quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A prece


Já era noite e aquela semana parecia um mau presságio. Cansaço, trabalho, menstruação, dispensa da babá, falta de dinheiro... Faltas e excessos. Irritada, queria dormir, queria que o dia acabasse logo. Pedia ao pequeno para, dessa vez, “não enrolar”.  Segurava para ignorar seu choro, que também estava cansado, segurava para ignorar a fome enquanto o esperava comer, segurava para ignorar o que os apartava – há tanto tempo... Colocado o pijama ao seu lado na cama, fora banhar-se. Ao retornar, o menino ainda nu, a dormir: “só para dar trabalho, não é possível!”. Não segurou-se dessa vez (devia). Tentava acordá-lo à força, vestiu-o cravando as unhas, suas duas unhas, em sua inocente pele. Tudo sem resultado, ainda dormia. “Chinelou-lhe” o bumbum com uma de suas pantufas almofadadas. Já com frio (havia tirado a toalha que o cobria), acordou. E chorava. Dormia, vestia-se e chorava. Menos pela grosseria da mãe, que pelo frio e pelo sono em estar nu em uma noite de inverno. O choro deveria comover, mas segurava. E repetia: “Era só vestir uma roupa!” “Uma maldita roupa!” “O caralho de uma roupa!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!” Parou. 
E o abraçou forte.
Mesmo com o pequeno ainda dormindo, iniciou uma nova repetição: “Desculpa, filho, desculpa...”  Terminou de vesti-lo já delicadamente,  apagou a luz. (Apagada a raiva, o sentido do mundo esclarecendo a noite). E o beijou. Muitas vezes, muitas vezes, muitas vezes... Sua pele úmida molhava o rosto do pequeno, que já ressonava tranquilo. No outro dia, a pergunta: “você lembra da mamãe brigando com você ontem a noite?” – Não, mãe, você brigou porquê? “Porque... porque...”.
Não sabe se Deus existe, mas desconfia que algumas preces são atendidas.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário