terça-feira, 19 de outubro de 2021

Quem eu serei em seis anos

Eu queria ser essa que eu sou hoje só que há seis anos atrás. Para evitar os problemas que eu tenho hoje. Só que é exatamente os erros desses seis anos o quê me formou em ser quem eu sou. É um paradoxo. 


Eu queria ter dito que eu poderia ser solidária com quem fosse, mas não com minha casa. A casa é minha extensão de corpo, ser solidária parece ter sido esconder o medo de eu ficar a sós com esse corpo. 


Eu morei com algumas pessoas, quase todas sem deficiência física. A casa nunca esteve tão limpa quanto por mim. Eu achava que eu precisava das pessoas para isso acontecer.


Gostaria de ter me perguntado há seis anos atrás porque eu deixo a imagem de uma incapacidade que eu nem testei me fazer acreditar que todos em minha volta podem fazer coisas a mais do que eu.


Eu queria saber naquela época é que minha imagem às pessoas importa sim. Mas o quanto eu preciso investir em mim para sobreviver?

É verdade que ser uma pessoa com deficiência demanda mais gastos, no meu caso. Porque eu lembro o dia em que eu caí na rua e por ser uma pessoa com deficiência me deixaram no chão. Na chuva.  

Pessoa com deficiência física é pedinte se está no chão. E pedinte quando pede ajuda, pode ser ignorado. 

Saber quem sou no mundo e saber que essa narrativa não é minha me faz planejar o quanto eu quero investir para não sofrer violência. Para ter minha voz respeitada. E em quê eu quero colocar dinheiro e energia para isso acontecer.

Eu queria saber naquela época que meu consumismo é fruto do medo de ficar no chão na rua de novo 

E não uma loucura da minha cabeça.


Queria me avisar naquela época a segurar minha ansiedade em ter de dar conta de urgências alheias. Urgências essas que dava conta por achar que preciso mais das pessoas do que elas de mim.  


As pessoas me dizem há muito tempo para eu aguentar coisas que só eu darei conta.  

Eu queria saber, há seis anos atrás, que as coisas dão errado. E as pessoas escondem que deram errado. Elas não aguentam necessariamente. E que eu posso errar e eu posso voltar atrás mesmo em grandes escolhas.

Há pouco tempo, duas pessoas me culparam por eu ter feito o que elas mesmas aconselharam. As falas foram de que eu não fiz do "modo certo". Bom, se eu relutava em fazer, era porque não me sentia preparada. Em um dos casos, o que deu certo posteriormente foi fruto do meu primeiro erro.


Talvez eu não seja uma mulher de "meios termos", mas use esse lugar como defesa

um lugar de ponderações que

eu não preciso fazer

nem agora

nem há seis anos atrás. 

há seis anos atrás.



É só um relato para alguma Outra-Eu, que esteja na fase do que eu era, 

há seis anos atrás

e para os próximos seis anos.


quinta-feira, 15 de julho de 2021

Ejaculação precoce

Vez ou outra vem na cabeça fazer uns versinhos

Só para levar os boy pra cama

Na lábia

Pelos dedos...


O problema é que mal começo 

a escrever

já começo a gozar.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Degustação de tintos

 A tudo merecerei se estiver 

atenta.

Se estiver AQUI.

***

(mas como 

não ter medo

da gula sabendo que o mais sábio

dos deuses foi também

aquele que comeu 

os próprios filhos,

o Tempo?)


Se ainda é doloroso

mastigar minhas memórias

é também um banquete 

eu sei

sentir você em minhas fibras:


Somos D.E.l.I.C.I.O.S.O.S

Decifro-me e devoro-te.





 




quinta-feira, 18 de março de 2021

"Será que ela não se enxerga?"

Pode o subalterno não se sentir subalterno?


Pode o subalterno desejar? Por inteiro?

Pode o subalterno sentir por inteiro?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Sentir números

 Olhar o corpo de uma ideia, foi a primeira vez que vi materializada minha ansiedade. E ela fala em línguas. Números.


Abrir uma planilha e sentir. Não existe linguagem lógica. Os números ali desenhavam meus dias escorrendo em juros.


Amortizações decrescentes juros bebendo em meu pescoço e reproduzindo como células de um câncer. 


A minha ansiedade têm dentes feitos zeros arredondados, mas afiados. Que se escondem por trás de siglas. Abreviações que expandiram a  zero a esquerda que eu me sentia.  Como quem ficou pra trás depois de cansar de nadar.

.

.

Por isso, sinto tanta falta de ar.

Estava me afogando pelas bordas do sonho de uma casa própria.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Ancestralidade

Eu apenas planto sementes.

Coloco num vaso de terra, aguo e espero.
Nenhuma das sementes que plantei nasceram.
Nenhuma.
O vaso parece só conter terra há meses.
E por isso colocam coisas por cima dele.
Jogam bitucas de cigarro.
Eu vou e retiro.
E molho.
Talvez o sal da água ainda faça a terra dali infértil.
Mas eu sei que um dia alguma das sementes naquela terra podem brotar.
E que se nenhuma das sementes que plantei brotarem, ao menos a terra estará fértil
para outras sementes
ou para alguma muda de planta.
A muda contará a todos sobre a herança que cultivei.
Ainda que ninguém escute.

sábado, 18 de julho de 2020

Valor de uso, referencial vazio e corpo desviantes


Um dia desses apareceu para mim como sugestão de leitura um texto sobre a relação entre o ato de comer animais e o modo como as mulheres são consumidas em nosso sistema de consumo.
Era um texto bem simples que fazia uma comparação entre o ato de observar um pedaço de carne retirando o seu sentido de “cadáveres de animais” e o corpo da mulher como algo a disposição para ser “comido”, consumido. 
Um termo utilizado e que achei realmente interessante é o de referencial ausente. Quando pensamos em uma pessoa ou objeto, esse pensar não é algo etéreo e sem matéria: é algo aterrado em referenciais. Isso quer dizer que precisamos ter em mente uma referência real para entendermos o que temos contato. 
O que faz olharmos uma cadeira e sabermos que estamos diante de uma cadeira? A quantidade de pernas? A função de sentar? Como conseguimos ver uma cadeira de três pernas e outra de quatro pernas e interpretarmos ambas como cadeiras? E como diferenciamos um banquinho de quatro pernas e uma cadeira de quatro pernas? 
A nossa visão passa por referenciais de mundo que consegue classificar tudo o que nos rodeia por analogia. 
Ao voltar ao tema corpos e carne já tendo em mãos o conceito de referencial ausente, ficou mais claro perceber como sou vista. 

O texto diz o seguinte:
A função do referencial ausente é manter a carne separada de qualquer ideia de que ela era um animal. As mulheres são referenciais ausentes em nossa cultura também, sendo vistas como um corpo a ser consumido e usado pela publicidade e de muitos outros modos. A teoria feminista é importante, porque nos ajuda a entender o modus operandi de como as opressões estão interligadas. O livro mostra como os animais são consumidos, literalmente, e como as mulheres são consumidas, visualmente, através de acesso sexual de seus corpos estupráveis.

Dessa forma, somos vistas como hologramas vivos, isso quer dizer, seres sem uma história válida, seres sem narrativa. Nossas dores e prazeres passado e expectativas de futuro não existe. Uma grande amiga em conversa sobre o assunto relações afetivas entre homens e mulheres, disse uma coisa muito interessante, que a relação que homens estabelecem com mulheres é a de eterno recomeçar. O que isso quer dizer? Que a relação que estabelecem conosco é como se fosse sem memórias e sem história. Se nos magoaram em algo e nos encontram em outro momento, agem como se toda a história construída anteriormente conosco nunca houvesse existido. Como se nossos corpos não fossem capazes de reter narrativas, apenas somos “deliciosas”, ou úteis ou inúteis. 
Por isso mesmo, após nos violentarem ou nos magoarem, podem conviver conosco como se nada tivesse deixado marcas reflexivas. 
Obviamente, esse tipo de relação de uso - valer somente enquanto gerar algo útil - não é sempre aberta. Mas, para alguns tipos de corpos, esconder que existe uma relação de uso apenas é quase dispensável. Como um bicho menos valorizado, mulheres com deficiência física parecem entrar nesse último grupo. 
O que eu reflito sobre isso é que há uma pressuposição de disponibilidade em relação à nós. Como se de alguma forma houvesse a garantia de que somos corpos disponíveis. Conforme a frase de Elza Soares sobre pessoas negras, somos tratadas como uma das “carnes mais baratas do mercado”.
Hologramas não menos desejáveis como poderia se pensar, somos apenas aparentemente mais disponíveis de se obter e, por isso mesmo, tratadas conforme uma precaridade de trocas. 
A pergunta que fica é como podemos nos empoderar dentro do universo afetivo? Talvez dissociando afeto e sexualidade. A sexualidade seria dessa forma absorvida por encontros casuais. Entretanto, é o tipo de encontro que coloca mulheres já em situação de vulnerabilidade ainda mais em risco (temos o dobro de chances de passar por abuso sexual). 

Ou, abdicando da sexualidade e centrando os afetos em relações de parceria e amizade. 

*Revista Estudos Feministas: Uma teoria feminista-vegana: a política sexual da carne