhimento defendido pela dissertação.  O que se via nos relatos dessas mães eram relatos de conceção axiologica, nunca de acolhimento. Em meu caso as pessoas me amam APESAR de ter deficiencia física e APESAR ser mãe solteira. Poucas são as que me amam sem despadaçar a minha vida em compartimentos.   Poucas são as pessoas que me amam enquanto sujeito de minha própria existencia e não como a frustração resignada de suas idealizações. Cada um deve passar por situações semelhantes em maior ou menor grau, então, atualizem a questão suas vidas como quiserem. O resumo da ópera é um “papagueamento” de tolerância, de cultura, de senso crítico...
Não é de hoje que as questões “o que é sentido?” e “porque pessoas com tantas e tão boas leituras seriam tão demagogas? ” parecem estar intimamente ligadas. E nas últimas semanas para minha tranquilidade, vi que essa é uma discussão que já vem de muito nas discussões teóricas e é uma das principais pautas das discussões dos pedagogos e sociólogos que lidam com Educação. No texto de Adorno, Educação e Emancipação, texto pós-nazismo, a preocupação com uma educação essencialmente entrelaçada a um sentido, em caráter subjetivo é a direção central da reflexão.  Deleuze em o Anti-Édipo, também sob a sombra dos acontecimentos que ocorreram durante o nazismo,  ressalta a importância em estudármos os mecanismos e discursos que levaram um povo de cultura tida como predominante letrada e de apreciação da reflexão filosófica, como era a Alemã, a concepção de uma ideologia que desencadeou as práticas realizadas durante o Nazismo.  Bernard Charlot, filosofo da área de Educação, tem sua pesquisa exatamente sob a reflexão que iniciei aqui: a relação com o saber. O que ele coloca em sua pesquisa é a necessidade em se interpretar o saber como a manifestação, como modus operanti, de um sujeito desejante e não o objeto do desejo desse sujeito. Antonio Candido ao discutir o que seria “Compreensão” sob o ponto de vista da teoria hermenêutica nos traz que compreender algo é entender o que o discurso diz e ligar tal conhecimento à sua experiência de vida.  Nesta perspectiva, a abertura deste texto poderia ser apenas uma repetição vazia de algo já colocado por Antonio Candido. Mas a minha posição caminha ainda para o radicalismo da relação compreensão/história de vida do enunciatário. Com relação a Charlot, conheci o seu trabalho por força do destino quando já havia escrito mais da metade deste texto.Um outro autor o qual impregna as idéias desta minha materialização de “minhocações”  é Backtin, com as leituras que fiz de Marxismo e Filosofia da Linguagem, e, Dialogismo e Polifonia. Neles o autor me trouxe que temos como caráter inerente da linguagem as relações dialogicas que estabelece com outros textos e a ideologia como condição sine que non do signo lingüístico enquanto conceito que se refere ao que é constituído de SENTIDO.  Com base no que Backhtin e Antonio Candido dizem é que olho esses “ruidos de linguagem” e me convenço de que talvez,  sentido e senso crítico, como almejamos através da erudição de nossas leituras e aulas, estariam em relação de indissociação e o último só teria razão de ser enquanto apreensão profunda, completa, enquanto o que a hermeneutica classifica como “compreensão”,   e não apenas como prática técnica de reprodução do arquétipo discurso acadêmico.  Claudemir Belintane (2005), linguísta e professor da Faculdade de Educação,  tratou em seu texto, Matrizes e matizes do oral, na Revista Doxa, rapidamente em um dos trechos de seu artigo sobre o que de alguma forma eu tento apalpar nesta minha especulação:
Falar é falar-se, como diz Kristeva (1988 p.19) mas “falar-se” não apenas por que se domina um código e uma interlocução objetiva, da qual se pode deduzir um suposto conteúdo habitual e ali entrever um sujeito lógico especularizado. O “fala-se” que faz diferença suficiente é o que se enlaça às ambiguidades de uma herança primaria, desejante, que demanda do outro amor e sentidos – sentidos para além da compreensão objetiva, que ultrapassam a dimensão consensual da correlação significado/ significante. (BELINTANE, 2005)
O processo inverso do fetiche cientificista que passamos na Acadêmia.
E não é preciso ir longe para falar sobre fetiche cientificista. O  departamento de Linguística, por exemplo, se tornou o departamento de Gerativa. O que está fora disso é inclusive ironizado como “não-linguística”. “Análise do Discurso não é Linguística!” é o que sempre ouço  entre risos dos colegas da Gerativa. E isso porque não é considerado “cientifico”. Estamos no alge do tecnicismo. O que fugir a ideologia da argumentação dita lógica, cartesiana, legalista não terá legitimidade ou adquirirá qualidades pejorativas.
Dentro desse quadro, como falar em sentido como uma atualização dos discursos que temos contato, “do outro que nos atravessa” pela atualização subjetiva por deslocamentos e pulverizações de nossos arquedestinadores e arquedestinatários (imagens sociais de nós e de nossos interlocutores e que moram dentro de nós)? E se a história só fizesse sentido se for atualizada em nossa vida e,  para o resto, fossemos apenas uma espécie complexa de analfabetos funcionais?