terça-feira, 12 de março de 2013

Estética do bom crioulo



Não basta querer ser alguém diferente. É preciso mudar a rotina, mudar os hábitos. Essa foi a nova regrinha de livro de alto-ajuda que eu criei para me guiar daqui por diante. Depois de tantos anos, eu resolvi deixar de ter dois grandes e aflitivos defeitos: ser dispersa e ser tímida. Passar a ser organizada é algo que já estou caminhando, pois seria o terceiro defeito. E que só estou conseguindo mover após mudar meus hábitos.
Assim como os alcoólatras, assim como uma administradora de uma grande empresa a quem tudo é passível de processo e controle, todos os dias, estabeleço bater ponto ao cair da noite. Olhar-me ao espelho e prestar a seguinte satisfação: que receios tive hoje e que não enfrentei?
Parece infantil e talvez seja. Por outro lado, talvez seja isso o que podemos denominar ser alguém responsável. Mesmo a minha terminologia de desdém já é um indicio do que sempre oculto.
Há muito carrego um aflitivo medo do mundo.  Uma estética demagoga que não "orna" com meu discurso "libertário".
Chego ao trabalho e o máximo que consigo pronunciar é um "bom dia" bem sem-vergonha". Aos colegas que caem na desgraça de chegar depois deste bom dia, um abraço, pois não os cumprimentarei. E porquê? Por um maldito medo de sei lá o quê que me paralisa. Um medo refinado, não necessariamente de conversar com as pessoas, pois isso faço com muita facilidade, paradoxalmente. É o medo de falar em público, de desconstruir o tão amado ethos de deficiente física boazinha, assexuada e independente. Qualquer sinal de não mais receber as benesses trazidas por esse papel estipulado a mim, é motivo de auto-correção, medo de ridículo.  E por isso mesmo, o medo de conversar coisas “difíceis”, em meu caso, dar puxões de orelha, fazer cobranças e pedir ajuda. Eu quero ser sempre autossuficiente, por temer ser um peso,  o que seria ótimo se eu fosse deus e pudesse fazer tudo sempre sozinha. Foi assim com minha professora de Análise do Discurso, quando desejava pleitear mestrado, foi assim com o atual orientador o qual eu pretendo (pretendia?) prestar mestrado: não tive coragem de perguntar a ele o que fazer da vida já que ele vai fazer pós-doc e eu não passei na prova. É a minha vida em jogo e, ainda sim, eu posterguei a conversa. E porquê? Por vergonha em pela segunda vez não ter passado na prova de mestrado. Por novamente ter morrido na praia. Por achar que o decepcionei. Nem ao menos o beneficio da dúvida. Não sei a ele, mas a mim, a decepção realmente aconteceu.
Eu estudei. Eu estudo. Eu sou uma eterna estudante. Que nunca sai desta maldita condição de não término. Eu estudei para a prova do mestrado. Todas as vezes. O como eu o fiz é o que carece de consistência. A categoria a qual eu classificaria o modu operantis de meus estudos é o de estudos líquidos. Estagnado nas horas e disperso na continuidade. A covardia e a instabilidade de mãos dadas. Tudo tenho e nada retenho. De tudo eu degusto e de nada me alimento.
E como mudar o quadro?  Eu, ansiosa compulsiva, que quero tudo para ontem, que faço mil coisas ao mesmo tempo, que leio incessantemente, e contraditoriamente sou hiperativa e passiva. Como poderei mudar-me? Disciplina. Matar um leão por dia, um dia de cada vez. Bloquear os hábitos que me dispersam e que me fazem importar tanto com o que pensam de meus atos. Uma pessoa de opiniões fortes, como vivem a me elogiar ou xingar, exigem atitudes fortes. Deixar de ser o bom crioulo. 
E se a vida é o que acontece enquanto a gente planeja, como disse o poeta, então a primeira conta é para hoje.




"Não, não dê mais tantas voltas, não.
Se chicoteia assim por qualquer perdão.
Todo esse teatro não impressiona
Por maior que seja sua recompensa
Não se importe tanto assim
Com sua imagem decadente, enfim.
Nada adianta depois se lamentar
Por maior que seja sua displicência [...]"

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